04 Abril 2016
O ser humano sempre se aventurou a dizer uma palavra sobre Deus. Na busca por uma palavra adequada recorre a sua linguagem humana, expressando seu anseio profundo com símbolos e imagens, normalmente limitados e precários. É um “dizer” Deus que não está desconectado da experiência cultural, pois ao emanar e transpassar o horizonte da cultura, confere-lhe sentido e significado para a existência humana desde sua cultura.
Deus em si, apesar da linguagem humana, permanece sendo o que é. Ela não afeta o Seu ser, mas expressa na medida do possível “algo” que pode ser Deus. Deus é Mistério inesgotável e maior que nossos conceitos. Existem pessoas que escolhem a alternativa do silêncio, uma vez que nada podemos “dizer” sobre Ele, então é melhor calar-se.
Embora, o ser humano dê conta de que nunca será capaz de “dizer” Deus na sua plenitude, é importante que o mesmo busque sempre a melhor forma de dizê-lo. O ser humano precisa de sinais e de lugares de experiências. Eles são enriquecidos através de uma aventura pedagógica. Porque buscando a palavra adequada, o ser humano com sua cultura, descobre-se nas veredas de Deus, deixando-se iluminar por elas.
No percurso, sempre é oportuno (re)pensar aquilo que Dele se diz. Existe sempre o risco do excesso, cuja condição “transparece” na idolatria. É um “dizer” Deus equivocadamente, que não possibilita saudavelmente uma experiência da fé e da vida.
O exercício de (re)pensar Deus não está imune à dor: “pensar doí” (Luiz Carlos Susin). Doí na exigência de renúncia, de descontruir as imagens e os altares que foram construídas para os falsos deuses serem adorados. Eles não são dignos de adoração humana.
Na cultura ocidental, existe um esforço de (Re)pensar Deus, ou ainda, “dizer” Deus de uma forma mais qualificada, possibilitando uma existência humana saudável na fé. É um esforço enriquecido por diversas categorias e experiências complementares: mulheres, pobres, índios, queer, religiões, etc. É “dizer” Deus desde os esmagados pela cultura hegemônica. É ouvir Deus desde a voz dos diminuídos.
Elizabeth A. Johnson, no Cadernos Teologia Pública, edição 34, partindo da construção cultural ocidental, aprofunda a necessidade de (Re)pensar Deus com uma nova linguagem, ou ainda, que possibilite um “dizer” Deus desde a vivência e experiência das Mulheres, buscando exemplos concretos e implicações para Verdade de Deus. A ênfase na linguagem masculina propiciou uma subcultura no descaso para com cada Mulher.
Existem diversos avanços na consciência do direito das Mulheres e de seu protagonismo. Busca-se constante romper com uma presença silenciada, para fazê-la potência. Quando olhamos para as comunidades de fé, logo percebemos a presença fecunda das Mulheres, que animam vigorosamente a experiência eclesial. A questão fundamental é que essa presença não seja serviçal utilitarista, mas de fecunda parceria no serviço com todos(as).
A ousadia de “dizer” Deus desde a experiência das Mulheres permite recorrer às múltiplas leituras da Escritura, mas, de modo especial, aquelas páginas do Evangelho que Jesus compara Deus com aquele(a) que busca algo que perdeu. A narrativa completa-se com um pai e dois filhos, ambos perdidos, um nos afazeres da casa do pai e o outro no seu anseio de ser alguém.
Não obstante essa narrativa do pai foi preponderante para “dizer” Deus, podemos analisar no conjunto das três narrativas e perceber que em Jesus, apesar do desprezo das Mulheres no seu tempo, o protagonismo das Mulheres encontra eloquência profética. O Deus anunciado por Jesus é Pai-Mãe.
Não é suficiente um Deus com dimensões femininas. Deus é Ele e Ela. Não é um Ele com traços femininos. Não se trata de uma troca superficial na linguagem. Caso contrário, apenas trocaríamos o “imperialismo”, mas o fundamental é que a partir do “dizer” Deus como Ele e Ela, inicia um processo de salvaguardar os direitos de todos(as), no respeito e no reconhecimento da dignidade que própria, inclusive para (Re)pensar Deus.
“Dizer” Deus desde a experiência das Mulheres é perceber que em Deus, existe um espaço que rompe lógicas de dominações, tornando-se vida e fecundidade. Uma comunidade que entrega sua fé e vida a um Deus Pai-Mãe, Ele-Ela, vive na abertura recíproca e circularidade de dons, nutre relações de cuidado, ternura e resistências fecundas.
A linguagem é um espaço de explicitação daquilo que e como radicalmente confiamos. Nela somos capazes de “dizer” como compreendemos Deus e como estamos dispostos a viver Nele, com Ele através Dele. Não é suficiente uma linguagem descartável, que a utilizamos quando convém. Mas, uma linguagem inclusiva que articulada com uma prática, torna-se potência suficiente para uma real transformação humana.
“conscientes do dano causado pelo sexismo,
e atentas às nossas próprias experiências
de sofrimento, poder e ação,
as mulheres estão embarcando
numa aventura profunda, história e espiritual”.
Elizabeth Johnson
Oxalá essa linguagem inclusiva, que promove relação-vida-habitus, expresse, um Deus que encontra no seu conceito um espaço positivo para as Mulheres, exigindo abertura recíproca na com-divisão de responsabilidades de construção de um mundo saudável para todos(as).
Elizabeth A. Johnson, teóloga norte-americana, professora na Fordham University e autora de vários livros - Aquela que É: O Mistério de Deus no trabalho teológico feminino (Petrópolis: Vozes, 1995), Nossa verdadeira irmã: teologia de Maria na comunhão dos santos (São Paulo: Loyola, 2006), Questões para o Deus vivo: mapeando fronteiras no discurso teológico (New York: Continnum, 2007).
Para acessar o texto: clique aqui.
Por Jéferson Ferreira Rodrigues
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(Re)pensar Deus desde a experiência das Mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU