Por: Cesar Sanson | 11 Fevereiro 2016
Diretor-executivo da ActionAid, Adriano Campolina defende que o aquecimento global e a situação nas favelas estão interligados e destaca as crescentes “tragédias silenciosas”, que dizimam as populações pobres e forçam sua migração para locais onde não têm direitos reconhecidos.
Em janeiro, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, as mudanças climáticas foram apresentadas como uma das maiores ameaças ao planeta. A diplomacia internacional está finalmente se movimentando para lidar com este tema?
A diplomacia acordou meio devagar, ainda está preguiçosa. Já reconhece o aquecimento global como um problema, mas ainda não teve capacidade de fazer acordos suficientemente ambiciosos que promovam reações à altura. Atualmente, não temos armas para enfrentar este dilema da Humanidade.
A entrevista é de Renato Grandelle e publicada por O Globo, 06-02-2016.
Eis a entrevista.
Por que os pobres serão as primeiras vítimas das mudanças climáticas?
Porque são eles que ocupam os territórios mais vulneráveis aos eventos extremos, como a beira de rios, a encosta de morros, as áreas do semiárido com menor disponibilidade de água. Em todos os países do mundo, as melhores áreas para a agricultura e os terrenos mais seguros da cidade são ocupados por pessoas de maior poder aquisitivo. O Rio é um exemplo clássico. Nas favelas há uma gradação de pobreza. Quanto mais alta é uma casa, mais sujeita ela está ao deslizamento de terra, e mais miserável é aquela população.
O aquecimento global contribui para um ciclo vicioso que envolve pobreza e preconceito?
Sim. Em Bangladesh, por exemplo, o aumento do nível do mar fez diversas comunidades trocarem a atividade agrícola pela criação de camarão, e este trabalho foi assumido pelas mulheres, que tiveram problemas de pele devido à exposição à salinização excessiva. Os maridos, então, as rejeitavam. Além de mudanças na atividade econômica, o clima também pode forçar o deslocamento da população, aumentando a disputa por recursos. A sociedade fica desestruturada, aumenta a violência contra as mulheres, o casamento de adolescentes — todos expostos a um processo cada vez maior de discriminação.
Como podemos diferenciar o refugiado climático das populações que deixam sua terra por outros motivos?
A fuga da guerra é um caso óbvio. É maciça, quase imediata e pode ter características étnicas. Cem mil pessoas saíram dos conflitos no Burundi e foram para Tanzânia e Ruanda, por exemplo. No caso dos refugiados climáticos, a migração é a conta-gotas. Uma comunidade pode resistir à seca por alguns anos antes de deixar sua terra. É um movimento devagar a curto prazo, embora tenha um volume significativo. Os refugiados climáticos não rendem manchetes de jornal, não são uma multidão que cruza a fronteira de um dia para o outro. Não há uma resposta rápida dos governantes e a sociedade não mobiliza recursos. Esta população invisível deixa seu país miserável por uma situação ainda pior, porque não conta com a proteção do Estado e não tem seus direitos reconhecidos. Se não houver um forte combate às mudanças climáticas, acredito que este fenômeno será cada vez mais comum e acelerado.
É possível falar da pobreza sem debater o clima?
Não. Pobreza e clima estão interligados e são um problema humanitário. Um terremoto é visível e causa muita comoção, mas percebemos, nos últimos anos, a ampliação das emergências silenciosas. Por isso trabalhamos cada vez mais com medidas que contenham o choque climático, como o uso de variações de produtos agrícolas tolerantes à seca, métodos de uso e conservação do solo que tornem a exploração do campo menos sujeita ao excesso de precipitações, métodos de captação da água da chuva em telhados.
Como é a relação entre justiça social e aquecimento global no Brasil?
Estamos em um dos países mais desiguais do mundo. O nível de pobreza e injustiça social é secular. Mas o Brasil é uma das poucas nações que, nas últimas décadas, conseguiu aliar crescimento econômico e distribuição de renda. Demos alguns passos na direção correta. A sustentabilidade deixou de ser um discurso de meia dúzia de pessoas e transformou-se em um debate nacional. Nossa economia pode ser transformada a partir da matriz energética pouco poluente, da diversidade geográfica e da extensão territorial.
Que efeitos as mudanças climáticas podem trazer para o país?
As estatísticas da ONU mostram que a perda da safra de grãos pode chegar a R$ 7,4 bilhões em 2020 e até R$ 14 bilhões em 2070. Com a estiagem, diversas culturas teriam reduções na área de plantio, como o arroz, feijão e café. Os pequenos agricultores, que não têm dinheiro para comprar um aparelho de irrigação, serão as maiores vítimas. É um perigo para todo o país, porque os agricultores familiares são justamente aqueles que produzem a maior parte dos itens que compõem a cesta básica. Qualquer impacto em sua área de trabalho vai repercutir no preço e na alimentação de todos.
Estas populações serão beneficiadas pelo acordo contra as mudanças climáticas estabelecido no fim do ano passado em Paris?
Não acho que este documento percebeu a gravidade do problema. Foi importante ver que existe um consenso mundial, mas ele foi nivelado por baixo. Há um hiato entre a ambição e a realidade do acordo. Fala-se em conter o aquecimento global em até 2 graus Celsius, mas as metas apresentadas pelos países indicam que o aumento da temperatura pode atingir a marca de 3 graus Celsius. Também que não foram criados mecanismos legais para conferir o que cada país cumprirá.
Os países pobres terão financiamento para adaptar sua economia às mudanças climáticas?
Não, o acordo não foi justo. Os países ricos dizem no texto que não precisam compensar os danos sofridos pelas nações pobres. Assim, o financiamento, que é um ato de justiça e uma obrigação histórica, transforma-se quase numa ação de caridade. Um acordo só poderia ser bem-sucedido se houvesse um compromisso com aquela mulher excluída de Bangladesh. Isso não aconteceu.
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‘Pobreza e clima são um problema humanitário’, diz diretor da ActionAid - Instituto Humanitas Unisinos - IHU