18 Novembro 2009
Leonardo Boff, teólogo, comenta o livro Tecendo memorias, gestando o futuro: história das Irmãs Negras e Indígenas das Missionárias de Jesus Crucificado”(Paulinas 2009), de autoria de José Oscar Beozzo, historiador.
A Casa Grande e a Senzala não foram apenas construções sociais e físicas, dividindo por um lado os brancos, donos do poder e por outro, os negros, feitos escravos. Com a abolição da escravatura exteriormente desapareceram. Mas continuam presentes na mentalidade dos brancos e das elites brasileiras. As hierarquizações, as desigualdades sociais e os preconceitos têm nesta estrutura dualista sua origem e permanente realimentação.
A vida religiosa que se insere neste caldo cultural reproduziu em suas relações internas o mesmo dualismo e as mesmas discriminações. Durante todo o tempo da Colônia os que possuíam “sangue sujo”, quer dizer, os que eram negros, indígenas ou mestiços, não podiam ser padres nem religiosos. Além de puro racismo, típico da época, argumentava-se que eles jamais conseguiriam viver a castidade. Esta discriminação foi internalizada nestas populações desumanizadas a ponto de sequer pensarem em ser padres, religiosos ou religiosas.
Qual é a originalidade deste livro? É mostrar o lento despertar da consciência das irmãs negras, de sua identidade étnica, de seus valores específicos e de sua espiritualidade singular, feito de histórias de vida narradas por irmãs negras, histórias de chorar, tal o nivel de discriminação e de humilhação.
Mas o que transparece não é amargura ou espírito de revanche. Ao contrário, é o de resgate da memória de tudo o que se aprendeu nessa penosa caminhada e do lançamento das bases para um futuro mais igualitário e respeitador das diferenças. Elas mostram que a identidade negra não precisa ser trágica, mas foi e pode ser épica: feita de uma sábia resistência e de um desabrochar lento mas seguro de seu próprio caminho de libertação. As religiosas negras emergem como verdadeiras heroinas e muitas delas com sinais inequívocos de santidade. Assim se supera uma visão miserabilista dos negros e negras e se realça sua inventividade, sua capacidade de ter alegria interior que se revela no riso e na festa, na música e na dança.
Esse livro vem preencher uma lacuna na historiografia negra na ótica da vida religiosa. Ele suscita admiração mais que compaixão, vontade de conquista mais do que resignação. Sua leitura nos edifica e nos faz humanamente mais solidários.
(cfr. notícia do dia 18-11-09, desta página).
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Uma história épica: Irmãs negras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU