"Temos a interpretação quântica da realidade física que ninguém sabe bem o que é, mas funciona maravilhosamente! Ora, com relação à macroeconomia é exatamente o contrário: todo mundo pensa que sabe o que é, mas não funciona", escreve
Antonio Delfim Netto, economista, em artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo, 14-09-2011.
Segundo ele, "podemos e devemos divergir (porque é assim que aumenta nosso conhecimento), mas é ridículo dizer que a política do Banco Central namora a "heterodoxia". Por quê? Pela simples e boa razão religiosa que, infelizmente, a "ortodoxia" não existe..."
Eis o artigo.
Entre outras vantagens, a recente decisão do
Copom de reduzir - de surpresa e para espanto geral - 50 pontos na taxa Selic, teve a virtude de reabrir uma vexatória questão que cerca os economistas. Há, mesmo, duas teorias, uma ortodoxa e outra heterodoxa: a primeira professada pelos "bons e oniscientes" e a outra pelos "maus e mal informados" economistas?
O problema inicial é reconhecer que só existem "heterodoxos" se o instrumento de aferição for um "modelo" que resistiu, até o presente, a todos os desafios empíricos, o que não é o caso.
Por outro lado, por exemplo, temos a interpretação quântica da realidade física que ninguém sabe bem o que é, mas funciona maravilhosamente! Ora, com relação à macroeconomia é exatamente o contrário: todo mundo pensa que sabe o que é, mas não funciona! O problema da microeconomia é menos grave: com métodos estatísticos confiáveis é possível, em certas circunstâncias, fazer experimentos "críticos".
Alguém, em sã consciência, pode afirmar que antes de 2009 existia uma macroeconomia canônica que incorporava os efeitos "não intencionais" da auto-organização das redes estimuladas pelas inovações financeiras?
Na macroeconomia, a única "ortodoxia" reside nas identidades da
Contabilidade Nacional porque elas são resultado de convenientes definições. Tentar violá-las é, sim, um ato de "heterodoxia", mas não se trata de uma "teoria", é apenas ignorância de um princípio lógico inexorável: a soma das partes não pode ser maior do que o todo!
Existe algo na famosa
Teoria Monetária, da qual se acreditam portadores alguns brilhantes economistas, que se possa aceitar como o intransponível cânone da ortodoxia? Claramente, não!
O regime de "metas inflacionárias", indiscutivelmente útil para a boa gestão do processo econômico e para a
redução dos atritos entre o capital e o trabalho na distribuição dos ganhos de produtividade, é apenas um expediente.
Controlado por três equações que exigem o conhecimento de dois parâmetros altamente ilusíveis (e, portanto, sujeitos a discussão): a taxa real de juro neutra e o produto potencial, que pode ser discutido sem que isso possa ser classificado como heresia.
Lembremo-nos, apenas, que os mesmos economistas, há pouco tempo, acreditavam na mágica das "expectativas racionais" como o "estado da arte" da ortodoxia!
Podemos e devemos divergir (porque é assim que aumenta nosso conhecimento), mas é ridículo dizer que a política do Banco Central namora a "heterodoxia". Por quê? Pela simples e boa razão religiosa que, infelizmente, a "ortodoxia" não existe...
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