Por: André | 21 Março 2016
Muitas pessoas reclamaram do cardeal Philippe Barbarin por sua antiga gestão dos casos que envolvem padres que cometeram abusos contra menores. Tudo indica que os atos em si já prescreveram. Mas o tempo traz à superfície sofrimentos que caminharam de maneira insidiosa. Se essa diferença temporal parece estranha, é preciso admitir que em tais situações a vítima se refugia muitas vezes em um silêncio prolongado e destruidor, a ponto de alguns defenderem um alongamento da prescrição. No plano propriamente eclesial, sem a cultura do segredo, que prevaleceu durante muito tempo, muitos destes casos já teriam sido purgados há muito tempo.
A reportagem é de Jean-Pierre Denis, diretor de redação, e publicada por La Vie, 15-03-2016. A tradução é de André Langer.
Primeira verdade. No conjunto da Igreja católica, a luta contra os abusos de autoridade foi defeituosa. Seja por amadorismo, seja por recusa de acreditar nos autores das denúncias, seja ainda por medo do escândalo. Os bispos se contentaram em transferir os agressores em vez de expulsá-los, e fez-se passar vítimas ou alertadores por maus cristãos. Querendo proteger a instituição, traíram-se os inocentes e desonrou-se o Evangelho.
As coisas mudaram graças a Bento XVI e ao trabalho dos jornalistas, como mostra o filme Spotlight, mesmo quando parecem, como reconheceu o presidente da Conferência Episcopal da França, dom Georges Pontier, “casos esparsos que aparecem cada ano”.
Eu estou orgulhoso por ter supervisionado, há muitos anos, a primeira grande pesquisa que abrangeu várias comunidades religiosas. Ela nos valeu muitas recriminações dentro da Igreja. E, no entanto, contribuímos para que o trabalho doméstico fosse feito. Na sequência, militei – e continuo a fazê-lo – para que a Igreja dissolvesse sistematicamente as comunidades cujos fundadores cometeram abusos (espirituais ou sexuais, fequentemente relacionados). Eu escrevi para os Legionários de Cristo e poderia ter escrito para outras, inclusive francesas. Lamento que Bento XVI e o Papa Francisco não tenham ido tão longe.
Segunda verdade. Eu me sinto muito mais confortável para escrever: a caça a Barbarin é violenta. O recrutamento midiático alimenta exageros e aproximações. Será que preciso recordar o que é a presunção de inocência? Supondo que ela seguirá seu curso, uma queixa não faz de ninguém um culpado ou um cúmplice. Mas quando se trata da Igreja católica, alvo muito cômodo, qualquer tentativa de trazer resposta ou nuance será denegrida, ridicularizada, apresentada como constrangimento ou desprezo.
Mistura-se o passado e o presente. Imputam-se a este arcebispo faltas cometidas sob a gestão do predecessor do predecessor de seu predecessor, em um contexto totalmente diferente tanto para a Igreja como para a sociedade. Neste contexto, ignoramos o que o cardeal fez em semelhantes casos. Deixamos de dizer que há alguns anos uma jornalista tentou prendê-lo, dizendo que ela tinha sido vítima de abusos: Philippe Barbarin incitou-a a apresentar uma queixa.
Sem mesmo falar de acerto de contas com o cristianismo, pelo menos com uma Igreja que podemos compreender que paga por sua postura moralizante, é possível que alguns queiram silenciar uma voz que fala sobre muitas questões da sociedade, incluindo a eutanásia.
Manuel Valls era ministro do Interior na época da aprovação da lei sobre o casamento para todos. Ele apela à sua demissão. Atitude mais galicana do que laica. O fato de que um alto funcionário da Polícia e dos Cultos esteja envolvido na batalha acrescenta interrogações às interrogações.
É mais do nunca necessário deixar a Justiça agir. A Igreja não está acima da lei. Tanto melhor! Ela não deve se afundar na paranoia. Mas a imprensa e as redes sociais não são um tribunal de exceção. E a criminalização da Igreja é insuportável para todos aqueles padres nos quais os católicos mantêm a sua confiança.
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Duas verdades sobre o caso Barbarin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU