Que a nova humanidade nascida em Cristo, possa ser testemunhada pelos cristãos das diversas Igrejas através da compaixão, deste olhar com o coração, capaz de renunciar aos próprios interesses e necessidades, para sempre acolher com respeito os mais vulneráveis. Capaz de expressar a compaixão concretamente no modo de cuidar e servir amorosamente, contemplando o modo de ser, de “sentir com” e de amar de nosso Mestre e Bom Pastor.
A reflexão é de Terezinha das Neves Cota, rc, religiosa da Congregação Nossa Senhora do Cenáculo. Ela possui graduação e mestrado em Teologia pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus - CES.
A liturgia deste 16º domingo do tempo comum nos apresenta o convite para um olhar novo, cuidadoso, acolhedor e compassivo. Só é possível sentir a compaixão em nossas entranhas se aprendemos a olhar com o coração, um olhar que se envolve, que é capaz de sentir com as outras pessoas e de se comprometer com suas reais necessidades.
A primeira leitura é Jr. 23, 1-6. Jeremias foi um profeta solitário. Chamado no ano de 626 a.C., ele sofreu incompreensões, perseguições e lhe faltou apoio até de seus compatriotas. Jeremias assumiu a solidão imposta pela Palavra profética de denúncia contra a degeneração dos reis de Judá e o descaso das lideranças religiosas, que ao invés de cuidar, abandonavam o povo.
0 capítulo 23 faz parte da seção que começa no capítulo 1 e termina no capítulo 25, são os oráculos contra Judá, textos originais do tímido jovem que aceitou ser o profeta sentinela e apresentar com fidelidade os oráculos de advertência e ameaça em Judá. Além da advertência aos governantes e aos maus pastores, que permitiram que as ovelhas ficassem dispersas, o centro da leitura deste domingo é o anúncio do rei messiânico da descendência de Davi, que será reconhecido como “Senhor, nossa Justiça”.
“Eu mesmo vou reunir o resto de minhas ovelhas [...] Vou trazê-las de volta para sua morada, onde poderão crescer e se multiplicar [...] Um dia chegará – oráculo do Senhor – quando farei brotar para Davi um rebento justo! Ele reinará de verdade e com sabedoria, porá em prática no país a justiça e o direito [...] E o nome que lhe darão será Senhor – Nossa – Justiça!”. (v.v. 3. 5-6).
O salmo 23/22 faz ecoar a profecia deste descendente de Davi e assegura que o cumprimento do oráculo sobre o Rei Messiânico não terá fim.
“O Senhor é meu Pastor, nada me falta... Ele restaura minhas forças e guia-me pelo caminho certo [...] Felicidade e graça vão me acompanhar todos os dias de minha vida”.
Estes versículos e os demais tornaram este salmo tão apreciado pelo povo cristão e já faz ecoam a Boa Nova. Tanto o Evangelho de João com a afirmação eloquente de Jesus que Ele é o Pastor e a Porta das ovelhas, quanto o Evangelho deste domingo, que não usa a expressão “Bom Pastor”, mas manifesta concretamente qual é o sentimento que determina todas as atitudes do Coração do Bom Pastor.
Em Mc. 6,30-34 temos a oportunidade de contemplar o Bom Pastor em ação. Jesus acolhe os discípulos missionários, que retornam entusiasmados e cansados. Ele está atento ao descanso que os discípulos necessitam, por isso planeja com eles a saída para um lugar tranquilo.
Naqueles tempos o povo já estava atento a Jesus. Estas ovelhas abandonadas são capazes de discernir quem é o seu Pastor. Elas correm à frente e transformam o lugar de descanso em um espaço de aprendizado sobre a compaixão. Os discípulos vão aprender a olhar como Jesus, com o coração. São convidados a acolher, a se compadecer e a cuidar das necessidades reais daquele povo, tanto de saber, quanto de se alimentar, como está na sequência deste mesmo capítulo: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.37).
A prioridade deixa de ser o descanso e passa a ser o aprendizado de uma característica fundamental da personalidade de Jesus: a compaixão.
O Evangelho deste domingo (Mc 6,30-34) termina no vers. 34: “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão, encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor e começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas”.
Chama nossa atenção esta prioridade do ensino: “começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas”. O que nos remete a Mateus: “Não se vive somente de pão, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus” (Mt. 4,4). Nestes tempos de silêncios omissos e cúmplices ou de palavras vãs e mentirosas, este Evangelho nos compromete com uma compaixão atenta não somente ao pão, que falta a tantos excluídos, mas a falta de comunicações claras e verdadeiras.
Faltam também palavras que honrem a verdade inspiradas em Jesus que é a Verdade. Que estas palavras nos tornem profetas sentinelas como Jeremias, para desmascararmos as mentiras, que enganam tantos irmãos e os levam a apoiar e defender quem os oprime e os descarta.
José Antonio Pagola, em seu livro “O Caminho aberto por Jesus” referente ao Evangelho de Marcos, ressalta que Jesus via tudo a partir da compaixão. Era a sua maneira de ser. Não sabia olhar ninguém com indiferença, não suportava ver as pessoas sofrendo. (conf. pg. 137). Ele prossegue com alguns questionamentos que eu quero enfatizar: “Quem despertará em nós a compaixão? Quem dará à Igreja um rosto mais parecido com o de Jesus? Quem nos ensinará a olhar como ele olha?” (pg. 138). Faço aqui um parêntese cheio de gratidão ao Papa Francisco, por dar à Igreja um rosto mais parecido com o de Jesus.
Da Carta aos Efésios (Ef. 2, 13-18) é de fato uma homília. O capítulo 2 tem dois temas principais, o primeiro é uma abordagem é sobre Deus rico em misericórdia, que nos arrancou da morte e nos concedeu a vida em Cristo (v.v. 1-10). O tema seguinte é a unidade em Cristo entre judeus e não judeus (v.v. 11-22). O trecho da liturgia de hoje está situado no segundo tema. Este ano tivemos a oportunidade de considerar este tema em nossa Campanha da fraternidade ecumênica.
“Cristo é a nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade”. (Ef. 2, 14a) – Lema da CFE 2021.
Que a nova humanidade nascida em Cristo, possa ser testemunhada pelos cristãos das diversas Igrejas através da compaixão, deste olhar com o coração, capaz de renunciar aos próprios interesses e necessidades, para sempre acolher com respeito os mais vulneráveis. Capaz de expressar a compaixão concretamente no modo de cuidar e servir amorosamente, contemplando o modo de ser, de “sentir com” e de amar de nosso Mestre e Bom Pastor.