28 Junho 2008
Em 26 de julho de 2006, Vinicius Gageiro Marques entregou sua vida de forma trágica. Trancou-se no banheiro com duas churrasqueiras acesas e se asfixiou. Até aquele dia, o rapaz, de 16 anos, gravara, em seu quarto, cerca de 60 canções. Fluente em francês, inglês e galês, superdotado, avaliam seus professores, tímido ao extremo, o multinstrumentista teve lançado um disco póstumo, em abril, pelo Allegro, selo de Goiânia. Mas o que põe a música de Vinicius – de nome artístico Yoñlu – num patamar mundial é o anúncio, feito esta semana, do licenciamento de sua obra para o selo nova-iorquino Luaka Bop, de propriedade de David Byrne, com encarte desenhado pelo americano Paul Hornschemeier. O cantor e compositor escocês foi o responsável pelo resgate de Tom Zé e é um notório fã da música brasileira. A breve história de Yoñlu, mitificada no Sul, já é disputada até por cineastas locais. A reportagem é de Braulio Lorentz e publicada pelo Jornal do Brasil, 29-06-2008.
Presidente da Luaka Bop, Yale Evelev ouviu as músicas de Yoñlu pela internet.
– Não sabíamos da história da morte dele. São canções pop criativas e incomuns – descreve o presidente da Luaka Bop, Yale Evelev, em entrevista ao Jornal do Brasil por telefone, de Nova York.
– David gostou sobretudo da canção Tiger. Disse que parecia muito com Tom Zé, o que era incrível para um menino de 16 anos. I know what it’s like é a nossa favorita. Fala de uma angústia existencial com a qual convivemos no ensino médio, sendo que poucos conseguem expressá-la de modo tão elegíaco. É uma história triste de desperdício de potencial.
Yoñlu não costumava virar noites no computador. Quando ficava até mais tarde com os dedos no teclado não ultrapassava as duas ou três da manhã. Aprendiz de baterista desde os 3 anos, escrevia resenhas de discos de MPB em inglês para o site Amazon.com – suas preferidas eram as dedicadas a João Gilberto – e dava aulas de galês para uma turma virtual.
Se Vinicius tinha 16 anos, Yoñlu era um pouco mais velho: apresentava-se como um músico de 26. A capacidade intelectual era descrita pelos adultos com os quais mantinha contato como fantástica e ao mesmo tempo motivo de sofrimento. Até a relação do garoto com a arte era de certa forma melancólica e retraída. Não tinha o costume de escutar música alta no quarto. Um de seus amigos inseparáveis eram os headphones. No colégio, tinha apenas uma amiga, Luana Groch, que hoje é a moderadora da comunidade que o homenageia no Orkut. Mecânica celeste aplicada, uma das poucas canções do repertório compostas em português e que está no CD lançado no Brasil, foi feita para ela. Juntos, Luana e Yoñlu iam ao cinema, se davam muito bem, mas não eram namorados. A garota gostava de chamá-lo pelo apelido carinhoso de "geniozinho".
Mutantes na lista dos favoritos
Não costumava estudar, apenas passava o olho nas páginas dos livros e entregava as provas em poucos minutos. Mesmo assim, sempre tirava as notas mais altas da turma. No tempo que economizava – por não ter que fazer o dever de casa – estudava música. Aprendeu inglês sozinho, sem fazer cursos. O tempo também era preenchido com a confecção de listas, como a que intitulou "History of Rock (1950-2004)". Não era tão fã de Tom Zé, preferia Mutantes, os únicos brasileiros da lista.
Luiz Marques, pai de Yoñlu, ex-secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, está radiante. Diz que é difícil relembrar o filho e que se emociona com as homenagens recentes, especialmente a de Byrne.
– É como se o tempo tivesse congelado naquele trágico inverno. Mas sei o quanto ele gostaria de ver reconhecido o trabalho. Este lançamento prova que sua obra alcançou maturidade artística apesar da genial precocidade.
Inspiração para certo sotaque sulista da obra, o cantor e compositor Vitor Ramil cede a canção Estrela, estrela, uma das novidades da edição internacional do CD, que também apresenta versão de Reservations, do americano Wilco, e duas músicas próprias: o samba Olhe por nós e Phrygian, num total de 16 faixas.
– Ele tinha o mesmo gosto que temos por experimentação – analisa Ramil. – Como era muito garoto, as influências eram mais evidentes. Yoñlu tinha um grande futuro. Fazia um rock pungente experimental. Era bastante musical, bastante diferente de Tom Zé, que é antimusical. Mas o Byrne conhece Tom Zé bem melhor do que eu...
Presidente da Allegro Discos, Sandro Bello conheceu o trabalho de Yoñlu no início de 2007. As músicas lhe foram apresentadas pelo músico gaúcho Artur de Faria.
– Ouvi e adorei. Nem cheguei a perguntar ao pai por que havia morrido. Minha escolha não se baseou nisso – diz Bello, que lançou o CD com tiragem de 2 mil cópias.
Presidente da distribuidora Tratore, Maurício Bussab revela que pretende pôr outra leva de canções para venda pela internet:
– O pai dele vive me mandando canções que encontra no computador.
Arthur de Faria, líder do Seu Conjunto e um dos instrumentistas mais reconhecidos de Porto Alegre, tomou um susto quando soube da morte de Yoñlu num curso de história da MPB que ministra. Meses depois, recebeu um CD-R com várias músicas do rapaz:
– Fiquei deslumbrado. Tem a ver com o que gosto: Nick Drake, Radiohead. E tem um sotaque sulista. É muito novo o guri para esse nível de realização. A maturidade era impressionante. Eu aos 16 até fazia músicas legais, mas não gravava e nem tocava bem. E nem fazia letras tão boas.
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