04 Mai 2011
"O cadáver de Bin Laden ajuda na luta política contra a outra direita localizada nos Republicanos em geral e no Tea Party em particular. A pressão do partido quase único empurra Obama para a centro-direita do universo político estadunidense, o que também lhe "obriga" a assumir posturas imperiais, só que de forma mais executiva e menos espalhafatosa do que com Bush Jr.", escreve Bruno Lima Rocha, cientista político.
Bruno Lima Rocha, é doutor e mestre em ciência política pela UFRGS e graduado em jornalismo pela UFRJ; é docente de comunicação social e pesquisador do Grupo Cepos, na Unisinos.
Eis o artigo.
Há momentos na história da humanidade em que o ato de analisar na forma de texto um acontecimento pode ser enfadonho por repetitivo. Passaram-se poucos dias do assassinato de Osama Bin Laden na cidade de Abbotabad, local esse, como é já sabido, localizado a cerca de 50 quilômetros da capital Islamabad e sede de uma prestigiada Academia Militar Paquistanesa. O que nos resta agora, neste segundo texto de análise (o primeiro a ser postado, mas o segundo a ser escrito), é fazer ilações mais que delicadas, buscando entender a complexidade desse mundo quase unipolar e para nada multipolarizado. O desafio é fazê-lo sem deixar de nos posicionarmos, pois toda análise dever produzida com a mesma frieza operacional de quem executa sua predição. Para tanto, modestamente elencamos três fatores – dos vários que aqui poderiam estar presentes – reconhecendo-os como complementares do argumento principal exposto em outro artigo. Vejamos.
A mídia do Ocidente é uma indústria cúmplice de seu complexo industrial-militar
Houve e segue existindo mais do mesmo. Falo dos ocorridos após o 11 de setembro de 2001 novamente. E não apenas da Fox News e sua cobertura esdrúxula e absurda. Podemos generalizar a cumplicidade de sempre da mídia hegemônica de fala inglesa. O assassinato de Osama Bin Laden, membro da família real saudita e ex-aliado dos EUA foi o evento de maior repercussão do ano. Após o anúncio, quase tudo já foi dito também do ponto de vista da crítica da mídia e do viés informativo como em análises e predições futuras a respeito do comportamento desses agentes econômicos de produção e circulação acelerada de bens simbólicos.
A construção da narrativa passa por descrever e identificar o personagem em questão como alvo da operação. É aí que mora a omissão da verdade. Embora seja um factual histórico irrefutável, os maiores conglomerados midiáticos de língua inglesa, durante as posteriores 48 horas do anúncio da eliminação de Osama, pouca ou nenhuma referência fizeram a rede dos afeganis. Este era o termo empregado pelos integristas que se voluntariavam como mudjahiddins da "causa justa" contra a ocupação do Afeganistão pela União Soviética. A controvérsia se dava, porque, segundo o discurso mais "patriótico" vindo do Império, fazer esta relação histórica entre criatura e criador, seria considerado um "desrespeito" com a memória das vítimas do 11 de setembro de 2001. Ao omitir a origem da criatura, a indústria da mídia do Ocidente porta-se como cúmplice dos crimes de lesa-humanidade de seus criadores. No caso, refiro-me as atividades sempre inconfessáveis dos serviços de inteligência dos EUA, do Egito de Sadat e Mubarak e dos israelenses ao apoiar o esforço da então justa resistência afegã contra a ocupação da extinta URSS.
O aliado estratégico em quem o Império não pode confiar.
Embora seja um absurdo pela ótica do direito internacional, em termos bélicos a presunção imperial tem sua razão de ser. Do ponto de vista operacional o Comando Conjunto das Forças Especiais dos EUA não poderia ter avisado as autoridades em Islamabad. Se o aparelho de inteligência do Paquistão está seriamente comprometido com as redes integristas, é possível então traçar um paralelo com as elites dirigentes de outro aliado histórico dos EUA, a Arábia Saudita. Considerando que a infiltração dentro de uma estrutura compartimentada não é tarefa simples e tampouco de prazo curto, pois então se trata de um problema – do ponto de vista da inteligência estadunidense – com longa duração.
A relação entre identidade islâmica, radicalidade no sentido da crença e engajamento armado, no Paquistão, é cercada pelos dois lados do território do país. Na Caxemira, como elemento de ligação e com controladores militares paquistaneses, operando com redes de militantes dentro de um terreno sob controle indiano e com fronteiras fictícias. E no próprio Afeganistão, com as redes advindas tanto das relações tribais – das fronteiras também como ficção jurídica em zonas de identidade tribal acima de qualquer noção de Estado – como no esforço de guerra oriundo da Guerra Fria. Ambas as formas de "contaminação" da segurança e inteligência paquistanesa vêm sendo retroalimentas pelas "relações carnais" dos dirigentes do Paquistão oriundos das elites militares e os "gênios" de Langley, Washington DC e companhia. Na regra do vale tudo das políticas de resultados dos espiocratas, dorme-se com o inimigo, alimenta-se o adversário e desconfia-se do "amigo". Ou seja, não é nenhuma surpresa tanto a desconfiança dos EUA para com o Paquistão como a penetração dos inimigos (ex-aliados) em postos-chave de regimes aparentemente pró-Estados Unidos.
Contraponto e disputa pela hegemonia do protesto e rebelião no Mundo Árabe e Islâmico
Como tópico de encerramento desta análise breve, reconheço a necessidade de ater-me ao óbvio. É noção já mais que batida, mas a ameaça da hegemonia das várias seitas dos integrismos se localiza na convocatória das massas de jovens – visando algum tipo de democracia e participação política – sendo estes a ocupar as ruas pessoas com bom nível educacional e ampla e perene ameaça de desemprego. As razões para esta mobilização são várias, mas podemos elencar que o acesso a certa educação formal em diálogo com os parâmetros ocidentais somado ao uso regular e freqüente da internet – inclusive para convocar pessoas e intercambiar elementos simbólicos de protesto – como um dos fatores primordiais para o caldo de cultura gerador dos movimentos com certo grau de espontaneísmo e que receberam o termo de Primavera do Mundo Árabe.
Tenho a certeza de que tais movimentos, com o teor encontrado na disputa pela hegemonia das ruas de Tunísia, Egito, Líbia (já em guerra civil), Bahrein, Síria e outros Estados – como a própria Jordânia e até mesmo no Iraque – preocupa mais as cabeças pensantes e os estrategistas políticos do integrismo do que a ameaça militar do Império. A Al-Qaeda e os demais partidos de tipo fundamentalista, legais ou não, jihadistas ou não, podem ver-se contra a parede, ao menos nos países do Mundo Árabe.
Já em territórios de Estado falido ou ao menos não mais constituído, como a Somália, milícias como a Al-Shabab, vinculadas formalmente a proposta da Al-Qaeda, o martírio de Bin Laden opera como fator motivacional embora, como estrutura, a rede perde com certeza em carisma e qualidade de liderança. Se o projeto societário a ser oferecido pelos wahabitas, integristas sunis e salafistas é a governança exercida na Somália, ou o modus vivendi do Afeganistão após a vitória militar do Talibã em 1995, então certamente essa juventude árabe que redescobre a força do pan-arabismo revigorado não vai se encantar por mais repressão de usos e costumes, além do desrespeito aos direitos humanos, mesmo que sem corrupção política.
Linha conclusiva - unilateralismo imperial e corrida eleitoral antecipada
Retomando ao tema das obviedades, é compreensível o entusiasmo da administração Clinton-Obama ao cumprir promessa de campanha e abrir a possibilidade tanto da reeleição de Barack como da batalha acirrada nas prévias dos Democratas com a senhora Hillary ficando dia a dia cada vez mais fortalecida. O cadáver de Bin Laden ajuda na luta política contra a outra direita localizada nos Republicanos em geral e no Tea Party em particular. A pressão do partido quase único empurra Obama para a centro-direita do universo político estadunidense, o que também lhe "obriga" a assumir posturas imperiais, só que de forma mais executiva e menos espalhafatosa do que com Bush Jr.
Ao raciocinar sobre o óbvio também se compreende que as relações tensas entre os governos dos EUA e do Paquistão virão a ser ainda mais delicadas. Ao eleger como teatro de operações da guerra iniciada em 2001 os territórios contíguos, a inteligência e os militares estadunidenses também atiram uma boa parte da população ainda mais nos braços dos seus inimigos diretos, em escala global e travando batalhas com rostos ocultos e sem limites.
Bruno Lima Rocha (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) é cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista graduado na UFRJ e pesquisador do Grupo Cepos – PPGCC (www.grupocepos.net); é docente de comunicação social da Unisinos e editor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br)
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Refletindo a respeito da execução de Bin Laden - Instituto Humanitas Unisinos - IHU