28 Julho 2011
O antropólogo francês Marc Augé lançou seu novo livro: Straniero a me stesso [Estrangeiro a mim mesmo]. "O universo das novas tecnologias corre o risco de se assemelhar muito às ilusões que as populações primitivas se faziam", afirma. "A força da rede foi importante, mas, nas praças árabes, foram as pessoas reais que saíram, e não os seus dublês virtuais".
A reportagem é do jornal La Repubblica, 27-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora não pretenda ser uma autobiografia, é o seu livro mais pessoal. Aquele em que, pela primeira vez, Marc Augé fala diretamente sobre si mesmo, percorrendo novamente a sua longa aventura de antropólogo que passou das populações primitivas da África aos não-lugares das metrópoles ocidentais.
Ao mesmo tempo uma tentativa de autoanálise e de rigoroso balanço crítico, Straniero a me stesso (Ed. Bollati Boringhieri, 176 páginas) é um livro apaixonante, em que o estudioso francês recorda mais de meio século de experiências, estudos e pesquisas de campo, na tentativa de redefinir a função da antropologia, que, além do estudo das populações não europeias, deveria ser capaz de abordar a fugidia complexidade do mundo ocidental.
"O etnólogo viaja longe e visita populações diferentes das ocidentais para estudar sua cultura e as relações sociais, educando, assim, seu próprio olhar para a distância crítica", explica o autor de Un etnologo nel metrò e Il senso degli altri. "Eu fiz isso por muitos anos no início da minha carreira. Na África, aprendi a analisar a realidade simbólica das relações sociais, a maneira em que elas são concebidas, interpretadas e implementadas em um dado contexto. Em seguida, porém, me pareceu natural utilizar essa capacidade de análise também no mundo ocidental, na tentativa de desmontar suas crenças e ilusões".
Eis a entrevista.
A antropologia como forma de desmascarar os falsos mitos?
Na antropologia, sempre há uma dimensão crítica, já que ela nos ensina que tudo é cultura. Mesmo aquilo que nos parece ser natural, na realidade, é sempre uma construção cultural; portanto, variável de acordo com os contextos, as épocas e as tradições. Esse modo de pensar é evidentemente subversivo à ordem estabelecida, seja ela qual for, pois nega a existência das verdades absolutas. A força crítica da antropologia relativiza, por exemplo, a legitimidade de todas as formas de poder. E hoje, mais do que nunca, precisamos dessa obra de desmistificação.
No livro, o senhor compara o antropólogo a Fabrizio Del Dongo, o célebre personagem de Stendhal, que, durante a batalha de Waterloo, não consegue ver nada que está acontecendo. Isso significa que o conhecimento é impossível?
Utilizo o personagem stendhaliano para sublinhar a dificuldade da compreensão crítica do mundo. Fabrizio Del Dongo representa a posição do antropólogo diante das transformações produzidas pela mundialização: ele sabe que algo muito importante está acontecendo, mesmo que não consiga captar todas as suas implicações. Como todos, o antropólogo sempre se encontra em um lugar particular da grande batalha planetária. Consequentemente, jamais consegue ter uma visão do conjunto. Isso para dizer como é difícil o conhecimento do mundo contemporâneo e como é preciso ser humilde diante de uma realidade global em contínuo movimento que desconectou o espaço do tempo, alterando a nossa percepção das coisas.
Nesse mundo globalizado, o senhor estudou em particular os não-lugares...
O termo designa os espaços de circulação, de consumo e de comunicação, isto é, aqueles lugares onde todos nós nos encontramos quase cotidianamente: aeroportos, supermercados, estações de serviço etc. Se os lugares são espaços onde é possível decifrar relações sociais e formas de pertença, os não-lugares, ao contrário, são desprovidos de história e de relações com quem os frequenta só de passagem. São lugares sem alma e sem identidade, espaços neutros e indistintos que repetem as suas características formais e arquitetônicas nos quatro cantos do planeta, independentemente do contexto. Justamente por isso, tornaram-se o símbolo de uma sociedade em que o indivíduo vaga na solidão dentro de espaços que não lhe pertencem mais, o que explica a pesquisa de ilusões capazes de compensar essa falta de lugares e de laços.
Um exemplo?
A televisão, em cujas telas muitas pessoas pensam encontrar uma forma de relação com o mundo, trocando a imagem pela realidade. Desse ponto de vista, a televisão é um não-lugar quase perfeito, porque – salvo poucas exceções – ela propõe a imitação dos lugares, substituindo a imagem de uma relação por uma relação concreta. Além disso, a liberdade do consumidor televisivo é só ilusória, porque a variedade da oferta é só aparente: todas as redes nos propõem os mesmos programas, as mesmas notícias, a mesma visão do mundo. Não é por acaso que os programadores televisivos, para tentar se renovar e criar alguma relação mais concreta com os telespectadores, tentaram introduzir uma certa dose de interatividade real.
A Internet oferece possibilidades de relação mais concretas?
Com efeito, as novas tecnologias podem modificar verdadeiramente as relações entre as pessoas. Pense-se nas relações virtuais, nas redes sociais e nas muitas possibilidades de comunicação oferecidas pela rede. Mas precisamos estar atentos para não criar novas mitologias, como se fez recentemente com as revoluções nos países árabes, cujo sucesso foi atribuído por muitos à força da rede. A meu ver, uma tal afirmação deve ser muito relativizada, porque, embora a Internet e o Facebook certamente tenham dado uma contribuição importante para a mobilização, no final, porém, foram as pessoas reais que saíram às praças e às ruas, e não os seus dublês virtuais.
O universo das novas tecnologias também precisaria de uma antropologia crítica?
Certamente. Assim como as populações primitivas geraram muitas ilusões a si mesmas sobre o que as fazia funcionar, inventando-se divindades para justificar as características da realidade em que vivem, é provável que o universo das realidades virtuais também responda a ilusões mais ou menos semelhantes, inventando-se explicações e justificações que, na realidade, não existem. Em suma, a Internet também deve ser desmistificada. Por exemplo, a sua capacidade de reorganizar as relações entre o indivíduo e o mundo ainda deve ser totalmente verificada. A esse propósito, o único dado certo é que a mundialização, da qual as novas tecnologias participam, coloca novamente em discussão a tradicional distinção entre o local e o global, modificando, por exemplo, a relação entre cidade e mundo.
Com quais consequências?
Hoje, nos encontramos diante da oposição conflitante entre "mundo-cidade" e "cidade-mundo". O primeiro é a realidade globalização dos negócios, das mídias e do turismo. Um mundo como uma única cidade, unificada pelos meios de transporte e pelas redes de comunicação que propõem uma imagem idealizada do planeta, onde tudo circula e tudo é alcançável, onde em todos os lugares se encontram os mesmos valores estéticos, arquitetônicos e tecnológicos. De outro lado, existe a cidade-mundo, a megalópole concreta que acolhe todas as diversidades do planeta e as suas contradições, um espaço circunscrito dominado pela exclusão social e atravessado pelas fronteiras internas que designam uma realidade urbana muito mais rígida, imóvel, diferenciada da imagem ideal proposta pelo mundo-cidade. Porém, exatamente tal imagem ideal continua fascinando a cidade-mundo e todos os que nela vivem. Mais uma vez, no entanto, estamos no âmbito da ideologia, da ilusão e do sonho, matéria, portanto, para a análise crítica da antropologia.
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"Assim a Internet tornou-se a nossa divindade". Entrevista com Marc Augé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU