01 Abril 2016
Para Homero Santiago, a representatividade institucional não é de todo ruim. O problema é quando a Multidão sucumbe e passa a aceitar o papel de ser representada
Em momentos de colapso, como o que vive o Brasil atualmente, é natural pensar no esgotamento de um sistema. Nessa linha, apressadamente, pode-se pensar que o sistema de representatividade chegou a seu limite. Mas que limite é esse? E qual a saída? O que vem depois do atual modelo democrático de representatividade? Para o professor da Universidade de São Paulo – USP Homero Silveira Santiago, o problema não está em ser representado. A emergência de multiplicidades representativas não está diametralmente oposta a um governo instituído, como na lógica de um desgoverno. “É necessário pensar numa política que corra por fora do Estado. Entretanto, é preciso ter clareza que em algum momento essa política e o Estado vão se encontrar”, destaca Homero.
Homero: "é preciso fazer face a esse paradoxo da representação" |
Homero Santigo abriu o 3º Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, na tarde de quarta-feira (30-03). Nesse Ciclo, a intenção é mergulhar nos conceitos que norteiam os debates da Metrópole. Por isso, nesse primeiro encontro, o professor se concentrou em dois deles. Na conferência “Multidão e poder constituinte: uma genealogia dos conceitos”, seu objetivo foi dissecar essas duas ideias que se encontram na discussão acerca do poder e do Estado na Metrópole. “Multidão e poder constituinte são conceitos que se imbricam. Multidão é o sujeito e tem uma potência, que é o poder constituinte. Ou seja, é o que pode conduzir ao processo democrático”, analisa.
Essa terceira etapa de estudos Metrópoles se encerra em 8 de junho. O calendário completo das palestras e temas a serem tratados está disponível no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Poder constituinte
Homero Santiago concebe o poder constituinte como a potência de criar uma nação. “Poder de construir algo novo”, tipifica. O conceito fica mais tangível quando se pensa na constituinte brasileira, num espécie de devir de formação de uma constituição. É toda a movimentação de algo a constituir algo novo, uma legislação, no caso, que pode orientar e proteger uma nação. “Só que há um problema: se é capaz de constituir algo, também é capaz de dar algo constituído. É como a nossa constituinte, que foi todo um processo mas que parou na Constituição”, problematiza. Ou seja, todo o processo constituinte foi aprisionamento na materialidade da peça jurídica, a Constituição. O processo, que era emanado do povo, foi aprisionado e passou a ser algo institucional, ainda a ser cumprido. “O passado e presente ficam na Carta. Depois, o futuro passa a funcionar como que de forma automática a partir do que está ali”, completa.
Multidão
O problema que o professor traz é que o povo presente na Carta não é um sujeito de poder. “Ele é tomado como um produto do poder, que precisa dele para existir. Quando os constituintes falam do povo, é uma ideia que eles criam. É forjar uma identidade de algo que vai sustentar um poder que não é seu”. É assim que Homero chega à formulação de que o povo não pode ser um poder constituído. “Mas a Multidão pode ser. Só ela pode exercer o poder constituído, porque é a imanência e não o povo, ainda que seja a imanência do povo”, completa.
Como manter Multidão, enquanto potência de poder constituinte
Foto: www.ebc.com.br |
Da plateia, o professor é questionado: e como não cessar essa potência? Seria romper com esse modelo institucional de Estado? Ele responde: “é preciso fazer face a esse paradoxo da representação. Ainda que na Constituição se diga que o povo tem o poder, vive-se um poder de representação. E é a representação que cria divisão política. Há grupos que podem agir politicamente, mas há outros que precisam ser representados”. Para Homero a saída, talvez, não seja romper com essa relação de representante e representado, mas sempre manter viva essa potência de Multidão que não se deixa apreender pelo representante. É como se a Multidão estivesse sempre potente, alimentado esse representante, mas não o reconhecendo unicamente como “o seu” representante. Assim, sua polifonia narrativa continua pulsante e buscando representações que a servem melhor.
Homero Silveira Santiago
Graduado, mestre e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP, é autor da tese O uso e a regra. Ensaio sobre a gramática espinosana, orientada por Marilena Chaui. É livre docente pela USP, onde leciona no departamento de Filosofia.
É um dos organizadores de As ilusões do eu: Espinosa e Nietzsche (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011) e autor de Amor e desejo (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011) e Espinosa e o cartesianismo. O estabelecimento da ordem nos 'Princípios da filosofia cartesiana' (São Paulo: Humanitas, 2004).
Homero é um dos coordenadores da publicação uma série sobre a filosofia espinosana iniciada no final de 2011 pela Editora Autêntica, de Belo Horizonte. O primeiro volume foi uma tradução da obra de Chantal Jaquet, A unidade do corpo e da mente. Afetos, ações e paixões em Espinosa (Belo Horizonte: Autêntica, 2011), e o segundo é Espinosa e a psicologia social – Ensaios de ontologia política e antropogênese (Belo Horizonte: Autêntica, 2012), escrito por Laurent Bove.
Por João Vitor Santos | Fotos Nahiene Alves
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estado, mas com política que "corra por fora" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU