04 Abril 2016
Amoris laetitia: agora temos um título. Mas apenas um título, que, porém, como acontece em uma longa tradição eclesial, coincide com um "incipit". Assim inicia o documento: com a alegria do amor.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 01-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Agora sabemos com certeza ao menos o título da próxima exortação apostólica: Amoris laetitia, a alegria do amor, a "letícia" do amor, mas também a fecundidade e a criatividade do amor. Rica em ressonâncias – e em promessas – é a própria palavra latina "laetitia".
Depois de algumas pequenas, mas significativas, indiscrições – sobre o número das páginas e sobre o número dos parágrafos – agora temos algo a mais. Um título. Mas apenas um título, que, porém, como acontece em uma longa tradição eclesial, coincide com um "incipit". Assim inicia o documento: com a alegria do amor.
Depois da alegria do evangelho, agora a alegria do amor. Francisco se distingue, acima de tudo, por "gaudium" e por "laetitia". Ele havia assinalado isso mesmo antes de se tornar papa, em um discurso aos cardeais, lembrando, de Paulo VI, a "doce e confortante alegria de evangelizar".
Mais do que isso não temos: um título "gozoso", ao qual podemos unir uma amplitude de páginas e de parágrafos que dão a entender, ou pressagiam, uma amplitude de desenvolvimento e de consideração daquilo que, a partir do título, aparece ainda mais do que família e matrimônio. Aparece como "amor". Aqui me detenho.
Mas acho que é legítimo se perguntar: como chegamos até aqui? Pode ser útil recuperar, de modo extremamente sumário, as grandes etapas que nos trouxeram até aqui. Nestes dias, dentro da "oitava da Páscoa", que fazem ressoam com tanto força o anúncio mais original do Senhor Ressuscitado, podemos francamente reconhecer que, originalmente, tudo inicia ali, naquele evento e naquele anúncio.
Mas, depois, na diferenciação das histórias cristãs, somos conduzidos a identificar o específico desse documento já iminente em uma história muito mais breve do que a extensão bimilenar do cristianismo. Ela encontra o seu início no primeiro documento "tardo-moderno", que aborda a questão "matrimonial" em um contexto novo.
Estamos em 1880, durante o pontificado de Leão XIII, a poucos anos da "brecha de Porta Pia" e da perda do "poder temporal". Essa história nova, que começa apenas então, é marcada profundamente por questões institucionais, jurídicas e políticas, que caracterizaram o seu desenvolvimento durante boa parte desses 140 anos.
Questões teológicas e questões institucionais, portanto, se entrelaçaram em uma forma nova, que não tem precedentes na história da Igreja. Em poucos dias, à luz do novo texto, poderemos reler essa história de forma diferente. Agora, porém, podemos recuperá-la, ao menos em grandes capítulos.
1) Arcanum divinae sapientiae, encíclica de Leão XIII (1880)
Toda a grande tradição medieval, mediada com autoridade pelo Concílio de Trento, assume, com essa encíclica, a problemática nova e inédita de uma reafirmação da "competência eclesial" diante da competência dos Estados modernos sobre o matrimônio, que o século XIX tinha recém-inaugurado. Todos os temas fundamentais típicos da tradição, assim, são "filtrados" por esse problema novo e dramático. Nessa encíclica, elaboram-se as "formas de pensamento e de ação", que, depois, serão assumidas pelo Código de Direito Canônico de 1917. E que se tornarão, por muitas décadas, o ponto nodal decisivo da compreensão "católica" do matrimônio, da família e do amor. Com as suas qualidades e os seus defeitos.
2) Casti connubii, encíclica de Pio XI (1930)
Cinquenta anos depois, em um mundo completamente diferente, Pio XI assume um tema específico, como o da oposição à "contracepção" – admitida naquele ano pela confissão anglicana – como "chave de compreensão" do matrimônio e da família. Ele vai determinar, a partir de então, uma prioridade precisa na leitura "natural" do matrimônio e da família. A renúncia à "liberdade" no contexto matrimonial é traduzida na norma de uma sexualidade puramente "objetiva", quase depurada da subjetividade e regulada apenas naturalmente. Em um abraço entre graça e natureza que, no longo prazo, correrá o risco de se tornar asfixiante. E de polarizar cada vez mais a relação com a cultura civil.
3) Humanae vitae, encíclica de Paulo VI (1968)
Apesar da mudança parcial de linguagem introduzida pelo Concílio Vaticano II e do caminho a uma "personalização" do matrimônio e da família, ainda em 1968, encontramos na Humanae vitae de Paulo VI a configuração que remonta à Arcanum sapientiae divinae e à Casti connubii: o matrimônio e a família – como lugares únicos da sexualidade – são inteiramente "predeterminados" por Deus, deixando ao ser humano um espaço de responsabilidade tão ínfimo a ponto de ser, muitas vezes, quase fictício e sempre muito formal. Uma "geração responsável" se torna um tema abstrato, ao qual não correspondem "práticas" realistas. Mas a solução ineficaz depende de um modo de pensar o matrimônio e a família "em contraste" com a cultura civil moderna. Matrimônio e família se prestam ainda a ser "usados" como baluartes antimodernistas e como reservas de competência eclesiástica. Mas, nesse "uso", também sofrem mortificações e reduções progressivas.
4) Familaris consortio, exortação apostólica de João Paulo II (1981)
Embora dentro de uma forte continuidade com a linguagem do século anterior, a Familiaris consortio opera duas grandes mudanças: por um lado, introduz, até mesmo no título, a expressão "familiaris", que é nova no magistério, que desde sempre tinha se ocupado de "matrimônio", não de família. O precedente aqui é o Concílio Vaticano II e o seu repensamento eclesial da família. Mas a segunda passagem decisiva é o reconhecimento aberto de uma "diferenciação" da sociedade, que já parece ser evidente também para a Igreja. Não existem apenas "famílias regulares", mas também "irregulares", que não são mais automaticamente "infames" e "excomungadas". O documento de João Paulo II não faz muito mais do que essa "admissão": mas é o início de uma pequena revolução. A lógica da contraposição à sociedade civil, inaugurada pela Arcanum divinae sapientiae em 1880, 100 anos depois, não se sustenta mais no plano prático e operacional, embora teoricamente ainda possa dar algum pequeno conforto. À contraposição frontal, é preciso substituir a conciliação na diferenciação. É apenas uma tarefa, não desempenhada, mas claramente captada e indicada.
5) Amoris laetitia, exortação apostólica de Francisco (2016)
Assim se chega a Francisco. E aqui nos detemos. Mas não temos apenas um documento "desconhecido", mas temos também essa longa história recente, temos um percurso sinodal preciso, temos uma exigência viva de conversão pastoral, temos uma retomada vigorosa da entrega conciliar. Leremos na próxima sexta-feira o fruto dessa articulada elaboração. O que nos permitirá reler toda essa história de um modo novo. Por enquanto, observamos que, mesmo que apenas no plano do "léxico" – ao menos dos títulos –, os "nomes do amor" mudam e são passados de mão em mão: do ''arcano da sabedoria divina", passa-se ao "casto conjúgio", depois à "transmissão da vida humana", depois à "comunhão familiar", para chegar, por fim, à "alegria do amor".
Em transparência, vemos florescer, através desses nomes, uma história complexa, sofrida, problemática e, ao mesmo tempo, promissora. O novo documento deverá ser lido nesse "amplo fôlego", na longa extensão dessa história recente, mas não esmagada na história recente.
À luz desse último documento gozoso, todos os outros, inevitavelmente, assumirão cores e formas novas. Como é bom que seja. Como sempre foi, todas as vezes em que a tradição soube se mostrar e se reconhecer não só "viva", mas também "sã".
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À espera de "Amoris laetitia": os nomes do amor em 140 anos de magistério católico, de Leão XIII a Francisco. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU