06 Agosto 2011
"O catador é considerado Profeta da Ecologia porque é ele quem dá à sociedade consumista uma notícia má ao lado de uma notícia boa. Denuncia a triste situação em que se encontra o planeta e ao mesmo tempo anuncia a saída possível, através dos três erres: Reduzir a quantidade de resíduos, Reutilizar tudo o que for possível e Reciclar devolvendo matéria-prima às fábricas", escreve Antonio Cechin.
Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
A categoria mais baixa da classe trabalhadora do Brasil é, com certeza, a dos catadores. Embora a mais humilde e última na escala social, é uma das mais numerosas e mais importantes do Brasil. O presidente Lula, no Natal do Catador, em dezembro passado, na cidade de São Paulo, disse que são mais de um milhão os brasileiros que trabalham na triagem dos resíduos sólidos. Os organizados em coletivos de trabalho, nos chamados Galpões de Reciclagem e como tais, com ganhos melhores, são infelizmente poucos.
Nos dias de hoje, em nosso planeta Terra, a espécie humana corre o risco de extinção. A causa principal é a avassaladora poluição, provocada pelo excesso de lixo, produzido pela sociedade consumista. O planeta, nossa casa comum, não agüenta mais tanta sujeira amontoada nos lixões, isso quando não é lançada diretamente in natura, nos mananciais hídricos, conspurcando a própria fonte de vida que a água significa, para todo e qualquer vivente. Dentro dessa realidade catastrófica, eis que nosso herói, o catador, inventa uma profissão a custo zero: a de sanitarista de um universo doente. Tarefa imensamente desproporcional à sua pequenez. Voluntarioso, da noite para o dia, transmuta-se a si mesmo em médico do Planeta, anjo da guarda de arroios, rios, lagos e do próprio mar. Não foi sem razão, portanto, que foi nos Catadores da primeira unidade – a das Ilhas do Guaíba – que teve origem a Romaria das Águas do Rio Grande do Sul.
Dia 12 de outubro próximo teremos o ponto culminante da 18ª Romaria que, a cada novo ano, vai se caracterizando como a Festa dos Catadores, como aliás rezam, cantando o refrão: "Romaria das Águas / Faz o povo se reunir / Pra mostrar sua alegria / E rezar com a Mãe Maria!"
Começa também em 2011, nosso herói catador, depois da promulgação da Lei dos Resíduos Sólidos pelo presidente Lula, a se transfigurar também em soldado da luta contra a incineração, pronto a terçar armas contra um dos maiores lobbys do Brasil que se estão lançando na mudança em cinzas, de materiais gerados pela mãe-terra. Esses necrófilos incendiários, pseudo-criadores de energia elétrica, teimam em chamar de lixo àquilo que lançam na fogueira. Na realidade são, isso sim, devoradores de milhares de postos de trabalho digno para recicladores. O biófilo catador, designa o que os foguistas queimam, com o carinhoso nome de matéria-prima acumulada que, simplesmente, se encontra fora de lugar.
Outro título não menos glorioso que podemos dar ao nosso reciclador é o de realimentador de toda a cadeia produtiva. Ao separar uma tonelada de latinhas de alumínio para devolução à indústria, preserva dentro do solo, doze toneladas de bauxita, matéria-bruta que fica enterrada à disposição das gerações futuras. Ao realizar a triagem de uma tonelada de papel ou papelão, impede que 25 árvores sejam derrubadas na floresta, ficando também estas em herança aos netos e bisnetos da geração humana atual.
Não lhe calhassem apenas esses diversos títulos sobremaneira honrosos e dignos dos maiores encômios, na linguagem da teologia da Libertação, nosso catador é considerado Profeta da Ecologia porque é ele quem dá à sociedade consumista uma notícia má ao lado de uma notícia boa. Denuncia a triste situação em que se encontra o planeta e ao mesmo tempo anuncia a saída possível, através dos três erres: Reduzir a quantidade de resíduos, Reutilizar tudo o que for possível e Reciclar devolvendo matéria-prima às fábricas. A grande Boa Nova que dá esse nosso personagem é que ele é o o precursor, ao pé da letra, o que corre na frente para anunciar a nova era em que a humanidade está entrando: a era da ecologia e a era de economia eminentemente solidária, porque ele tende a, no Brasil, re-inaugurar o mutirão dos índios guaranis dos Sete Povos das Missões.
Dizem os economistas que, para ser criado um único emprego no campo, é necessário que seja precedido de um investimento de 100 mil reais. Para um emprego no meio urbano, deve anteceder um investimento de 80 mil reais.
Ora ajudando papeleiros a se organizarem em coletivos, criamos centenas e centenas de empregos com investimento zero, porque o trabalho com resíduos brota espontaneamente das mãos voluntárias e repletas de grande criatividade por parte do próprio catador, pois encontra matéria prima super-abundante por toda a parte. Na roça praticamente não existe lixo. Trata-se de um produto tipicamente urbano como conseqüência do consumismo desenfreado com o excesso de embalagens.
Para combater a pobreza persistente em nosso país, uma das saídas que consideramos mais correta é, como governo e como sociedade optar pela ida ao encontro desses milhares de pobres que, acossados pela fome, antes mesmo de pedir qualquer auxílio, arregaçam as mangas e se põem a trabalhar com os rejeitos do consumismo..
Sem mesmo ainda pensar em método Paulo Freire de educação libertadora, criado especialmente para pobres e oprimidos, nos basta de início embarcar no trabalho com catadores, motivados apenas pela frase de Saint Exupéry em seu livro "Terra dos Homens": "Mete-os juntos a construir uma torre e tê-los-ás transformado em irmãos." E se em vez de uma torre, for trabalho de despoluição do universo, poderá haver motivação mais nobre e digna do que juntos despoluir o universo?
Trabalhando em mutirão, solidários na partilha em que cada um ganha de acordo com as horas trabalhadas, iniciam eles de maneira natural e sem artificialismos, sua ascensão social imediata pois constroem Comunidade, que é fator de ascensão certa, até porque o projeto do Mestre de Nazaré é a organização de Comunidades para mutua ajuda. Os humanos, particularmente os mais fracos, só se tornam fortes quando unidos. Não é por mero acaso que o povo anda gritando Brasil a fora "Povo unido, jamais será vencido!"
A Caminhada para a integração social será menos sofrida e mais rápida se lhes proporcionar-mos condições melhores de trabalho, tais como cozinha comunitária, formação, estudo, creche e escola para seus filhos. Tudo facilitado quando já estão trabalhando juntos.
Por todos os títulos acima e facilidade de trabalho, vem surgindo com grande força, particularmente em nosso estado do Rio Grande do Sul, como réplica urbana ao Movimento dos Sem Terra (MST), o Movimento dos Catadores.
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Os catadores pedem passagem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU