A competição entre os países no mercado internacional vai se intensificar com o agravamento da situação econômica mundial. E é importante o Brasil mudar seu mix de políticas, reduzindo gradualmente a taxa de juro e empurrando o câmbio no sentido de uma certa depreciação. Mas para que isso seja viável, o país precisa manter uma política fiscal muito disciplinada.
É o que afirma o diretor executivo do Brasil e mais oito países no
Fundo Monetário Internacional (FMI),
Paulo Nogueira Batista Junior, que frisou ser essa uma opinião pessoal. Reputado como um economista heterodoxo,
Nogueira Batista pode surpreender agora defendendo um ajuste fiscal.
A entrevista é de
Assis Moreira e publicada pelo jornal
Valor, 18-10-2011.
Mas ele diz que a realidade é essa mesmo. "A única forma de o Estado nacional ficar independente dos mercados é controlando seu déficit e sua dívida", afirmou depois da reunião de ministros das Finanças do G-20, no fim de semana em Paris.
Ele explica proposta do Brasil para se aumentar recursos do FMI em algumas centenas de bilhões de dólares, a fim de sinalizar ao mercado a disposição internacional em socorrer países combalidos pela crise.
Eis a entrevista.
Dá para escapar de nova recessão global?
O quadro hoje nos países desenvolvidos é de recessão, estagnação ou crescimento muito lento, com desemprego alto. E nos emergentes há uma desaceleração do crescimento, mesmo na China. Uma nova recessão mundial é possível, mas não é inevitável.
A China caminha para aterrissagem forçada?
Há um risco. Mas há 20 anos que escuto falar de risco de aterrissagem forçada da China e não aconteceu. Há vulnerabilidades na China, sim, no sistema financeiro e parece haver bolhas importantes nos mercados imobiliários. Mas o que está aparecendo são sinais de uma certa desaceleração. E como há inflação mais alta do que havia há dois, três anos, é difícil imaginar que a China possa responder à desaceleração interna e mundial com um impulso tão forte como o que ela deu em 2008 como parte da reação à crise global. A China está numa posição forte e, comparado a países desenvolvidos, então, nem se fala. Mas também tem menos munição do que tinha em 2008-2009. A escassez da munição é muito mais nítida na Europa, nos EUA, mas também se nota no caso da China. O impacto [para o Brasil] depende do tipo e da extensão do problema chinês. Se for desaceleração muito forte, vai afetar commodities. A China é nosso maior parceiro comercial e nossas exportações são sobretudo de commodities.
O cenário se deteriora, mas o Ministério da Fazenda projeta crescimento maior, de 5% em 2012, no Brasil. Quais ajustes são necessários para isso?
É importante que o Brasil tenha uma competitividade internacional mais forte. É bem vinda uma certa depreciação cambial, que começou a ocorrer com essa turbulência, desde que não seja muito rápida. A competição entre os países no mercado internacional vai se intensificar com o agravamento da situação mundial e vamos precisar de mecanismos eficazes de defesa contra concorrência desleal e subsídios abusivos. O Brasil já está caminhando nessa direção.
E no plano macro?
No plano macro, é importante o Brasil mudar sua "policy mix", reduzir gradualmente a taxa de juro que vai ajudar inclusive as finanças públicas e o câmbio, empurrar o câmbio no sentido de uma certa depreciação. Mas, para que isso seja viável, é importante manter uma política fiscal muito disciplinada. Muitas vezes se diz no Brasil e em outros lugares que ajuste fiscal é politica ortodoxa. Pode ser, quem quiser use esse adjetivo. Mas é importante que se entenda que a única forma de o Estado nacional ficar independente dos mercados é controlando seu déficit e sua dívida.
Isso é o que diz François Hollande, o candidato socialista a presidência da França, que é chamado de "esquerda mole".
Ah, é? Eu não sabia. Mas é a grande realidade. Se o Estado nacional tiver déficit alto, dívida alta, cai nas mãos dos mercados. É indispensável que o Estado tenha controle de suas contas para ter raio de manobra, para fazer políticas sociais, distributivas, de investimento e desenvolvimento. Se quiserem chamar isso de ortodoxo, chamem, mas o importante é isso. O que não é bom no Brasil é essa combinação de câmbio valorizado e juro alto. Isso deprime a atividade, reduz a competitividade da economia, onera as contas públicas, aumenta o déficit. Se conseguirmos caminhar na direção, como já estamos, de juros mais próximos da média mundial, política fiscal forte, com câmbio um pouco mais depreciado e políticas de defesa comercial e de competitividade internacional, o Brasil pode, sim, continuar crescendo apesar do cenário internacional difícil.
A guerra cambial pode se agravar?
Estamos em plena guerra cambial. Você mora na Suíça, não? Se há seis meses alguém falasse que a Suíça adotaria teto para câmbio com o euro, ninguém acreditaria. Em todos os períodos de grande dificuldade econômica, desemprego alto, a tendência é aumentar a guerra cambial e a comercial. Estamos vivendo os dois fenômenos. Por isso é importante o Brasil ter política cambial competitiva e mecanismos de promoção da competição internacional do país.
O câmbio chegou a R$ 1,95 e voltou a R$ 1,75. É um nível bom?
Não acho que se possa fixar meta para taxa de câmbio. Apenas se você observar o que aconteceu nos anos recentes, o real foi das moedas que mais se valorizou. Isso não foi bom para o Brasil. Só não se valorizou mais porque o Banco Central e o Ministério da Fazenda atuaram várias vezes para conter essa valorização, que mesmo assim continuou. E só agora, com a intensificação da crise na área do euro, houve reversão parcial.
Essa reversão pode continuar?
Se houver uma tranquilização da situação na Europa, com uma cúpula europeia de 23 de outubro e a cúpula do
G-20 de Cannes muito bem sucedidas, o cenário mais provável é de volta ao quadro anterior, em que o Brasil vai estar sofrendo de excesso de liquidez. Por quê? Porque todos os principais bancos centrais, inclusive o
Banco Central Europeu, estão com políticas monetárias super expansionistas, provendo liquidez abundantemente, com taxas de juros muito baixas, negativas em termos reais. Se a crise aguda for debelada, provavelmente voltará o cenário de o real ser uma moeda atraente. Daí porque é importante uma redução gradativa do juro e manter política fiscal forte.
A Europa mapeou o que fazer para combater sua crise, mas falta decidir. No caso do sistema financeiro, a tendência é de grande contração dos bancos e do crédito?Pela avaliação que se tem, muitos bancos europeus precisam reforçar seu capital. Se os bancos resolverem responder a essa necessidade vendendo ativos, isso vai provocar contração do crédito e agravar o movimento recessivo que se desenha na Europa. E como a Europa tem importância ainda grande, embora declinante, haverá repercussão internacional. O que se quer é reforçar o capital e não levar os bancos a reduzir ativos. Se vários bancos simultaneamente reduzirem ativos, o efeito será forte.
Que impacto essa situação dos bancos europeus pode ter no Brasil?
Fatalmente, uma crise na Europa tem efeito em partes do mundo, inclusive no Brasil, e no nosso caso o canal é financeiro. O Brasil tem que estar muito atento, e creio que está, para a situação das filiais de bancos estrangeiros no país, inclusive europeus. As autoridades de supervisão bancária têm que acompanhar muito bem esses bancos e acredito que estejam acompanhando com cuidado. Como a situação é muito tensa no mercado bancário internacional, e especialmente na Europa, isso é básico.
A proposta brasileira de reforçar a capacidade financeira do FMI é contestada agora por desenvolvidos. Qual a chance de a proposta decolar em Cannes?Essa ideia é defensável porque, num momento de crise grave, se os países mostram capacidade de atuação conjunta, é importante e os recursos podem inclusive nunca precisar ser usados. O Brasil passou por muitas crises e uma conclusão que os brasileiros tiraram foi de que numa crise, especialmente financeira, o governo tem que reagir de maneira além do que se espera para conter a crise. Até agora, os europeus têm feito o contrário. É necessário agir rápido. No caso do
FMI, existem USS 400 bilhões [para empréstimos], talvez seja suficiente, mas numa situação tão vulnerável seria mais prudente criar uma linha de defesa adicional.
Os recursos adicionais para o FMI seriam da ordem de centenas de bilhões de dólares?
Sim, mas isso tudo tem que ser avaliado. É prematuro falar [em cifras], mas para ter efeito teria de ser um valor expressivo.
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"Ortodoxo", Nogueira Batista defende disciplina fiscal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU