12 Abril 2011
“Talvez a qualidade dominante seja a personalidade. O candidato refletiu muito, tem uma opinião precisa e como um todo a emite com firmeza”. O “candidato” em questão se chamava Laurent Gbagbo. Era 22 de junho de 1979 na Universidade Paris 8-Jussieu, e uma banca examinadora de três historiadores saudou dessa forma a tese de doutorado apresentada por esse estudante já com 34 anos, intitulada “As causas socioeconômicas da política marfinense (1940-1960)”.
A reportagem é de Philippe Bernard, publicada pelo Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 13-04-2011.
Catherine Coquery-Vidrovitch, André Nouschi e Jean-Pierre Raison não sabiam que estavam atribuindo a menção “muito bom” ao futuro mau perdedor das eleições presidenciais marfinenses de 2010. Eles se contentaram em lamentar “um tom um tanto polêmico” que “por vezes prejudicou a qualidade do conjunto”. E observaram que a defesa foi seguida por “uma discussão interessante e animada, onde o candidato demonstrou grandes qualidades de exposição e de ‘orador’”. Foi um “acontecimento militante”, lembraria em 2003 o presidente marfinense.
Em 1979, o doutorando Gbagbo há muito já não era um estudante como os outros. Professor de História no liceu clássico de Abidjan desde 1970, impregnado de marxismo e opositor ao partido único do presidente Houphouët-Boigny, ele foi detido várias vezes por “ensino subversivo”.
“Burguesia rural”
Depois de sua tese ele voltou a Abidjan e fundou de forma clandestina a futura Frente Popular Marfinense (FPI), mas teve de se exilar novamente em Paris em 1982, acusado de coordenar um “complô de professores”. Foi em Paris que ele se hospedou, durante cinco anos, no apartamento de dois cômodos em Ivry-sur-Seine (departamento de Val-de-Marne) de Guy Labertit, professor de espanhol, futuro “Sr. África” do Partido Socialista e desde então defensor indefectível do camarada Laurent.
Sua pesquisa universitária de 1979, consultada pelo “Le Monde”, mencionava a base ideológica da FPI anterior à derrapagem xenófoba que a dominou duas décadas mais tarde. Os últimos brilhos de uma Costa do Marfim colonial são analisados ali por meio de uma retórica marxista que, através da evolução das estruturas agrícolas e comerciais, visa denunciar em Houphouët-Boigny o perpetuador da submissão ao imperialismo francês.
O primeiro presidente marfinense, que foi ministro da Quarta República Francesa, é apresentado por Gbagbo como “o representante de uma burguesia rural [marfinense] que não tem interesse em romper com a ordem colonial, pois precisa disso para escoar seus produtos agrícolas que não têm mercado interno”.
O Partido Democrático da Costa do Marfim (PDCI) de Houphouët, “ao pactuar com o ocupante [francês] e ao adotar as palavras de ordem colaboracionistas, permitiu a segunda pacificação e instaurou um ambiente político propício à exploração econômica de tipo neocolonial”, diz a tese. Já o ensino dispensado pelos franceses “permite que a administração colonial pratique em uma ampla escala o genocídio cultural que antecede o confisco do pensamento dos povos submissos”.
Uma vez no poder, Gbagbo ali se manteve, impregnado de referências históricas. Em 2004, quando o socialista francês Henri Emmanuelli lhe sugeriu para acalmar os “patriotas”, jovens que ele incitou contra a França e seus soldados, ele respondeu: “Meu caro Henri, por acaso seus sans-culottes eram cavalheiros?”. Há alguns dias, sitiado em Abidjan dentro de sua residência fortificada, era ainda com o “julgamento da História” que ele contava.
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Em 1979, o "estudante" Gbagbo apresentava sua tese marxista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU