07 Abril 2011
O padre Paolo Dall`Oglio (foto) fundou na Síria o mosteiro Deir Mar-Musa, que se tornou ponto de referência no diálogo entre cristãos e muçulmanos. Agora, ele sonha em se tornar um "itinerante" no mundo árabe, para dar vida a outras fundações.
A reportagem é de Vittoria Prisciandaro, publicada na revista italiana Jesus, nº. 8, de agosto de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.
O xeique do deserto tem a barba branca e sonha de olhos abertos como um jovem de 20 anos. Ele conheceu o tempo do silêncio sem respostas, o da semeadura, depois o da espera. E hoje, quando entrevê os primeiros frutos, pensa em novos desertos e outras esperas.
Paolo Dall’Oglio, turma de 1954, é um homem e padre de uma geração que soube saborear as potencialidades de uma sociedade e de uma Igreja que podiam ser diferentes. Na Síria, nas ruínas do mosteiro de São Moisés, o Etíope, Deir Mar Musa el-Habashi, construiu pedra sobre pedra o espaço de encontro entre fiéis de monoteísmos diferentes e de Igrejas irmãs, separadas em casa.
Romano, jesuíta, incardinado na Igreja siro-católica, fez uma síntese entre Inácio e os padres do deserto, entre o Vaticano II e os místicos sufis, entre a extrema sabedoria monástica e as milhares de perguntas de tantos homens e mulheres do nosso tempo que, de todas as latitudes, vão buscar paz e respostas nesse canto do Oriente Médio.
Em dez pessoas, monges e freiras, e numerosos voluntários, provenientes de tradições cristãs diversas, levam uma vida de oração e acolhida nesse ermo encrustado na rocha (foto). Guardam a herança de Charles de Foucauld, celebram a liturgia em árabe. Recentemente, reabriram uma segunda sede, a cerca de 50 quilômetros de distância, na direção de Palmira: o antigo mosteiro de São Juliano, Mar Eliyan, nos arredores do oásis de Qaryatayn.
"O mosteiro cristão oriental às margens do deserto, no plano simbólico, faz parte do muçulmano, do profeta Maomé até hoje", diz o padre Dall’Oglio. "Os cristãos monges fazem parte da espiritualidade muçulmana. Nós somos um símbolo do Islã, somos reconhecidos como lugar de presença espiritual de Deus, de encontro devoto, de intercessão".
Entrar no espírito e no pensamento que guia essa experiência não é fácil. Até Roma custou a entender. Ao longo dos anos, Dall’Oglio explicou e aprofundou, procurando manter a inspiração original de uma experiência de fronteira, sem ultrapassar a sutil linha que divide a evangelização de fronteira da suspeita de falha ortodoxia.
"Somos uma comunidade para o diálogo inter-religioso: isso está bem explicado, até de um ponto de vista dogmático, nas nossas constituições, que, em 2006, receberam o `nada obsta` da Congregação para a Doutrina da Fé", explica o padre Paolo.
Para completar o procedimento jurídico, de um ponto de vista canônico, e proceder ao levantamento que cabe ao bispo local, a comunidade espera o encorajamento do patriarca siro-católico. No plano jurídico, neste momento, Dall’Oglio é "fundador" e desempenha um papel de prior do mosteiro, "esperando que, entre três a quatro anos, a comunidade esteja pronta e, canônica e humanamente, eleja o seu superior".
Se fosse ele, automaticamente perderia o pertencimento à Companhia de Jesus. "A minha esperança é de que outro seja eleito: eu gostaria de me tornar um itinerante, andando pelo mundo muçulmano preparando outras fundações".
Eis a entrevista.
O senhor já tem em mente algum lugar onde realizaria esse seu desejo?
O Paquistão. Já estive ali, porque anos atrás havia sonhado, literalmente, que havia ido lá para descobrir uma velha missão católica abandonada no norte do país. Fiz contato com o bispo do lugar, relatando-lhe o meu sonho. Ele me respondeu que estava disponível. De ônibus, atravessei a Turquia, o Irã, o Belucistan, até chegar a Islamabad. Com um motorista colocado à minha disposição pelo bispo local, percorremos toda a diocese, acabamos em um lugar na cadeia de montanhas entre Lahore e Islamabad, em Dalwal, onde, no final do século XIX, um emir local que havia se tornado cristão havia criado uma escola para peritos agrários com três colegas diferentes, para hindus, muçulmanos e cristãos. E lhes havia confiado aos capuchinhos flamengos.
Reencontrei essa estrutura, que havia sido abandonada em 1954 e depois nacionalizada. Celebrei a missa sobre os túmulos dos freis. Depois, não se fez mais nada. Mas o meu sonho se realizou em uma lógica de Igreja, porque hoje, naquele lugar, existe a cidadela do diálogo inter-religioso criada pelos Focolarinos do Paquistão. No entanto, continuo cultivando a ideia de voltar à fronteira com o Afeganistão, onde existe uma presença cristã seminal e uma miniparóquia católica... Ou no caminho himalaiano para a China, percorrida por tantos jovens.
E se não fosse o Paquistão?
Al Khalil, isto é, Hebron, a cidade de Abraão a sudeste de Jerusalém rumo ao deserto, me atrai, mas também a África muçulmana subsaariana... Entretanto, o mundo muçulmano é grande. Também iria bem um bairro periférico de Paris. Depende do número, da qualidade e do entusiasmo das vocações que virão.
Quais são os pilares dessa espiritualidade que dialoga com o Islã?
O enraizamento está nos padres do deserto, egípcios e siríacos, na tradição da experiência monástica em terras de Islã, 14 séculos de boa vizinhança, e depois Charles de Foucauld e Louis Massignon. De Foucauld, em 1909, havia fundado uma fraternidade laica de pessoas que queriam viver o espírito de Nazaré em ambiente muçulmano. Com a sua morte, Massignon tornou-se responsável. Essa realidade, hoje, se dá por meio dos delegados para as diversas áreas linguísticas e, para a língua árabe, sou eu. De algum modo, tenho uma tocha foucaldiana nas mãos.
Além disso, na nossa espiritualidade, como inspiração, é inegável que exista também o Francisco do encontro com o sultão e, portanto, dos estigmas de La Verna. Na interpretação de Massignon, Francisco havia ido ao Egito para pedir o martírio pela conversão dos muçulmanos, sem obtê-lo. Ele o irá receber, ao contrário, dentro da Ordem, manifestando-se com os estigmas, por meio dos quais Deus mostra aceitar o seu voto de dar a vida pelos muçulmanos. Nessa interpretação, que também é a nossa, o Islã é a questão, a prioridade eclesial absoluta para Francisco, que se une às Cruzadas, mas para realizar uma totalmente diferente, ao seu modo!
E o específico egípcio?
Certamente, um outro elemento-guia são os exercícios de Santo Inácio, que foram também traduzidos para o grego dos monges ortodoxos do Athos. A capacidade dos exercícios de atravessar fronteiras está demonstrada. Com uma expressão corânica, dizemos que os exercícios são uma árvore de olivas, nem ocidental, nem oriental. Em nível de prática ascética e de crescimento espiritual, há uma comunhão mediterrânea muito mais profunda do que a que se considera normalmente. Nos últimos anos, além disso, pelo nosso mosteiro, passaram muitos irmãos protestantes com os seus padres e pastores, homens e mulheres, e com os seus grupos de colaboração com os muçulmanos. Em ambiente sueco e norueguês, há um forte movimento de exercícios espirituais inacianos. Difundem-se até nas prisões. Em suma, vejo que os exercícios oferecem uma pedagogia espiritual fértil, também ecumênica e inter-religiosamente.
Os exercícios de Santo Inácio também podem ser dados aos muçulmanos?
Eu não lhes dou, porque considero que propôr uma série de meditações bíblicas a uma pessoa que vive do Alcorão é um gesto discutível. Sei que há quem o faça, mas embarca muçulmanos nos grupos cristãos. Não é essa a minha perspectiva. Ao contrário, estou interessado em buscar uma analogia da pedagogia inaciana dentro da tradição espiritual muçulmana. Veremos...
Partindo da sua experiência, em vista do debate do próximo Sínodo sobre o Oriente Médio [ocorrido em 2010], qual diálogo teológico é possível com o Islã?
O Oriente cristão em ambiente muçulmano não conseguiu formular uma teologia adequada e positiva do valor teológico do Islã. O Ocidente elaborou uma, mas em sentido negativo, isto é, expressando uma radical excomunhão do Islã: refiro-me a 14 séculos de tradição que viu os muçulmanos como infiéis. Na visão medieval ocidental, a questão é dolorosamente clara. O Oriente cristão em ambiente árabe expressou uma visão diferente, porque desenvolver uma capacidade de boa vizinhança tem em si mesmo um valor teológico. Em suma, não se pode conviver com uma pessoa, cumprimentá-la na rua, chorar pelos seus desprazeres, fazer com que as crianças brinquem juntas e depois pensar que ela vai para o inferno.
No século VIII, em Bagdá, o patriarca nestoriano Timóteo I disse ao califa Al-Mahdi: "Maomé caminhou na estrada dos profetas e dos amigos de Deus". Essa já era uma tentativa de dar um status teológico ao Islã. Antes dele, João Damasceno falou do Islã como de uma "heresia cristã", reconhecendo o seu parentesco teológico em vista da reconciliação final em Cristo. A proximidade bíblica vetero e neotestamentária do Islã é muito forte. Se devêssemos buscar todos os motivos para dizer que o Alcorão não é original, encontraríamos quantos quiséssemos: língua, conceitos, história e símbolos são precedentes. Mas a precipitação linguístico-teológica corânica goza de uma originalidade própria, centrada na aventura religiosa do Profeta e que deve ser respeitada como tal.
Sobre isso, com os muçulmanos, há um campo de compreensão muito amplo. Hoje, é necessário aguçar a engenhosidade teológica, afinar a obediência pneumática, para sermos mais católicos e tentarmos abrir-nos à obra do Espírito. Porque o Islã de hoje deve ser interpretado a partir da caridade, projetada em um amanhã de graça, e a caridade coopera com o seu desenvolvimento rumo a um futuro providencial: o que nós somos verdadeiramente é em vista do cumprimento escatológico. O que saberemos nos tornar juntos, o cumprimento final, é o que a lógica do desenvolvimento fornece desde agora. Não se trata tanto de buscar na raiz o que é de Deus e o que não é, porque tudo vem de Deus e tudo é corrompido pela desobediência. Mas, se nos pomos a obedecer, tudo é transformado. "Tudo é contido pela misericórdia de Deus", diz o Alcorão.
Em qual nível, portanto, é possível esse tipo de diálogo?
É possível em nível de base, quando um cristão e um muçulmano que trabalham juntos se reconhecem sinceros diante de Deus reciprocamente. Então, estamos na presença de um evento simbolicamente escatológico de reconciliação final.
O senhor falou mais de uma vez sobre a "Igreja islamo-cristã". O que entende, hoje, por essa expressão?
O patriarca melquita de Damasco falou, em um artigo publicado na revista Oasi, da "Igreja do Islã", que é um conceito paralelo ao de Igreja islamo-cristã. Pessoalmente, entendo uma Igreja que desenvolve a consciência identitária de ser enviada a anunciar a caridade de Cristo aos muçulmanos. A ideia de uma possível síntese islamo-cristã pressuporia a do Islã como "preparatio" evangélica, mas eu hoje prefiro olhar para o Islã através da categoria de "preparatio" escatológica, conceito teológico que significa reconhecer que o outro converge conosco, que todos convergimos juntos a um "eschaton" em que não nos espera uma fusão de identidades, mas sim uma comunhão de identidades.
Repito, escolhemos ser, no Senhor, companheiros de estrada em uma perspectiva de harmonização, mas também de purificação final... sempre atuais e presentes ao hoje existencial, místico e político! O nosso avanço juntos rumo à manifestação última do plano da graça da misericórdia divina – para nós cristãos, verdadeiramente centrado no mistério do Filho de Maria – não busca tanto uma coordenação dogmática e uma unificação identitária, mas sim uma superação estática de comunhão na caridade.
Qual será, do seu ponto de vista, a questão central no Sínodo de outubro [de 2010] para o Oriente Médio?
O Instrumentum laboris repete cinco vezes que cristãos e muçulmanos não podem viver juntos se não se realiza a separação entre religião e Estado em uma laicidade positiva. Entendo e me parece justo que os cristãos devam lembrar aos seus próximos muçulmanos que eles não estão contentes por serem considerados cidadãos de segunda categoria, tolerados e protegidos não com base em direitos humanos sacrossantos, mas com base na discriminação operada pela legislação religiosa. Mas considero ilusório pretender que a evolução do mundo muçulmano possa ocorrer simplesmente adotando o modelo ocidental moderno.
O Islã desenvolverá o seu próprio e original caminho à modernidade reinterpretando-se autonomamente... Certamente, com a ativa e benévola participação dos cristãos orientais e dos discípulos de Jesus de qualquer proveniência e condição que se dedicam ao ministério do diálogo fraterno. Os modelos importados e impostos não funcionam! O caminho do testemunho generoso e da gratuidade é o mais fértil. A reforma interna das nossas Igrejas é o maior serviço que podemos oferecer ao mundo. E, depois, a democracia moderna não cai do céu. Ela se desenvolve de modo genial de baixo, segundo modalidades próprias a cada contexto, mesmo que exposto ao estímulo das dinâmicas globais, para o bem e para o mal, em ação e reação.
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O jesuíta do deserto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU