Por: Jonas | 29 Fevereiro 2016
Fernando Cardenal (foto) “viveu com paixão sua missão. Também definiu a si mesmo, em diversas ocasiões, como um ‘homem de esperança’. Uma esperança que gastou com muita gente”, escreve o padre jesuíta Juan Hernández Pico, em artigo publicado no sítio do Apostolado Social da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina, CPAL, 26-02-2016. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/1lKgQR |
Eis o artigo.
Nasceu em Granada (Nicarágua), no dia 26 de janeiro de 1934. Seus pais foram o senhor Rodolfo Cardenal e senhora Esmeralda Martínez. Ambos morreram muito longevos. Era o quinto de 7 irmãos, o mais velho deles, Rodolfo, casado com a senhora María Jesús Chamorro, pai e mãe de nosso companheiro Rodolfo Cardenal Chamorro. Além de Ernesto, sacerdote e grande poeta, Maruca, Gonzalo, e depois dele Esperanza e Rodrigo.
Realizou seus primeiros estudos como interno no Colégio Centro-América de Granada, onde seu diretor espiritual foi o padre León Pallais. Conhece-se um depoimento dele, em seu diário, onde se mostra sua luta para seguir o chamado de Deus à Companhia de Jesus e deixar a vida no mundo. Seu primeiro ingresso foi em 1952, quando fez seu Noviciado em Santa Tecla, sendo seu mestre o padre Miguel Elizondo. Realizou os estudos de Humanidades e Filosofia em Quito (Equador), entre 1954-1961.
Aí contraiu uma fortíssima dar de cabeça que o acompanhou por toda a vida e contra a qual lutou com grande fortaleza apesar de que, às vezes, era vencido por ela e não tinha mais remédio a que se apegar. De 1962 a 1964, fez seu Magistério no Liceu Javier de Guatemala. Alguns de seus discípulos o recordam com veneração, como o historiador Arturo Taracena Arriola, e outros romperam com ele quando se conheceu seu compromisso revolucionário.
Estudou Teologia no México, D.F. de 1965 a 1968. Foi ordenado sacerdote no dia 23 de setembro de 1967. Realizou a Terceira Provação em Medellín (Colômbia), entre outubro de 1969 e julho de 1970, sendo seu instrutor o padre Miguel Elizondo. Esta etapa se dava em um bairro marginal paupérrimo dessa cidade. Seguindo o impulso de Elizondo e de acordo com o seu próprio temperamento, visitou e se tornou amigo de seus vizinhos, que foram provocando nele uma impressão inapagável ao ponto de, antes de retornar a América Central fazer, diante deles e do Senhor, um juramento: dedicar “o que me restará de vida à libertação dos pobres, à luta pela justiça por amor a eles”.
Seu primeiro destino foi o Colégio Centro-América e, em seguida, a UCA (Universidade Centro-Americana) de Manágua, como vice-reitor de estudantes. Em 1971, um número notável deles fizeram uma greve para apoiar a luta contra o ditador Tachito Somoza e Fernando defendeu a justiça de sua posição. O reitor, padre León Pallais, destituiu-lhe e o expulsou da UCA. Fernando foi contratado como professor de filosofia na estatal UNAN (Universidade Nacional Autónoma). O terremoto do dia 22 de dezembro o encontrou em greve de fome, na Catedral, junto com numerosos grupos de estudantes.
Com vários membros de sua comunidade se transferiu para Bosques de Altamira. Em 1973, começou a colaborar com a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), vivendo sua decisão como cumprimento de seu juramento e fundando e acompanhando o Movimento Cristão Revolucionário de Jovens. Em 1977, foi cofundador do Grupo dos 12, apoiando a rebelião sandinista até seu triunfo, tanto do exterior como na Nicarágua. Somoza não se atreveu a tocá-los.
Com o triunfo da revolução, o Governo Sandinista lhe pediu, em 1979, para organizar a Cruzada de Alfabetização e na direção dela mobilizou milhares de jovens que trabalharam, de março a agosto de 1980, nos bairros marginalizados urbanos e nas comarcas camponesas, com cartilhas criativas segundo o método de Freire. Já se combatia nos territórios fronteiriços e na fronteira agrícola contra a Revolução.
Fernando teve que manter a luta contra o analfabetismo apesar do assassinato de 7 brigadistas alfabetizadores e da crise de suas dores de cabeça. Em agosto de 1980, entregou ao Governo e ao país uma queda do analfabetismo de 59% para 12%.
Posteriormente, foi nomeado assessor do Diretor da Juventude Sandinista, onde ajudou a forjar militantes que ainda hoje, em sua maturidade, trabalham pela educação no país. Após uma Carta Pastoral da Conferência Episcopal, em 1980, muito ao lado do esforço revolucionário, promovida pelo Encarregado de Negócios, Pietro Sambi (1938-2011), falecido como Núncio nos Estados Unidos, em 1981, os Bispos começarbam um enfrentamento à Revolução Sandinista e exigiram a retirada dos 4 sacerdotes que participavam do Governo. No aniversário do triunfo sandinista, em 1984, o presidente Ortega anunciou a nomeação do padre Fernando Cardenal como Ministro da Educação. Fortemente pressionado pelo Vaticano, o Padre Geral Kolvenbach comunicou a Fernando que deveria deixar o Ministério que havia aceitado ou deixar a Companhia. Fernando pensou, rezou, conversou com sua comunidade e se encontrou com o Padre Geral, em Nova York.
Ali, comunicou-lhe que tinha objeção de consciência, tanto para deixar a Companhia como para renunciar o serviço à educação do povo, pelo Ministério. Não via como decidir por uma das coisas sem trair sua consciência. O Padre Geral expressou sua convicção sobre a autenticidade dessa objeção de consciência, mas lhe disse que a Companhia não teria outro remédio a não ser seguir com o procedimento para expulsá-lo, uma vez que o Vaticano não considerava conveniente aplicar a exceção prevista no cânon 287, 2.
Mesmo assim, o Padre Kolvenbach escreveu uma bela carta à mãe de Fernando expressando que sua expulsão não era uma condenação do serviço profundamente cristão de Fernando ao povo. A senhora Esmeraldita dizia que essa carta era “sua mais bela joia”.
Fernando, pois, foi expulso em 1984, mas o Provincial permitiu que continuasse morando na comunidade, pois ele queria manter sua castidade e necessitava desse apoio. Fernando trabalhou como Ministro e procurou aproveitar a experiência de educadores com o perfil de Paulo Freire. Após a derrota eleitoral da FSLN, em 1990, Fernando foi crítico, junto com seu irmão Ernesto e outros, ao que se chamou “a Piñata”, com membros do Partido se apropriando dos bens do Estado. Fernando, Ernesto e outros fizeram parte de uma Comissão de Ética da FSLN. Seu honesto relatório foi engavetado. Então, Fernando, Ernesto e outros renunciaram como membros da FSLN, afastando-se de seu compromisso partidário.
Em 1966, o Padre Kolvenbach, Geral da Companhia, atendendo ao pedido de Fernando para ser admitido, recebeu-o novamente. É o primeiro caso de um jesuíta expulso e recebido novamente. Fernando passou o ano de Noviciado que lhe foi demandado, primeiro, em El Salvador, com a direção do padre Rafael de Sivatte, e fez, em 1997, seu Mês de Exercícios Espirituais no Instituto Centro-Americano de Espiritualidade, na Guatemala. Fez seus “primeiros” votos, mais uma vez, no dia 15 de junho de 1997. De 1998 a 2000, trabalhou na pastoral da UCA e foi acompanhante espiritual de jovens jesuítas no Juniorado-Filosofado, no Bairro Edgar Munguía. Ali fez amizade com muita gente pobre. Em sua comunidade da UCA de Manágua, nas tardes, continuou ajudando vinte famílias daqueles amigos, com doações que recebia. A partir de 1999 passa a ser diretor da fundação Fé e Alegria, na Nicarágua, e isso lhe deu o convencimento de estar cumprindo seu juramento, dedicando sua vida a uma educação de qualidade aos pobres.
Esta obra cresceu notavelmente, na Nicarágua, durante sua direção. Fez sua Profissão definitiva no dia 24 de março de 2004. Faleceu em Manágua (Nicarágua), no dia 20 de fevereiro de 2016, após quase duas semanas de luta contra uma infecção pós-operatória e uma vida de entrega à juventude e a serviço dos pobres.
Fernando foi uma pessoa de grandes qualidades humanas e, como disse Iñaki Zubizarreta, seu superior duas vezes em diferentes momentos de sua vida, um homem de Deus, que sempre se descobriu nos jovens e especialmente nos pobres e no serviço a Jesus, na solidariedade com os pobres. Viveu com paixão sua missão. Também definiu a si mesmo, em diversas ocasiões, como um “homem de esperança”. Uma esperança que gastou com muita gente. Seu velório na Capela de Guadalupe da UCA e enterro foram acontecimentos multitudinários. Seu funeral foi presidido pelo cardeal Leopoldo Brenes, arcebispo de Manágua, e nele Norma Elena Gadea, Katia Cardenal e Luis Enrique Mejía cantaram a Missa Camponesa. Descanse em paz nosso companheiro jesuíta Fernando Cardenal Martínez.
Cronologia
- 1969: Diretor Espiritual e Subprefeito de Disciplina no Colégio Centro-América de Manágua, Nicarágua;
- 1972: Conselheiro da JUC (Juventude Universitária Católica) em “Gruta Xavier”, Manágua, Nicarágua.
- 1973-1984: Professor na Universidade Nacional. “Bosques de Altamira”.
- 1985-1996: Fica fora da Companhia de Jesus.
- 1997: Noviciado Santo Inácio de Loyola. Panamá, República do Panamá.
- 1998-2000: Centro Pastoral UCA e Diretor Espiritual no Juniorado “Rutilio Grande” de Manágua, Nicarágua.
- 2000-2016: Diretor Nacional da Fé e Alegria, Manágua, Nicarágua.
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Em memória do padre jesuíta Fernando Cardenal, um homem de esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU