01 Novembro 2011
O conhecimento filosófico-teológico e o conhecimento empírico-científico encarnam dois níveis epistemológicos e linguísticos que pertencem a planos diferentes e, portanto, são incomensuráveis, intraduzíveis e não conflitantes entre si.
A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho da Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 09-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Bereshit: "No princípio", é a primeira palavra hebraica da Bíblia, o incipit absoluto da Revelação que descreve o incipit absoluto do ser e do existir. Muito se discutiu sobre a concepção subentendida à descrição desse ato divino: é uma "creatio ex nihilo" no sentido da metafísica clássica? À primeira vista, pareceria que não, de acordo ainda com o verbo bíblico do "criar", bara", presente também no fenício, onde designa a obra do escultor que molda um bloco pré-existente de pedra ou de madeira.
Dentre outras coisas, o segundo versículo do Gênesis afirma que, "no princípio", "a terra era informe e deserta, e as trevas cobriam o abismo, e o espírito de Deus pairava sobre as águas". O deserto (a antiga versão grega da Bíblia "Septuaginta" traduz metafisicamente com um amorphos hyle, "matéria informe"!), as trevas, o abismo, as águas não são um "nada".
Na realidade, em uma gnoseologia simbólica como a semita, o conceito abstrato de "nada" só pode ser expressado através de símbolos negativos. Eis, então, o tohu wabohu, que, na sua onomatopeia bruta e informe, evoca o deserto que é ausência de vida. Eis, depois, as "trevas", negação da luz que será precisamente o primeiro objeto do ato criador. Eis o tehòm, o "abismo", que alude lexicamente a Tiamat, a divindade mesopotâmica do caos, sinal de vazio, e, finalmente, as águas oceânicas que atentam à criação expressada pela terra firme, como se canta no livro de Jó (38, 11).
Podemos, portanto, afirmar que no Gênesis – sob o véu dos símbolos – também se esconde o conceito de criação, que será depois amplamente elaborado pela filosofia e pela teologia posteriores, a partir já dos próprios livros bíblicos dos Macabeus, nos quais se declara explicitamente que "Deus fez o céu e a terra não de realidades pré-existentes" (II, 7, 28).
Mas justamente com o ingresso da reflexão sistemática e da ciência, as coisas se complicam, e o afã da teologia em manter outras disciplinas atrás de si na corrida torna-se evidente, sobretudo quando a ciência se torna desprezível e considera as afirmações teológicas como destroços de um paleolítico intelectual. Por reação, tem-se, então, uma teologia que, com o criacionismo (nos EUA, chamado significativamente de creation science), se ilude de o seu protocolo epistemológico à ciência, progredindo de modo especular, embora antitético: enquanto, por exemplo, a teoria científica evolucionista tende a se propor como um sistema explicativo global do ser e do existir, o criacionismo abraça a doutrina teológica da criação para contrastar e contestar a teoria científica da evolução.
No âmbito do nexo entre ciência e fé, justamente pela delicadeza dos nós que se emaranharam a partir do evento emblemático do "caso Galileu", é necessário proceder com grande rigor metodológico e com pacientes análises e distinções. Por isso, não deve desencorajar a densa documentação que cobre as páginas do livro proposto [1], sim, por um teólogo, o dominicano Alessandro Salucci, que, no entanto, é sobretudo um filósofo da ciência, campo no qual ele também opera em nível acadêmico.
Ele parte daquele livro que tornou célebre ao grande público o físico britânico Stephen Hawking, Do Big Bang aos buracos negros, traduzido [ao italiano] pela editora Rizzoli em 1988, mas o seu percurso é corretamente conduzido ao longo da trajetória do "fundamento" (para que nos entendamos, do "por quê?"), típico da filosofia e da teologia, sem ignorar, porém, a outra trajetória que corre acima, ao longo da "cena" da natureza, ou seja, onde opera a ciência, que responde, ao contrário, à interrogação "como?".
Uma distinção necessária para evitar concordismos sub-reptícios e anátemas fundamentalistas, movendo-nos na esteira da proposta dos dois níveis necessários de análise, sugeridos por Stephen Hawking com a feliz fórmula do Non-Overlapping-Magisteria (Noma), isto é, da não sobreposição dos percursos do conhecimento filosófico-teológico e do conhecimento empírico-científico. Eles, de fato, encarnam dois níveis epistemológicos e linguísticos que pertencem a planos diferentes e, portanto, são incomensuráveis, intraduzíveis e não conflitantes entre si.
Na prática, é o que Nietzsche já intuía em 1878, quando, em Humano, demasiado humano, escrevia: "Entre religião e ciência, não existem nem parentelas, nem amizades, mas também não inimizade: elas vivem em esferas diferentes". Na verdade – e o livro de Salucci destaca isto várias vezes –, não faltam intersecções e contatos entre os dois planos, acima de tudo por causa da unitariedade do sujeito operante (o cientista e o teólogo são ambos dotados de diversos canais de conhecimento, além daquele específico privilegiado por eles), mas também do idêntico objeto de análise, ou seja, o universo e a humanidade.
Além disso, "existem alguns tipos de asserções que deixam se transferir do campo das ciências experimentais ao filosófico e vice-versa, sem confundir os níveis", em uma fecunda osmose, sublinhada por Michał Heller, no seu livro Nuova fisica e nuovi teologi (Ed. San Paulo, 2009). O itinerário que Salucci propõe não pode ser simplificado, mas deve ser seguido passo a passo, sobretudo na primeira parte, que é a mais completa e fascinante (consideramos a segunda dedicada à "contribuição de Tomás de Aquino à doutrina da criação" como uma digressão interessante, mas específica).
São quatro os tempos em que o leitor é convidado a parar e a penetrar nos vários horizontes que se desdobram diante da sua mente. Acima de tudo, se apresenta diante de nós a antiga herança do pensamento simbólico pré-filosófico, porque a humanidade, desde a sua gênese, se assomou ao ser descobrindo que "em todas as coisas da natureza há algo de"thaumastón", como dizia Aristóteles , isto é, um "maravilhoso" que solicita a interrogação. Ao contrário, as três etapas posteriores – que são as fundamentais – veem em ação a decifração sistemática e analítica da realidade segundo ângulos diferentes – os níveis que mencionamos acima –, ou seja, os três saberes da três filosofia, da ciência, da teologia.
Temos, portanto, um texto que considera corretamente como necessária a trilogia dos saberes e que, por isso, não deveria embaraçar o cientista que o tem em suas mãos. De fato, ele poderia, talvez, no fim da leitura dessa obra "panorâmica" e atenta à multiplicidade das abordagens à realidade, partilhar a convicção de Max Planck que, no seu Conhecimento do mundo físico (1906;1947) afirmava: "Ciência e religião não estão em contraste, mas precisam uma da outra para se complementarem na mente de um homem que pensa seriamente".
Notas:
1) Alessandro Salucci, In principio... Variazioni sul tema della Creazione, com um artigo de Giovanni Vezzosi, Pontifical Council for Culture (The Stoq Project Research Series n. 12), Cidade do Vaticano, 414 páginas.
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No princípio, era a fé. E a ciência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU