31 Julho 2020
"Todos os gestos e palavras de Jesus nos indicam que Ele quer introduzir seus discípulos, todo o povo e todos nós num mundo novo, belo, mais justo, onde todos comem e ficam satisfeitos, mas esta realidade não nasce de uma mágica fácil, não nasce da lógica do mercado, mas sim da união com Jesus e o seu projeto de vida em abundância para todos (Cf. Jo 10,10). Nós oferecemos a Ele os nossos “cinco pães e dois peixes”, tudo o que temos e somos e a nossa oferta passa por suas mãos, passa jeito de ser do Evangelho, que não é acumular, comprar, vender, mas ofertar, agradecer a Deus e partilhar."
A reflexão é de Ana Paula Ramalho, religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas. Bacharela em teologia pela PUCSP e mestranda em Teologia espiritual pela Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma.
Leituras do dia
1ª Leitura – Is 55, 1-3
Salmo – 144/145, 8-9; 15-18
2ª Leitura – Rm 8, 35.37-39
Evangelho – Mt 14, 13-21
O Evangelho é uma mesa farta da qual devemos nos nutrir de cada palavra, de cada respiro de Jesus, de cada frase do Evangelho, como diria o Bem aventurado Tiago Alberione, para que em nós possa viver Cristo, para que possa crescer em nós a mulher interior, o homem interior que age no mundo segundo os toques do Espírito de Deus, segundo a lógica do Evangelho. E que jeito de viver é este? Podemos aprender um pouco mais sobre isso neste Domingo.
A liturgia da Palavra deste 18º domingo do tempo comum nos apresenta o relato de Mt 14, 13-21, da partilha dos pães e dos peixes. Encontramos esta passagem seis vezes nos Evangelhos, pois todos os quatro evangelistas apresentam esta cena. Mas Mateus e Marcos contam a mesma passagem duas vezes, sempre com novos elementos, certamente com o intuito de fazer com que a comunidade cristã penetrasse mais profundamente no mistério do Senhor, da sua Presença viva e transformadora. Durante muito tempo este relato foi denominado como a “multiplicação dos pães e dos peixes”, mas com esta estrada “mágica e fácil” não colhemos a mensagem que o evangelista quer nos oferecer.
Entre as muitas canções de Pe. Zezinho, scj existe uma que está em sintonia com a liturgia da Palavra deste Domingo e que se chama “Dá-me um pouco deste pão e deste vinho”. E gostaria de fazer uma meditação do Evangelho tendo como pano de fundo as palavras desta canção. A canção começa assim: Dá-me um pouco deste pão e deste vinho, tenho fome e tenho sede até demais. O Evangelho nos conta que após receber a notícia da morte de João Batista Jesus vai para um lugar deserto e afastado, mas lá encontra uma multidão que padece de todas as fomes humanas, uma multidão que clama tenho fome e tenho sede até demais.
Bem ali, naquele lugar, aquela multidão vive em primeiro lugar a experiência do olhar compassivo do Senhor, de sentir a sua compaixão, que é aquele amor passional, que revira as entranhas, que faz nascer de dentro uma ação de misericórdia, de cuidado, de cura. O texto afirma que Jesus viu aquela multidão, sentiu compaixão e curou todos os que estavam doentes. Jesus mesmo é compaixão, como proclama o Salmo de hoje: “Misericórdia e piedade é o Senhor, ele é amor, é paciência, é compaixão” (Sl 144/145, 8).
E o dia foi terminando, a multidão continuava ali escutando o Mestre e como dizemos a fome foi batendo e podemos imaginar a multidão cantando: A jornada foi pesada, a viagem me esgotou/ Eu não sei por quanto tempo sou capaz de prosseguir/Venho vindo caminhando desde o tempo de menino… Todos estão cansados e famintos, mas ao redor não tinham barraquinhas de lanches. Os discípulos se preocupam, querem que o povo vá para os vilarejos comprar comida e transmitiram essa angústia ao Mestre, mas qual resposta recebem? “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!”. Mas eles tinham só cinco pães e dois peixes! E aqui começa uma nova história, um novo modo de viver.
A resposta de Jesus é imperativa: “Tragam para mim”. Isto é, Jesus não aceita a lógica de comprar e vender dos discípulos, a sua lógica é do dar, doar, dividir, partilhar. Ele sabe e todos nós sabemos que no mundo existe alimento para todos. Os discípulos então entregam tudo. E repito, ali naquele lugar deserto e afastado, o Mestre ergueu os olhos para o Céus, deu a benção e entregou aos discípulos para que todos distribuíssem para a gente faminta. E nos diz o texto: “Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios” (Mt 14,20), e que nos recorda o Salmo deste Domingo: “vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 144/145, 16) e Isaías: “Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo” (Is 55, 2).
Pois bem, todos os gestos e palavras de Jesus nos indicam que Ele quer introduzir seus discípulos, todo o povo e todos nós num mundo novo, belo, mais justo, onde todos comem e ficam satisfeitos, mas esta realidade não nasce de uma mágica fácil, não nasce da lógica do mercado, mas sim da união com Jesus e o seu projeto de vida em abundância para todos (Cf. Jo 10,10). Nós oferecemos a Ele os nossos “cinco pães e dois peixes”, tudo o que temos e somos e a nossa oferta passa por suas mãos, passa jeito de ser do Evangelho, que não é acumular, comprar, vender, mas ofertar, agradecer a Deus e partilhar.
Este relato dos pães e peixes nos leva enfim a uma compreensão profunda da Eucaristia, isto é, da doação extrema e total do Senhor, que intimamente nos transforma e nos faz entrar na sua mesma dinâmica de doação da vida. A nossa partilha então não nasce de uma filosofia, de uma teoria, mas nasce do encontro e relação com uma Pessoa Viva!
A nossa espiritualidade, portanto, é de uma Presença! A Presença Real do Senhor em nós, no meio de nós. Ele que transforma o Pão e o Vinho no Seu Corpo e no Seu Corpo pode também transformar nossa vida, nosso jeito de agir. É a Ele que nos dirigimos cantando: Dá-me um pouco deste pão e deste vinho!. Assim, não podemos pensar a nossa caridade, a nossa partilha fora das consequências do Banquete da Eucaristia.
A nossa espiritualidade é de uma Pertença! É uma união com o Senhor que nos leva à uma confiança inabalável n'Ele, que nos fortifica dentro, que nos dá a certeza e sermos amados e nos impulsiona a também nós sermos pão partido e repartido com a mesma certeza que o apóstolo Paulo hoje proclama: “Quem pode nos separar do amor de Cristo? A tribulação do momento presente, da pandemia, as muitas angústias que nos corroem, a perseguição por acreditar na paz e na justiça, a fome de pão, de verdade, da Palavra, a nudez que expõe nossas fragilidades, os perigos, as carestias… a espada que nos mata? Quem pode nos separar da certeza do amor de Cristo? (…) Mas em todas as essas coisas nós somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou!” (Cf. Rm 8, 35.37)
E concluo recordando o refrão da canção de Pe. Zezinho: Eu preciso de alimento, mas precisa ser divino. Nós precisamos deste Alimento que é o próprio Senhor! O mundo precisa de alimento! Daquele que é Divino, isto é, que passa por nossas mãos trabalhadoras e calosas, mas que abençoado pelo Senhor poder saciar todas as fomes.
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18º Domingo do tempo comum - Ano A - Dai-lhes vós mesmos de comer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU