20 Mai 2011
Aos 36 anos, Danilo Braga cursa mestrado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Kaingang, ele nasceu na aldeia localizada na cidade de Charrua, no Planalto Médio, região norte do Rio Grande do Sul. Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ele conta à IHU On-Line sobre suas experiências como indígena e analisa o contexto cultural do seu povo no estado. "Os livros didáticos apresentados nas escolas gaúchas trazem figuras do norte e da Amazônia, mostram imagens dos xavantes, dos caiapós, para apresentar os índios. Há muito por ser trabalhado ainda nesse sentido. Nós estamos apenas começando, tanto que eu sou o primeiro a entrar no mestrado do departamento de História. Espero que, com outros companheiros, possamos trabalhar para divulgar a nossa imagem dentro do Rio Grande do Sul e mostrar que nós estamos presentes no estado sim, que nós somos cidadãos e que temos direitos específicos", contou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você vive na aldeia?
Danilo Braga – Vivo na aldeia Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Minha origem é da Terra Indígena do município de Charrua, na região de Tapejara e Getúlio Vargas. Desde agosto de 2009 vivo em Porto Alegre, por razão do mestrado.
IHU On-Line – Quando você decidiu fazer faculdade?
Danilo Braga – Eu fiz faculdade em Ijuí. Decidi fazer faculdade por acaso. Na verdade, eu não teria condições de fazer uma faculdade, mas no início da década de 1990 a Funai tinha propostas de convênios com várias universidades do Brasil, e no Rio Grande do Sul ela fechou convênio com a Unijuí. Então, em 1991 um grupo de indígenas começou a frequentar a faculdade. Fiz parte da segunda turma que entrou em 1995. Nós éramos um grupo de quinze alunos, em vários cursos. Comecei no curso de Educação Física, só que eu gostava muito de estudar a história indígena no Rio Grande do Sul. Assim, acabei transferindo meu curso para História. Hoje, sou mestrando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A Funai, quando eu cheguei em Ijuí, já tinha cortado vários benefícios que ajudavam os estudantes indígenas, e ela estava só mantendo 50% da mensalidade. Houve uma negociação com a Unijuí para ela assumir os outros 50% como projeto para as populações indígenas. Na época, nós fizemos uma Associação dos Estudantes e acabamos conseguindo um projeto com a Alemanha para bolsa de estudos. Essa bolsa ainda existe. São 15 no total.
IHU On-Line – Qual a importância de ter saído da aldeia para ir à universidade?
Danilo Braga – Estudar é buscar melhorar as condições de vida. A situação atual dos povos indígenas é complicada dentro das aldeias por falta de política pública para desenvolver as comunidades. Então, a situação financeira da aldeia é bem complicada. E para responder a este lado financeiro, estou buscando a minha formação, mas no sentido de trabalhar para o povo. Eu vim da faculdade em 1998, na minha aldeia em 2001 eu disputei um processo eleitoral interno e fui eleito cacique. Fiquei quatro anos de cacique, depois um ano como chefe de posto. Só depois vim em busca do mestrado no sentido de trabalhar com a história indígena, que é pouco divulgada. Minha busca pelo mestrado é para aperfeiçoar o trabalho neste sentido. É para divulgar a história deste povo.
IHU On-Line – Como você analisa o contexto atual da cultura dos povos indígenas no RS?
Danilo Braga – O pessoal está buscando retomar o debate, a prática cultural. Eu vejo no contexto de lutas pelos direitos dos povos indígenas que precisamos ter a identidade mais forte. E nessa questão dos direitos entra a retomada de terras. Para isso, nosso povo precisa mostrar que realmente é índio. As pessoas começaram a procurar os cantos, as danças e, agora, a escola está trabalhando de forma mais intensa com a questão da língua.
As escolas indígenas trabalhavam, até 2001, só até a quarta série. Depois tínhamos que estudar fora, entrando na educação escolar não indígena. Hoje, nós temos escolas que vão até a oitava série e escolas até reivindicando a ampliação para o ensino médio. A disciplina intitulada Kaingang vem sendo trabalhada de forma mais forte. Estudamos a questão da cultura, da história, do povo. Por isso, o contexto atual busca fortalecer mais a cultura que, nas décadas passadas, era dita como em processo de desaparecimento.
IHU On-Line – Como os saberes indígenas e do homem branco podem se complementar? Isso é possível?
Danilo Braga – É possível, a partir do momento em que houver um respeito entre as duas culturas. Até hoje não houve isso. E é por isso que aconteceu a tentativa de uma cultura dominar a outra, o que produziu um choque cultural. Houve uma tentativa de tornar o índio branco. Nas últimas décadas, houve o crescimento da população indígena, e isso mostra que a cultura ocidental não nos dominou. Por isso, temos que trabalhar no sentido de se respeitar e de oferecer oportunidades para que as pessoas, tanto de uma cultura quanto de outra, tenham condições dignas de vida.
IHU On-Line – Como você analisa o conflito de premissas na relação do homem e dos indígenas com a natureza?
Danilo Braga – Para o kaingang a natureza é fundamental, porque, na origem do nosso povo, a natureza engloba os seres vegetais e seres humanos. À medida que tivermos essas duas metades, nós conseguimos controlar a natureza, conseguiremos ver o que é para benefício do homem e o que não é.
Desde os primeiros registros sobre o povo kaingang, aponta-se a importância da natureza para nosso povo. A cosmologia sempre esteve presente e é ela que explica a existência do kaingang. O índio tende a preservar melhor a natureza porque é daí que ele tira tudo, tanto sua alimentação quanto seus medicamentos para qualquer tipo de doença...
IHU On-Line – Como seus companheiros indígenas compreendem a sua entrada no meio acadêmico?
Danilo Braga – Nós temos um número bastante grande de estudantes indígenas. Hoje, na Unijuí nós temos em torno de 45 indígenas estudando nos mais diversos cursos. Na Universidade de Passo Fundo são uns dez indígenas; na Universidade Federal de Rio Grande têm uns cinco; e na UFRGS há mais de 30. Nesta última nós iniciamos uma pós-graduação com 25 alunos e alguns professores indígenas que já tem a formação superior.
Nós podemos ajudar as comunidades indígenas na luta por seus direitos e fazer com que esses direitos se concretizem, como direito à educação, à saúde, à habitação, à produção de subsistência. Eu trabalho desde 2001 nesse sentido. Vejo a formação para além do âmbito pessoal, de busca de melhoria profissional. Vejo-a mais como uma ferramenta de luta pela defesa do povo indígena.
IHU On-Line – Qual a reação do próprio meio acadêmico ao recebê-lo?
Danilo Braga – Aqui na UFRGS não tive muitos episódios ruins. Quanto à minha experiência em estudos lá na época de primeiro grau, houve sim muitas ações discriminatórias. Já no segundo e no terceiro graus eu não senti isso. No Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas fui muito bem recebido pela coordenação, pelo chefe de departamento de História, que é o meu orientador.
IHU On-Line – Você, como historiador, como lida com esse passivo histórico de colonização e subjulgação que existe entre o homem branco e os povos originários?
Danilo Braga – A colonização faz parte do processo do Estado brasileiro. Alguns professores mais velhos comentam que governos antigos projetavam que até a entrada do século XXI os indígenas já não mais existiriam no país. A colonização busca tornar o índio invisível e no sul do Brasil essa é uma visão muito forte ainda. Quando vamos a outros estados participar de algum evento, as pessoas dizem que aqui no Sul não tem mais índio.
IHU On-Line – Como você compreende a forma como o branco trata a figura do índio, que muitas vezes é apresentado como um selvagem e um inocente?
Danilo Braga – Essa ideia, esse pensamento, vem desde o século XIX com os primeiros historiadores. Houve um visconde que escreveu a primeira história geral do Brasil. Ele colocava que o índio tenderia a desaparecer e apresentava o índio de uma forma romântica. Eu vejo que hoje, a partir da Constituição de 1988, somos vistos mais como cidadão. Mas os livros infelizmente não trazem isso. Os livros didáticos apresentados nas escolas gaúchas trazem figuras do norte e da Amazônia, mostram imagens dos xavantes, dos caiapós, para apresentar os índios. Há muito por ser trabalhado ainda nesse sentido. Nós estamos apenas começando, tanto que eu sou o primeiro a entrar no mestrado do departamento de História. Espero que, com outros companheiros, possamos trabalhar para divulgar a nossa imagem dentro do Rio Grande do Sul e mostrar que nós estamos presentes no estado, sim; que nós somos cidadãos e que temos direitos específicos.
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Um mestre na história indígena. Entrevista especial com Danilo Braga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU