28 Setembro 2011
O filme é um chamado à conversão ao mistério da presença eloquente, escondida e também dramática, em meio ao pecado e à morte, da Graça. Por isso, ele acaba se convertendo em um louvor. O cinema se torna dom.
A análise é de Peio Sánchez Rodríguez, sacerdote e professor de teologia, com especialização em educação audiovisual pela Universidade Pontifícia de Salamanca e doutorado em teologia dogmática pela Universidade Salesiana de Roma. O artigo foi publicado no sítio Religión Digital, 23-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Terrence Malick (Terra de Ninguém, 1973; Dias do Paraíso, 1978; Além da Linha Vermelha, 1998; O Novo Mundo, 2005) realizou uma obra-prima que revela o artista capaz de se expressar através do cinema, o pensador que se assenta na tradição filosófica, teológica e musical, e o crente que quer moldar sua experiência de Deus. Tal intenção nos leva a uma obra complexa que pode ser contemplada a partir de uma certa simplicidade, mas que não funcionará como filme comercial. Nesse caso, a crítica quer ser um convite responsável para ver um filme que provoca uma experiência estética, convida a se adentrar na experiência da graça e deixa um pouso reflexivo que exige tanto a revisitação – aqui a repetição será obrigatória –, quanto a contemplação e o diálogo.
O filme, no primeiro nível narrativo, conta a história de uma família no Texas nos anos 1950, o pai autoritário – o genial Brad Pitt – e a mãe bondosa – toda uma descoberta de Jessica Chastain. Eles têm três filhos homens, dos quais acompanhamos de forma especial a Jack – que será interpretado por Hunter McCracken como filho adolescente e por Sean Penn como adulto –, o filho do meio e especialmente significativo R.L. (Laramie Eppler) e Steve (Tye Sheridan), que será o pequeno. Essa história doméstica nos é apresentada em três planos, um agora trágico, um passado complexo e um futuro de promessa. Esse nível é a desculpa para nos apresentar uma biografia pessoal em que a graça se apresenta como uma história de salvação: graça original, pecado, redenção e consumação.
O segundo nível narrativo se expressa com imagens – é memorável a fotografia de Emmanuel Lubezki – e música que dão à história um alcance cósmico e universal. Não se trata de uma biografia concreta, mas sim de uma apresentação da história do universo e do ser humano diante de Deus, que lhes dá a sua graça.
Aqui faz sentido o longo excursus sobre a origem do universo e da vida, assim como os visuais intercalados, que, mais do que fragmentar a narrativa, a desenrolam, e nos quais são introduzidos inúmeros símbolos acompanhados por uma trilha sonora que também atua como um poderoso emissor de mensagens.
A complexidade significativa dos mais de 30 fragmentos de música clássica e contemporânea nos levam a recorrer obras de Bach, Mozart, Brahms, Mahler, Smetana, Respighi, Couperin (pai e filho ao piano e guitarra), Holst, inclusive Preisner – o compositor de Kieslowski – para nos levar até o Agnus Dei da Grande Messe de Morts, de Berlioz.
O terceiro nível narrativo tem a forma de uma oração que é pronunciada fundamentalmente perante Deus pelos três personagens principais – mãe, pai e filho mais velho. Nessas orações harmonizadas com as imagens e a trilha sonora, oferece-se o fundo teológico que manifesta a presença e a busca de Deus, o encontro e a ausência do Mistério, a graça e a natureza, a dor e o pecado, a conversão e, por fim, o louvor.
O filme também tem seus limites, como não poderia deixar de ser diante do desafio impossível que aborda. A sobreabundância em alguns momentos se converte em retórica, a ciência se mistura sem muito aviso com a crença, a apresentação dessa família pressupõe uma tipologia pouco universal, o explícito da confissão se torna incompreensível para quem não cruzou os mares da fé cristã, e o complexo do relato pode excluir os simples.
No entanto, a genialidade não fica impedida. Assinalada pela divisão radical de opiniões entre a crítica, elevada pela excepcional forma fílmica que exibe, impudente e arriscada pela apresentação da fé que realiza. Esse filme se converterá para os cinéfilos em obra de culto e, para o cinema espiritual, uma referência. Ele não é em nada fácil, por isso esta crítica quer oferecer, em planos, algumas pistas provisórias para a sua visualização.
Como fundo último, há um chamado à conversão ao mistério da presença eloquente, escondida e também dramática, em meio ao pecado e à morte, da Graça. Por isso, ele acaba se convertendo em um louvor. Aqui há um crente, que, cheio de limites, nos mostra, comovido, a sua experiência de Deus. Um lugar onde o cinema se torna dom.
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"A Árvore da Vida": Uma obra-prima que vai perdurar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU