A aprovação do novo
Código Florestal pelo Congresso pode enterrar a moratória da soja. Fontes da indústria afirmaram ao Valor, sob a condição de anonimato, que o acordo assinado entre produtores, tradings e organizações ambientalistas, com o objetivo de desmatamento zero na Amazônia, não fará sentido caso entre em vigor regras mais permissivas ao desmatamento. A premissa do setor é a seguinte: a moratória da soja não pode ser mais restritiva que a própria legislação brasileira.
A reportagem é de
Bettina Barros e publicada pelo jornal
Valor, 30-06-2011.
Assinado em meados de 2006, o acordo vinha até então se sobrepondo à lei - o
Código Florestal em vigor, que estipula que uma propriedade rural localizada no bioma Amazônia pode desmatar apenas 20% de sua área total e proíbe agricultura e pecuária em
Áreas de Preservação Permanente (APP), como beiras de rio e topos de morros. A moratória foi mais longe: o desmatamento deveria ser zero.
O consentimento à época de produtores, indústria e tradings à regra pode ser explicado por dois fatores. Em 2006, os preços da soja estavam em níveis baixos (US$ 5,50 por bushel, ante os atuais US$ 13,60). Além disso - ou sobretudo por isso -, havia a pressão de varejistas europeus sobre a origem das matérias-primas provenientes do Brasil. Ninguém queria ser acusado de contribuir para a derrubada da maior floresta tropical do planeta.
No entendimento inicial das partes, a tolerância zero ao desmatamento era necessária já que a maioria das fazendas não são georreferenciadas. Isso impede que se saiba com precisão onde estão as propriedades rurais na confusa colcha de retalhos do campo, nem a extensão de suas florestas.
Mas o cenário mudou. Com os preços novamente atraentes e o mundo ávido por soja - sobretudo a China, que não costuma se incomodar com o ambiente alheio -, a cadeia da soja quer ter o direito de plantar onde o governo diz que pode. Uma "segunda fase" da moratória, com mais flexibilidade, já vinha sendo defendida pela indústria desde 2008, quando o mercado da soja começou a se aquecer. Em abril daquele ano,
Carlos Lovatelli, presidente da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), signatária da moratória, anunciou: "se alguém desmatar dentro da lei, vamos comprar. E já nesta safra".
A afirmação ganha força com a iminência de um novo
Código Florestal. Aprovado pela Câmara, prevê a anistia para desmatamentos ilegais até julho de 2008 e permite plantios em encostas e criação de gado em topos de morro. Defende, ainda, a redução de 80% para 50% da área de Reserva Legal na Amazônia em casos de regularização.
Se aprovado assim pelo Senado, o código representará uma elevação de vegetação nativa não protegida em Mato Grosso (áreas que ainda podem ser desmatadas) de 7 milhões para 11 milhões de hectares, segundo
Gerd Sparovek, especialista em conservação do solo e planejamento do uso da terra da Esalq/USP. O Estado responde por 90% da soja produzida na Amazônia.
Procurada, a
Abiove se limitou a afirmar que está "avaliando as evoluções" do Código Florestal, sem confirmar ou negar a informação.
"A indústria tem pregado sistematicamente nas reuniões do grupo o desmatamento ilegal zero - ou seja, a derrubada da mata dentro dos limites da lei", admitiu
Rafael Cruz, coordenador de soja da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. "Mas se eles fizerem isso, não terão que discutir isso com o
Greenpeace. A pressão é dos clientes", alertou ele.
O avanço sobre a floresta já está ocorrendo. O desmatamento para plantação de soja na Amazônia cresceu 85% em 2011 frente a 2010, segundo dados do monitoramento anual da indústria, ao qual a "Folha de S. Paulo" teve acesso.
Abiove e
Greenpeace afirmaram que os dados ainda não foram concluídos.
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Código Florestal enterrará moratória da soja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU