19 Junho 2020
"A casa de Deus é a sua Palavra que veio habitar no meio de nós e nos trazer vida. A Palavra de Deus é uma graça que, se não a conhecermos, jamais nos atreveríamos a pensar.
"Se a Palavra, como diz o salmista, proclama o amor e a bondade de nosso Deus e afirma que Ele atende os indigentes, que nunca rejeita os cativos e que este anúncio é motivo de alegria para os pobres a fim de que vivam todos que buscam a Deus (Sl 69,33-34), porque, então, o medo e a rejeição da qual fala o Evangelho? “Não tenhais medo deles”! “Quem me renegar diante dos homens, também eu renegarei diante de meu Pai que está nos céus”.
A Palavra sendo Luz traz a clareza da verdade. Os discípulos sentem-se ameaçados, ainda que portadores de boas notícias. Onde se inicia uma nova sociedade com Jesus e com aqueles que o rodeia, a escuridão se dissipa. A novidade que se manifestou visivelmente, através dessa transformação do mal escondido dentro das estruturas dominantes e totalmente fora do alcance da liberdade humana, em salvação e na normalidade do ser humano é recebida como grave ameaça. A palavra de Jesus dá o justo valor às coisas e as situa em seu exato lugar. Por sua Palavra se tem descoberto o que estava oculto e manifesto o quanto necessitamos saber - para caminhar por esta vida - com uma canção de louvor nos lábios e com uma infinita esperança no coração."
A reflexão é de Tania Couto, teóloga leiga. Ela possui Bacharelado em Teologia pelo Instituto Teológico-Pastoral do Ceará (2006), mestrado (2009) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio (2014). Atualmente é professora na área de bíblia da Faculdade Católica de Fortaleza e professora da área de bíblia da Escola de Pastoral Catequética.
Leituras do Dia
1ª Leitura - Jr 20,10-13
Salmo - Sl 68,8-10.14.17.33-35 (R.14c)
2ª Leitura - Rm 5,12-15
Evangelho - Mt 10,26-33
A liturgia deste 12º domingo do tempo comum nos convida a uma séria reflexão sobre a Palavra de Deus. O foco das leituras de Jr 20,10-13; do Sl 69; Rm 5,12-15 e Mt 10,26-33 põe em cena a absoluta necessidade de proclamar a Palavra de Deus, e a atitude dos que são chamados a proclamá-la.
A Igreja nasceu da Palavra e vive da Palavra e para a Palavra. Dela se alimenta e se nutre com total disponibilidade. Não pode cessar de proclamar incansavelmente a salvação para o homem conforme Rm 5,12-15, nem eclipsar a luz que brilha sobre o mundo em favor da vida e dos direitos de Deus e de sua justiça. É disto que se ocupa o 10º capítulo do Evangelho de São Mateus.
Após escolher seus discípulos Jesus os prepara para a missão destacando como prioridade a proclamação da Boa nova do Pai que Ele veio comunicar e que deverá ser anunciada apesar de todos riscos que a missão acarreta, inclusive, prevenindo que os envia como ovelhas entre lobos. Ao mesmo tempo os contempla com a promessa de que terão a assistência do Espírito do Pai.
O texto do AT(Jr 20,10-13) traz à memória um proclamador que fez de sua vida a própria mensagem: o profeta Jeremias. Jeremias foi enviado por Deus ao povo de Israel para proclamar sua Palavra em um contexto histórico-religioso dificílimo que antecedeu ao exílio da Babilônia, no qual anunciava esta desgraça. Sendo-lhes desfavorável o conteúdo do anúncio, a reação do povo caiu sobre o profeta: “Sirvo de escárnio todo o dia, todos zombam de mim”; “Eu ouvi a calúnia de muitos”; “e eles aguardam minha queda” (20,7). O profeta sentindo-se derrotado pensou em abandonar e esquecer sua missão – “Já não me lembrarei mais dele, já não falarei em seu nome”. Estou cansado de suportar, não aguento mais!” (Jr 20, 7. 9). No entanto, antes do desabafo o profeta se confessara totalmente seduzido por YHWH: “Tu me seduziste e eu me deixei seduzir” (20,7) e, então, recorre a experiências anteriores que o confortaram resgatando sua confiança em seu poder: “Mas YHWH está comigo, por isso meus perseguidores tropeçarão e não prevalecerão” (Jr 20,11).
A recordação da conduta de YHWH fez emergir o momento culminante no qual se sentiu chamado: “O Senhor me conhece desde o ventre materno” (1,5) ... “e, por isso, posso lhe expor minha causa” (Jr 20,12). O profeta sente que a palavra é irresistível para ele. Ela o afeta profundamente porque o alcança no coração mesmo de sua existência. Ele se escusa, se defende, resiste até que cai rendido e vencido por Deus. E, então, convida a cantar e a louvá-lo “porque livrou a vida do pobre das mãos do perverso” (Jr 20,13).
Este texto expõe a tensão que experimenta Jeremias entre a necessidade absoluta de proclamar com fidelidade a palavra que o profeta recebeu de Deus e a consequência de quem assume a missão. O salmista reflete esta situação: “É por tua causa que suporto insultos, que a humilhação me cobre o rosto” (Sl 69,8). Um profeta sabe que o Deus invisível tomou de empréstimo a visibilidade, a voz e a paixão de seus enviados para fazer-se presente no meio de seu povo. O que fala em nome de Deus tem a obrigação de dar vida à Palavra que é viva, isto é, de molhá-la com seu próprio sangue. Ao profeta é dado conceber a experiência de que é pela palavra que Deus revela o seu amor inconfundível pelo homem e pela qual entra na vida e história de seu povo. “O Zêlo por tua casa me devora” (v. 10).
A casa de Deus é a sua Palavra que veio habitar no meio de nós e nos trazer vida. A Palavra de Deus é uma graça que, se não a conhecermos, jamais nos atreveríamos a pensar. S. Paulo na 2ª leitura nos diz que a Palavra que se fez carne, Jesus Cristo, é um dom puro e total. Por ela se derramam sobre a humanidade a maior profusão de graças já acontecida na história da salvação. A reconciliação reatou a possibilidade do diálogo cortado pela transgressão de Adão. Ao tomar a iniciativa de vir ao nosso encontro fazendo-se palavra humana próxima e inteligível, Deus nos converte em interlocutores de um diálogo que nunca mais terá fim. E foi assim que a Palavra mostrou a visibilidade de nosso Deus em Jesus Cristo, fazendo-se carne. Anunciar a salvação é graça que Deus concede ao homem de poder colaborar com Ele sem jamais cansar-se. Porém a essência mesma da Palavra é a de abrir ao homem o mundo e a de fazer-lhe presente na vida.
Se a Palavra, como diz o salmista, proclama o amor e a bondade de nosso Deus e afirma que Ele atende os indigentes, que nunca rejeita os cativos e que este anúncio é motivo de alegria para os pobres a fim de que vivam todos que buscam a Deus (Sl 69,33-34), porque, então, o medo e a rejeição do qual falam o Evangelho? “Não tenhais medo deles”! “Quem me renegar diante dos homens, também eu renegarei diante de meu Pai que está nos céus”.
A Palavra sendo Luz traz a clareza da verdade. Os discípulos sentem-se ameaçados, ainda que portadores de boas notícias. Onde se inicia uma nova sociedade com Jesus e com aqueles que o rodeia, a escuridão se dissipa. A novidade que se manifestou visivelmente, através dessa transformação do mal escondido dentro das estruturas dominantes e totalmente fora do alcance da liberdade humana, em salvação e na normalidade do ser humano é recebida como grave ameaça. A palavra de Jesus dá o justo valor às coisas e as situa em seu exato lugar. Por sua Palavra se tem descoberto o que estava oculto e manifesto o quanto necessitamos saber - para caminhar por esta vida - com uma canção de louvor nos lábios e com uma infinita esperança no coração.
Hoje precisamos recuperar a força de penetração da Palavra. Não se gasta nem uma caloria em proclamar a Palavra. Não há paixão. Ela não pode estar congelada nem se tornar relatos históricos de feitos passados; não há entusiasmos. Nenhuma coisa pode resistir à Palavra do mestre e nem desobedecê-la.
O mensageiro tem que dar calor e vida à palavra que anuncia, mostrar-se seduzido por ela. Tem que dar vida à Palavra de Deus. A palavra tem que chegar aos destinatários como uma flecha. Ao proclamador de sua Palavra Jesus lhe assegura o total respaldo do Pai. É, então, exigida ao mensageiro a confiança naquele que o envia. O serviço ao qual foi chamado tem a assistência e a própria garantia da verdade e requer perseverança. A resistência aos sofrimentos e humilhações advindas da missão não devem ser encaradas como um fardo, e sim como um testemunho de que são fiéis ao chamado. O Seguimento a Jesus é o caminho para a propagação da Palavra, da construção da nova sociedade.
A força de penetração da palavra é insuspeita. Uma palavra de amor, um te quero, me faz saltar de júbilo e viver; um te odeio, arrasa, mata. Minha palavra para o bem ou para o mal penetra dentro de outro ser e o dá vida ou o destrói. O bom e o mal procedem dela (Gamaliel). O terreno da palavra humana é como o subsolo que nos permite dar todo seu valor e alcance à afirmação central de nossa fé: Deus tem falado ao homem. É como uma força que resiste em desaparecer: pretende entrar no coração do que escuta e influir em sua vida. Por isso ela tem que ser proclamada inclusive sobre os telhados.
Este soneto de Cecília Meireles expressa bem o que quis dizer
Falai de Deus com a clareza
da verdade e da certeza;
com um poder
de corpo e alma que não possa
ninguém, à passagem vossa,
não o entender.
Falai de Deus brandamente,
que o mundo se fez dolente,
tão sem leis.
Falai de Deus com doçura,
que é difícil ser criatura:
bem o sabeis.
Falai de tal modo
que por ele o mundo todo
tenha amor
à vida e à morte,
e de vê-Lo
O escolha como modelo
superior.
Com voz, pensamentos e atos
representai tão exatos
os reinos seus
que todos vão livremente
para esse encontro excelente.
Falai de Deus.
Cecília Meireles
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
12º domingo do tempo comum - Ano A - A missão de proclamar a palavra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU