No início deste mês um comboio de limusines e de vans pretas parou diante do Palais du Pharo, um imponente castelo da era napoleônica com salões iluminados por lustres transformado temporariamente num bunker.
A reportagem é de
Liz Alderman publicada pelo jornal
The New York Times e reproduzida pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 25-09-2011.
Os motoristas acabavam de depositar sua preciosa carga de ministros das Finanças da França, Alemanha, Estados Unidos e dos outros países que constituem o Grupo dos 7, todos de ternos pretos. Os personagens chegavam discutir a conturbada crise da dívida europeia que parece se agravar a cada dia. Os olhares logo se voltaram para
Christine Lagarde, a nova diretora gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Não muito tempo atrás, ela fazia parte do seleto grupo, mas assim que atravessou o Atlântico para assumir o posto em Washington, se transformou numa entidade que agora consegue desconcertá-los.
Lagarde se tornou independente. Nos poucos meses desde que se tornou a primeira mulher a dirigir o Fundo,
Christine Lagarde, 55 começou a recriminá-los por não unirem esforços para salvar o euro. Em um discurso após o outro, ela os advertiu de que a austeridade que a Europa prega para a
Grécia e seus vizinhos esmagado por dívidas estava asfixiando o crescimento econômico e precisava ser abrandada.
Pior ainda,
Lagarde era em parte responsável pelo colapso da confiança dos mercados financeiros. Ela ousou afirmar o que poucos admitiriam publicamente: os bancos europeus não estão devidamente protegidos desta tempestade.
Era a voz do
Fundo Monetário Internacional falando? Se a
Grécia deixar de pagar a dívida soberana, como muitos preveem, e os bancos da Europa balançarem, como alguns temem, a reverberação será sentida em todo o mundo. A próxima peça do dominó será a Itália, também membro do Grupo dos 7.
Não se sabe ao certo se
Lagarde poderá fazer muito para conter esta crise. Suas declarações secas contribuíram para piorar as coisas, mas ela deu marcha à ré quando ultrapassou os limites. Em agosto, os preços das ações da
Société Générale, do
Deutsche Bank e de outros grandes bancos despencaram depois que ela proclamou que os bancos europeus precisavam "urgentemente" de capital.
As autoridades e bancos irritados trataram de controlar os danos.
Christian Noyer, presidente do banco central da França e amigo de
Lagarde, declarou: "Francamente, não entendo o que ela disse".
Na semana passada, o Fundo advertiu que os bancos da Europa tinham nada menos que 300 bilhões de euros em risco em títulos de governos europeus. Para alguns, o fato de que tantos líderes europeus estejam reagindo comprova que
Lagarde tocou um ponto nevrálgico.
Mas a capacidade da chefe do FMI de adivinhar problemas foi irregular quando ela foi ministra das Finanças da França. Nos dias que antecederam o colapso do
Lehman Brothers, por exemplo, ela garantiu aos franceses que o pior já tinha passado. Em julho, ela previu que o estresse financeiro mostraria que os bancos europeus eram sólidos e que os bancos franceses eram dos mais saudáveis.
Quando a
Grécia começou a tropeçar,
Lagarde foi uma das pessoas que plantaram as sementes do problema que agora está desestabilizando a Europa. Ela concordou com o establishment francês ao aceitar um projeto alemão para reagir à crise. O plano previa aumento de impostos e profundos cortes dos gastos em países que já estavam tão enfraquecidos que precisavam de ajuda dos vizinhos mais ricos e do Fundo.
Posteriormente, depois que se soube de que a Grécia havia manipulado sua contabilidade para aderir ao euro -
Lagarde advertiu que o país correria o risco de calote se não se esforçasse mais para pôr ordem em suas finanças. Ela apoiou o
Banco Central Europeu resistindo a qualquer reestruturação das dívidas da Grécia.
O plano ampliou a crise fazendo exigências impossíveis à Grécia, e espalhou o temor de que economias maiores, como Itália e Espanha, pudessem ser tragadas também.
Um dos seus atos mais surpreendentes no FMI foi uma reviravolta a respeito da austeridade. O fundo pressiona historicamente as nações pobres a reduzirem os gastos e a elevar os impostos em troca de ajuda. Mas mudou o tom para os mais ricos. Entre prolongadas recessões e o aumento do desemprego,
Lagarde está aconselhando os EUA e a Europa a estimular o crescimento e a criar empregos mediante novos gastos públicos, mesmo que estes gastos inflem temporariamente a dívida pública.
Lawrence H. Summers, ex-assessor econômico do presidente
Barack Obama, diz que
Lagarde está fazendo o cálculo certo. Ela está rompendo com a ortodoxia.
"A Europa precisa de uma visão comum para o seu futuro", diz
Lagarde. "Em outras palavras, ela precisa de mais Europa e não de menos". É o mesmo que ela sempre dizia como ministra das Finanças da França, quando seu escritório era adornado com um tapete de listras de zebra e com várias das suas caricaturas em várias publicações, inclusive uma que a representava como dominadora fustigando um banqueiro.
Lagarde tem um longo caminho pela frente. O Fundo, diz ela, poderá ajudar durante a crise "aumentando a pressão em certos momentos".
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FMI de Lagarde tem receita para os ricos "diferenciada" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU