Por: MpvM | 19 Março 2021
“O caminho indicado por Jesus é o do amor radical, que rompe as fronteiras geográficas e existenciais, oferecendo o dom de nossa vida na certeza de que a vida doada por amor ao Reino produzirá fruto. Que o tempo da quaresma possa ser um momento propício para contemplar Jesus em profundidade, reafirmar o seguimento e o compromisso do anúncio e testemunho da Palavra na doação da vida, através da compaixão e cuidado junto aos feridos da pandemia e oferecer-lhes o óleo da esperança e da consolação.”
A reflexão é de Regina Candida Führ, sc, religiosa da Congregação das Irmãs de Santa Catarina. Ela é doutora em Teologia, PhD e Mestre em Educação, avaliadora dos artigos científicos para a Revista da ANEC e Revista Brasileira de Educação, SCiELO.
Leituras do Dia
1ª Leitura - Jr 31, 31-34
Salmo - Sl 50,3-4.12-13.14-15 (R. 12a)
2ª Leitura - Hb 5,7-9
Evangelho - Jo 12,20-33
O quinto domingo da quaresma coloca o cristão face a face com o núcleo do Mistério: a Nova Aliança, a oblação sacerdotal sob a forma de uma existência efetiva, a exaltação de Jesus como glória de Deus. A liturgia antecipa o sentido da Páscoa de Jesus Cristo. A Palavra de Deus rememora continuamente que o Senhor estabeleceu uma aliança definitiva (Jr 31,31) com seu povo escolhido, mas Israel nem sempre foi fiel (Jr 31, 32b). A aliança, na perspectiva profética, implica deixar-se conduzir novamente por Deus e permitir que Ele mude e transforme o coração humano (Jr 31,33b). O perdão que Deus oferece ao povo infiel reconstrói sua esperança e o torna capaz de pensar, decidir e agir segundo os preceitos divinos (Jr 31,34b). A Leitura carta de São Paulo aos Hebreus afirma que essa nova Aliança, plena e definitiva, se realiza em Jesus Cristo, em perfeita obediência ao Pai (Hb 5,9). No Evangelho podemos perceber que a glorificação de Jesus se revela na cruz, pois o amor de Deus é radical e pede de cada pessoa uma decisão existencial, o seguimento de Jesus. Os gregos, que são acolhidos por Jesus, representam toda a humanidade que deseja conhecer Jesus e está em busca da salvação.
Jesus, percebendo que sua hora chegou (Jo 12, 23), se apropria do ensinamento da natureza: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só, mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12, 24). Nesta afirmativa de Jesus encontramos a centralidade de nossa entrega pelo Reino de Deus. Ele também nos alerta: ‘Quem ama a sua vida, perde-a; mas quem se desapega de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna” (Jo 12, 25). E faz um convite expresso: “Se alguém quer me servir, siga-me, e onde eu estiver, estará também aquele que me serve. Se alguém me serve, meu Pai o honrará” (Jo 12, 26). Servir e seguir Jesus significa assumir o projeto de Jesus na sua radicalidade, oferecer a vida como Ele ofereceu, pois não se pode gerar a vida sem a oblação da própria vida.
O contexto da primeira leitura (Jr 31,31-34) é o da calamidade resultante da destruição de Jerusalém, a ocupação da Babilônia e a deportação da classe governante de Judá ao exílio, no ano 587 a.C., fruto das infidelidades de Judá e Israel à Aliança feita com Javé. Em seu longo ministério, Jeremias conheceu de perto os sofrimentos daqueles que permaneceram na terra devastada pela guerra e dos que foram forçados ao exílio. O texto retrata a realidade da quebra da Primeira Aliança escrita, no Sinai, em tábuas de pedra, e que não tinha conseguido conduzir o povo a Deus. O ritualismo e o formalismo tinham abafado o seu conteúdo.
No horizonte amplo da profecia, Jeremias antevê uma futura e definitiva Aliança, não mais feita com mediações exteriores (sacrifícios, ritos legais, tábuas de pedra), mas gravada no coração
de um novo povo de Deus (Jr 31, 33). Por esta nova Aliança abre-se a perspectiva de uma nova humanidade reconciliada. Os elementos principais da novidade são três
Jeremias percebe que a dura experiência do exílio é momento propício para renovar o coração e reconstruir a aliança com o Senhor. Ele anuncia uma nova aliança para um povo, que estava vivendo uma profunda crise e anima-o na esperança fazendo-o intuir que é Jesus quem instaura a Nova Aliança, com sua Morte e Ressurreição.
O Salmo (Sl 50) destaca a fraqueza humana diante do pecado (Sl 50,7) e a necessidade da graça de Deus para criar dentro de nós um coração novo. Deus não quer sacrifícios e holocaustos, mas um coração contrito e humilhado. O Senhor convida-nos a implorar a purificação dos nossos pecados e a renovação do coração O salmista em oração coloca-se diante da misericórdia de Deus, confiando que Ele tudo pode e quer sanar, regenerar, recriar todas as coisas com a santidade e a novidade do seu Espírito.
Ao cantarmos este salmo, peçamos que o Senhor tenha misericórdia de nós e nos ajude a viver em profunda comunhão com Ele, com os irmãos e nos conduza num caminho da verdadeira conversão: “Criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido (Sl 50,12).
Na segunda leitura (Hb 5,7-9) o autor da carta aos Hebreus atesta que Jesus superou o sistema sacrificial do Antigo Testamento. Ele é o único mediador, o sacerdote da Nova Aliança, o modelo ideal e perfeito que se opõe à ordem sacerdotal, terrestre e imperfeita, da linhagem da Sadoc no Antigo Testamento. O sacrifício de Cristo é o único agradável a Deus.
O texto da carta aos hebreus apresenta a atitude de Jesus em sua oração diante da morte: “Fez orações e súplicas a Deus em alta voz e com lágrimas” (Hb 5,7). Não é essa a nossa atitude quando sofremos? E o texto continua dizendo que “Deus o escutou por causa da sua livre submissão” (v 7). A vida humana de Cristo, perseguido, caluniado, incompreendido, torturado e por fim crucificado e morto, mostra a seus seguidores o caminho da salvação. O cristão aprende que os seus sofrimentos podem adquirir um novo significado à luz dos sofrimentos de Jesus.
O evangelho (João 12, 20-33), em seu contexto, nos apresenta a entrada solene de Jesus em Jerusalém, depois de ter sido aclamado pelas multidões como o Rei-Messias. No mundo das contradições do poder (do “príncipe deste mundo”) Jesus assume um messianismo diferente: assume o caminho do serviço e da doação.
Os gregos, que não pertenciam ao povo judeu, chamado “povo de Deus”, se dirigiram a Jerusalém para prestar culto no templo e procuram Filipe, pois queriam ver Jesus (Jo 12,21b). Eles percebem que o verdadeiro santuário de onde irradia o amor de Deus não é o templo, mas Jesus. Destaca-se nesta atitude o caráter universal da libertação que Jesus veio trazer.
Jesus anuncia que a hora de sua glória chegou, mas será glorificado como o grão de trigo que cai na terra e morre (Jo 12,24). A glória de Jesus consiste em dar sua vida, para que nasça um mundo diferente, novo, sem a prepotência do “príncipe deste mundo”: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32).
Pela glorificação de Jesus, a salvação chega a todos os povos. No Evangelho de João a “glorificação” de Cristo significa a sua paixão, morte e ressurreição, que Ele mesmo explica, logo em seguida, com três referências em profunda ligação: “O grão de trigo, o seguimento dos discípulos e a obediência ao Pai”. Na comparação do grão que morre na terra, a morte é entendida como a condição para que se liberte todo potencial que a semente contém para gerar vida nova. A breve parábola do grão de trigo tem como ponto central a fecundidade: “Se o grão de trigo cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se ele morre, então produz muito fruto” (Jo 12, 24). Esta comparação sugere que a fecundidade da missão entre os gentios não dependerá da mensagem doutrinal, mas do testemunho do amor: dar a própria vida, esquecer-se dos próprios interesses e seguranças para se pôr a serviço do outro.
Assumir o discipulado de Jesus consiste em colaborar na construção do Reino, dispondo-se a sofrer a mesma sorte, no meio da hostilidade e perseguição, com a possibilidade de perder tudo.
Jesus mostra-se obediente ao Pai até o fim. A descida do Espírito Santo sobre Ele, com a voz que procede do céu, é a confirmação do Pai de que Jesus cumpre em plenitude a sua missão de redimir a humanidade. A multidão reconhece a procedência da voz celeste (Jo 12, 29) que foi destinada a eles para que acreditassem. A “glória” de Cristo, é manifestada aos pagãos que concordam com a salvação. Não é apenas a glória de um Messias nacionalista, mas a de um Deus, irradiando sua luz sobre o mundo inteiro (Jo 20-13).
A liturgia, mediante este evangelho nos envolve num movimento de “conversão radical”, ao aproximarmo-nos também no tempo litúrgico da cruz de Cristo, revelação do amor de Deus por nós.
Pistas para Reflexão
O Cristo da Páscoa realizou plenamente a Nova Aliança anunciada pelo profeta Jeremias, no momento do Exílio de Babilônia, narrativa que temos hoje na primeira leitura: “A aliança que eu farei com Israel depois desses dias é a seguinte – oráculo de Javé: Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em seu coração; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo” (Jr 31,33). Essa Nova Aliança, inscrita nos corações, nos torna capazes de amar e nos convida a liberar outras pessoas de tudo o que lhes impede de amar: “Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão – oráculo de Javé. Pois eu perdoo suas culpas e esqueço seus erros” (Jr 31,34). O propósito da Aliança é transformar o coração de cada pessoa, para se tornar nova criatura nessa profunda reação com Deus.
O Evangelho nos apresenta a lógica do Amor que não pode fazer outra coisa senão dar a vida. Mas para expressar-se na sua totalidade, ele deve ir até a morte: “se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12,24).
Todos nós somos convidados a entrar neste mistério da fecundidade: “Se alguém quer servir a mim, que me siga. E onde eu estiver, aí também estará o meu servo. Se alguém serve a mim, o Pai o honrará” (Jo 12,26). A coragem de morrer para si para amar verdadeiramente o outro, requer do discípulo de Jesus sair da sua autorrefencialidade: “Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12,25). O apego à vida, o fechamento estéril sobre si mesmo, é o que impede de pôr a própria vida a serviço dos outros.
O caminho indicado por Jesus é o do amor radical, que rompe as fronteiras geográficas e existenciais, oferecendo o dom de nossa vida na certeza de que a vida doada por amor ao Reino produzirá fruto. Que o tempo da quaresma possa ser um momento propício para contemplar Jesus em profundidade, reafirmar o seguimento e o compromisso do anúncio e testemunho da Palavra na doação da vida, através da compaixão e cuidado junto aos feridos da pandemia e oferecer-lhes o óleo da esperança e da consolação. Por intermédio da Palavra de Deus sintamo-nos interpelados a:
- Reafirmar nossa Aliança com Deus e permitir que Ele transforme o coração de cada ser humano;
- Acreditar de que é possível a reinauguração da Nova Aliança em meio a realidade onde vivemos;
- Ressignificar nosso sofrimento à luz do sofrimento de Jesus, em especial neste tempo de pandemia;
- Assumir nosso seguimento a Jesus com amor radical de quem oferece a sua vida por amor ao Reino.
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5º domingo da quaresma - Ano B - “Se o grão de trigo morre, então produz muitos frutos” (Jo 12,24) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU