01 Abril 2011
Em uma obra magistral, o filósofo canadense Charles Taylor oferece um grande panorama da secularização do Ocidente, na tentativa de elucidar as razões da descrença.
A reportagem é de Élodie Maurot e publicada pelo jornal La Croix, 31-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por que se tornou tão difícil acreditar em Deus no Ocidente moderno, enquanto, a priori, era impossível não crer n`Ele em 1500? Essa pergunta crucial, obsessiva, mas também estimulante, é o fio condutor da última obra de Charles Taylor, L`âge séculier, que foi recém publicada em francês, depois da sua publicação em inglês em 2007 [em português, foi publicada pela Editora Unisinos em 2010 como Uma era secular].
Nessa obra volumosa, o filósofo canadense, professor emérito da Universidade McGill de Montréal, propõe um vasto afresco da secularização do Ocidente, com a preocupação de esclarecer o que aconteceu coletivamente, de um ponto de vista religioso, com o advento da modernidade.
Secularização? Charles Taylor sabe bem que essa palavra essencial corre o risco de ser uma armadilha. Ele começa, portanto, metodicamente, com a definição do seu sentido, distinguindo três definições da secularização. A primeira consiste na evacuação da religião do âmbito do Estado, depois em uma separação das diversas esferas sociais que adquirem assim a sua autonomia.
A segunda corresponde a um diagnóstico do declínio da crença e da prática religiosa, "ao fato de que as pessoas se afastam de Deus e não vão mais à Igreja". A essas duas definições, Charles Taylor acrescenta uma terceira, que se concentra nas condições do crer: a secularização corresponde, então, àquele movimento que nos faz passar de uma sociedade "em que a crença em Deus não é contestada e parece ser, de fato, não problemática, a uma sociedade em que se considera a crença só como uma opção dentre outras e, o mais importante, como uma opção não óbvia".
É esse terceiro sentido que vai atrair toda a atenção do filósofo, que busca compreender como "a presunção de descrença" tornou-se dominante e o que nos levou a uma sociedade "em que a fé, e também para o crente mais determinado, é uma possibilidade dentre outras".
O interesse dessa abordagem é de nos afastar das leituras factuais da secularização: leituras jurídicas ou sociológicas, que se limitam frequentemente a medir o declínio das crenças e o número de fiéis. Ampliando o campo de visão, Charles Taylor mostra que a secularização remete, de fato, a um contexto global de compreensão de si e da sociedade, no qual se inscrevem a nossa experiência e a nossa busca espiritual ou religiosa. Para ele, a crença e a não crença são "condições vividas" e não só "das teorias ou dos conjuntos de crenças". Elas envolvem as nossas sensibilidades e os nossos imaginários, e é isso que interessa ao nosso canadense.
O longo relato de Charles Taylor exibe a emergência progressiva de um mundo secular em que, pela primeira vez na história, "um humanismo puramente autossuficiente se apresenta como uma opção largamento disponível". Ele usa uma vasta erudição, da qual se notará a amplitude das referências em francês. Essa obra exige, devemos dizer, muita paciência por parte do leitor, um pouco sufocado por uma "summa" que não se presta a uma leitura seletiva, mas supõe uma imersão em apneia.
A sua vantagem é, entretanto, a de oferecer uma compreensão da secularização mais densa, mais complexa, mais rica do que as análises que nos são habitualmente dadas. Passando pela Reforma protestante do século, pelo deísmo do século XVIII, depois pela sua radicalização rumo a uma "ordem impessoal" puramente imanente, o filósofo mostra como o "eu poroso", aberto ao cosmos e a um "mundo encantado", povoado por forças religiosas, deixou progressivamente o lugar a um "eu isolado", individualizado e responsabilizado, que busca a sua realização nos limites deste mundo.
Essa leitura da modernidade também é engajada. "Eu não reivindico uma posição de objetividade, livre de todo `impensado`", reconhece Charles Taylor. "Ao contrário, falo da perspectiva oposta: fico comovido pela vida de São Francisco de Assis, por exemplo, e é por isso, em parte, que a ideia de um desaparecimento de toda aspiração religiosa independente me parece pouco plausível".
Cristão de confissão católica assim como amigo da modernidade, Charles Taylor rejeita claramente a ideia de que a secularização funcionaria "por subtração", como se a sociedade secular assumisse o lugar do mundo religioso. Ele desconstrói assim, pacientemente, a ideia difundida segundo a qual a religião recua sob os golpes violentos da ciência: o que tornou a crença problemática não é a ciência, avalia ele, mas sim "um novo sentido da nossa identidade e do nosso lugar no mundo". O itinerário escolhido manifesta claramente como o mundo moderno surge de formas anteriores do cristianismo. "Nosso presente está grávido do nosso passado", resume.
Esse itinerário não toca os sinos fúnebres da crença. Ao contrário, Charles Taylor mostra como a modernidade gera uma grande variedade de posições morais e espirituais, uma "supernova" marcada por "uma forma de pluralismo desenfreado no plano espiritual". "O humanismo exclusivo" e a fé cristã ortodoxa já estão bem longe de ser as duas únicas opções possíveis.
Como o humanismo secular procura "um sentimento de invulnerabilidade, uma sensação de sucesso com relação a um sentimento anterior de catividade", ele também pode ser vivido "como um limite, senão uma prisão, que nos torna cegos ou insensíveis ao que existe além deste mundo humano".
"Pode-se ter facilmente a sensação de perder alguma coisa, de viver atrás de uma tela", diagnostica. Esse mal-estar provocado pela imanência é, assim, a fonte de uma criatividade, de um movimento contínuo na história da crença e da descrença. "Estamos somente no começo de uma nova época de busca religiosa, da qual ninguém pode predizer os resultados", conclui.
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Presunção de descrença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU