05 Outubro 2011
Alvaro Rico (foto) é o decano da Faculdade de Humanidades da Universidade da República do Uruguai. Faz seis anos é o coordenador da pesquisa sobre a repressão durante a ditadura uruguaia (1973-1985), tarefa que lhe foi solicitada pelo então presidente da Frente Ampla, Tabaré Vázquez. Rico viajou à Buenos Aires para participar do Seminário de Políticas da Memória que se realizou no Centro Cultural Haroldo Conti na ex-ESMA. Antes de sua intervenção, dialogou com Página/12 sobre sua pesquisa e das disputas pela memória na República Oriental.
Também aproveitou a viagem para percorrer a região do Abasto, onde viveu, quando fugindo da ditadura uruguaia, se refugiou na Argentina. Andou pelas ruas que percorreu até 1976 quando teve que se exilar na Europa. "Não pude acreditar que tenham colocado um shopping ali", se queixa e comenta depois com ironia no olhar que é um primo distante do ex-carapintada Aldo Rico. Em seguida volta a se referir ao trabalho de documentação das vítimas uruguaias que realiza desde 2005.
"A responsabilidade é muito grande. Sente-se o peso da história quando se tem que trabalhar com esses arquivos sensíveis e sobre um período tão cheio de desrespeitos e violações à dignidade humana", destaca em entrevista à Luciana Bertoia do Página/12, 03-10-2011. A tradução é do Cepat. Foto: Sergio Goya.
Eis a entrevista.
Você acredita que se avançou nos últimos anos em matéria da verdade sobre a ditadura uruguaia?
Até o momento, entre arquivos do Estado, privados e do exterior, a equipe que coordeno revisou ao redor de 27 arquivos, entre eles, quatorze do Estado. O balanço é de avanço, mas limitado com relação a tudo o que resta ainda por se saber.
Puderam ver os arquivos das forças armadas?
Entre os arquivos que pudemos ver, estão os da Inteligência policial, os da Chancelaria (que é uma área fundamental para poder investigar as implicações do poder civil com o poder militar na estruturação do regime ditatorial cívico-militar) e alguns de origem militar. Também temos o arquivo de fichas clínicas da Saúde Militar que foi aberto faz pouco tempo e, nos últimos meses, nossa equipe tem trabalhado na busca de presos que foram atendidos no Hospital Central das Forças Armadas, procuramos também encontrar presas que deram à luz no Hospital Militar. Um dos objetivos fundamentais nessa busca é saber de María Claudia Irureta Goyena de Gelman, na medida em que vários testemunhos falam do parto de Macarena, sua filha, no Hospital Militar.
Qual é particularidade da repressão no Uruguai?
No caso da argentina, a metodologia repressiva generalizada foi o desaparecimento forçado de pessoas; no caso do Uruguai, a metodologia generalizada da repressão ditatorial foi a prisão massiva e prolongada. Até o momento, o universo de presos-desaparecidos uruguaios é de 176, mas o universo de presos políticos é ao redor de seis mil. Proporcionalmente à população, o Uruguai foi a ditadura de maior número de presos políticos no mundo.
Ficaram sequelas na sociedade?
Sim, esta política de prisões, de controle, de liberdade vigiada, trouxe consequências para a sociedade. Ainda mais porque preso político no Uruguai foi sinônimo de tortura. Não houve preso político que não tenha passado pela tortura. Não é casualidade que o Uruguai de hoje, depois de mais de 25 anos de ditadura, continue tendo no tema carcerário e na grande quantidade de jovens presos um problema que se estende no tempo sem uma solução à vista. A ditadura reestruturou formas sociais, de valores.
A reorganização de laços sociais pode explicar porque a sociedade ratificou a Lei da Anistia que impede que se julguem os repressores?
Eu penso que sim. Não se pode descartar essa linha explicativa. Por outro lado, a esquerda nem sempre encontrou os elementos convincentes e populares para conseguir estabelecer uma explicação sobre o porque de uma ditadura no Uruguai e seus responsáveis. Certos traços de medo, certos traços de indiferença, certos traços de contradições internas da propria esquerda terminaram por aprofundar essas transformações culturais.
Em novembro perscrevem as causas pelos crimes cometidos durante a ditadura militar como tudo faz pressupor. O que acontecerá então?
Concluir-se-ia um processo de sucessivas etapas: desde a Lei da Anistia, os plebiscitos, as marchas de silêncio, as tentativas de anulação. Isso terminaria com a conclusão de que "justiça nunca mais".
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Ditadura uruguaia e o risco da "justiça nunca mais" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU