02 Fevereiro 2016
Ninguém leva a religião mais a sério do que um ateu militante. E o novo livro de Paolo Flores d'Arcais, filósofo, diretor da revista MicroMega, tenta suscitar qualquer reação, exceto a indiferença: La guerra del sacro [A guerra do sagrado] (Ed. Raffaele Cortina) é uma resposta intelectual ao massacre do Charlie Hebdo, há um ano, e uma arma a ser empunhada no debate que se seguiu ao massacre de novembro, também em Paris.
A reportagem é de Stefano Feltri, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 24-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Enquanto os intelectuais franceses, de Eric Zemmour a Alain Finkielkraut, se limitam a fornecer uma aparência de legitimidade aos medos e ao racismo que impulsiona o Front National, Flores quer oferecer uma resposta drástica aos desafios postos pelo jihadismo dos massacres: a quem mata em nome de Deus, responde-se "ostracizando Deus da esfera pública". Com uma laicidade radical que não tolera símbolos religiosos expostos, escolas confessionais, objecções de consciência ao aborto.
Nenhuma sensibilidade individual pode limitar a laicidade radical: só quando se chegar a "banalizar a blasfêmia" é que poderemos dizer que a liberdade de expressão está a salvo (para além das vidas daqueles que a praticam).
Flores propõe até controles ginecológicos nas meninas que partem e retornam da África, além de monitoramentos nas escolas, para evitar as mutilações rituais.
Na batalha nunca vencida por completo dos seres humanos de decidirem por si sós o seu próprio destino, todo chamado a qualquer forma de autoridade externa é uma intolerável renúncia à liberdade, significa ceder espaço para a "revanche do sagrado" que ameaça o Ocidente confuso, piegas nas convicções e pávido na sua tradução concreta: "Se Deus é superior à soberania do desencanto, tudo é permitido em nome de Deus".
Contestar o recurso à religião como fonte de legitimidade, porém, tende a desligar para a negação de toda legitimidade à religião. Flores defende que o que importa é a separação entre Deus e espaço público, "como necessária aniquilação preventiva da possibilidade de que a religião se torne identidade política".
No entanto, ele se lança com força análoga contra o véu (manifestação exterior de uma identidade religiosa também, bastante compatível com um Estado laico), assim contra a burca (é difícil negar que ela indica uma submissão das mulheres em conflito com os direitos constitucionais).
O diretor da MicroMega parece se mover a partir do pressuposto de que só para os muçulmanos é impossível conter a religião no "foro interno": embora possa haver católicos "adultos", na acepção dada por Romano Prodi, os fiéis do Islã são apresentados como baluartes da teocracia, todos.
Vale a pena lembrar, porém, que, no romance de Michel Houellebecq Submissão, a ascensão do partido islâmico que chega a conquistar o Eliseu começa com a incapacidade dos socialistas e dos conservadores de inserir os franceses muçulmanos na dinâmica normal.
A guerra de civilização existe, diz Flores, mas não entre Ocidente e Islã, mas entre sagrado e desencanto, autonomia e heteronomia. Uma pesquisa do instituto norte-americano Gallup em 130 países (citado por Manlio Graziano no livro Guerra santa e santa alleanza, Ed. Il Mulino) descobriu que quanto menos os muçulmanos e os ocidentais se conhecem, mais estão convencidos de que, entre eles, há uma hostilidade irremediável.
Por isso, os autores do estudo falam "mais de um choque de ignorâncias do que de civilização". Flores certamente não é ignorante, mas escolhe do Islã uma representação seletiva, a mais congênita para demonstrar a sua tese de um avanço do sagrado que ameaça o Ocidente.
Os dois únicos autores árabes que ele cita são Sayyid Qutb, ideólogo da Irmandade Muçulmana, e Tariq Ramadan, filósofo contestado, neto do fundador da Irmandade Muçulmana.
Não há espaço para uma análise do equilíbrio entre religião e Estado nos países muçulmanos mais democráticos e menos dogmáticos (a Tunísia é um caso interessante, mas a Turquia também demonstrou e demonstra ainda uma notável separação entre Islã privado e laicidade oficial).
Durante grande parte do livro, Flores mantém o registro da batalha das ideias que precede e produz a violência terrorista, exceto, depois, quando se apoia em anedotas (a crônica as oferece, indubitavelmente) para justificar a impossível convivência entre Islã e democracia liberal.
Tendo a laicidade como objetivo e critério de juízo único, Flores evita toda explicação sociológica e geopolítica da violência: o problema é a religião, não o petróleo, a gestão da crise síria, a bomba atômica do Irã etc. Toda tentativa de compreender as motivações do terrorista se tornaria justificação.
Na segunda parte do livro, no entanto, Flores liga de repente religião e condição social: quando a democracia trai as suas promessas de igualdade mina a confiança na legitimidade laica da esfera pública e empurra os desiludidos para o sagrado. O escritor Orhan Pamuk, filho da elite laica e ocidentalizada da Turquia, desde criança, tinha se convencido de que Alá era o Deus dos pobres, já que os ricos não precisam rezar para ele. Se assim for, declarar guerra contra a desigualdade e o privilégio não é ao menos igualmente importante (e mais produtivo) do que se preocupar com a religião? E resolver os desastres geopolíticos que alimentam a violência sectária (Síria, Líbia, Iraque), um problema mais sério do que o véu em sala de aula?
Sem laicidade pública, é a resposta de Flores, todo o resto pouco importa, porque toda concessão ao sagrado é o início da derrota do Ocidente. Pode-se contestar tanta clareza, mas, ao menos, é uma tese que se pode discutir e também refutar, ao contrário das periclitantes jaculatórias de Oriana Fallaci e dos seus discípulos que intoxicaram o debate nesses anos.
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A jihad da laicidade: banir Deus para frear o Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU