22 Fevereiro 2016
Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 126.292, que por maioria de votos alterou o posicionamento da Corte no sentido de entender ser possível a execução da pena mesmo antes da condenação tornar-se definitiva, a Pastoral Carcerária Nacional vem a público manifestar seu absoluto repúdio contra mais este retrocesso, que fatalmente irá alargar ainda mais as portas de entrada das masmorras brasileiras, onde centenas de milhares de indivíduos, em sua grande maioria jovens, pretos e periféricos, são cotidianamente vilipendiados em sua dignidade e direitos mais básicos.
Escreve, em nota, a Pastoral Carcerária Nacional.
Eis a nota.
A referida decisão terminou de sepultar o princípio da presunção de inocência, já esquecido em nosso sistema penal, e afronta explicitamente a Constituição Federal, que no art. 5º, inciso LVII, declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
O Supremo Tribunal Federal, ao investir contra garantias fundamentais e prostrar-se inerte diante da conversão do nosso sistema prisional em um verdadeiro aparato de extermínio de vidas e futuros, é o pior dos responsáveis, eis que deveria ser o primeiro e o último guardião da Constituição, que uma vez ousou-se apelidar de “cidadã”.
A violação sistemática de direitos e garantias fundamentais de pessoas encarceradas, já reconhecida pelo STF como um “estado de coisas inconstitucional”, não é um problema de políticas públicas, é um atentado contra a ordem democrática, e demanda mais que ações retóricas e projetos pontuais.
Ao não reconhecer os diretos fundamentais da população prisional, o STF escancara seu medo de promover “justiça em excesso”, como apontou o jurista estadunidense William Joseph Brennan aos seus colegas da Suprema Corte, no infame caso McCleskey v. Kemp, e deixa claro que se todos têm direitos, com certeza alguns tem mais que outros.
Para além do lamentável desfecho do Habeas Corpus 126.292, ainda encontra-se pendente de decisão da Corte matérias que, se não são a solução para a catástrofe carcerária do país, ao menos poderiam apontar para um horizonte menos sombrio, tais como a aprovação da Proposta de Súmula Vinculante n.º 57, apresentada no longínquo ano de 2010 e que poderia garantir a efetivação do direito a progressão de regime, o julgamento favorável da ADPF n.º 347, cujas medidas cautelares foram apenas parcialmente concedidas, bem como do RE n.º 635659, que poderia impor algum limite à absurda política de “guerra às drogas”, desfraldada pelo Estado brasileiro contra os pobres e marginalizados.
Como disse o Papa Francisco em sua visita ao México, é “um engano social acreditar que a segurança e a ordem só são alcançadas prendendo as pessoas”, pois as prisões nada mais são do que reflexos de silêncios e omissões, típicos de um sistema onde até a pessoa humana é descartável. Dirigindo-se aos juristas do campo penal, o Papa também foi enfático ao afirmar que em hipótese alguma pode o Estado “subordinar o respeito da dignidade da pessoa humana a qualquer outra finalidade, mesmo quando se conseguir alcançar uma espécie qualquer de utilidade social.”
Por fim, a Pastoral Carcerária Nacional reitera a necessidade de reversão imediata do atual quadro de encarceramento em massa, com enfrentamento frontalmente ao punitivismo vigente, políticas claras e consistentes de desencarceramento, abertura do cárcere para a sociedade e mitigação de danos enquanto houver prisões, entre outras propostas, consubstanciadas na Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
Com fé e luta, seguimos na construção do sonho de Deus: um mundo sem cárceres!
São Paulo, 19 de fevereiro de 2016.
PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL – CNBB
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A Presunção de Inocência, o STF e o Encarceramento em Massa. Nota da Pastoral Carcerária - CNBB - Instituto Humanitas Unisinos - IHU