14 Janeiro 2011
Edward Collins Vacek e Michael D. Place são eminentes teólogos morais que estudaram amplamente o ensino moral da Igreja sobre a vida e a sexualidade. Aqui, eles oferecem as suas respostas às recentes declarações do Papa sobre o preservativo e a transmissão da Aids.
A reportagem é da revista dos jesuítas dos EUA, America, 03-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Edward Collins Vacek, SJ, é professor de teologia moral do Boston College School of Theology and Ministry, em Chestnut Hill, Massachusetts. Michael D. Place é padre da Arquidiocese de Chicago, que fez parte da equipe da Comissão Ad Hoc da NCCB [Conferência dos Bispos dos EUA] que preparou o documento The Many Faces of Aids.
Eis a análise de Edward Collins Vacek, SJ.
O que há de novo?
Colocar as palavras "Papa" e "camisinha" na mesma frase foi uma forma polêmica para acender a Internet e pôr a imprensa do mundo em funcionamento. "Sexo e a Cidade do Vaticano" faz com que as pessoas cliquem e vende jornais. A questão é saber se havia algo "novo" no que o Papa Bento XVI disse sobre os preservativos.
O que o Papa disse? Seu primeiro comentário foi de que "devemos estar próximos das pessoas" que têm Aids. Imperceptível como essa reivindicação possa parecer, ela é na verdade um testemunho contra aqueles que evitam os doentes de Aids, seja a sua evitação motivada pela homofobia ou pelo medo de ser pessoalmente infectado. Devemos ser como Jesus, que não foi interrompido pelo medo do escândalo público ou pelas leis de pureza a se associar com essas pessoas.
As observações restantes do Papa respondem à polêmica que surgiu durante a sua viagem de março de 2009 à África. Naquela época, ele disse que os preservativos não são a solução verdadeira para o problema da Aids. No entanto, como o Pontífice observa agora, pode haver casos em que alguém, como um prostituto, pode estar fazendo um progresso moral ao usar um preservativo.
Essa observação levou a um tumulto ainda maior. Alguns comentaristas católicos, geralmente conhecidos por serem bastante conservadores, afirmaram que o Papa estava errado. Outros se aproveitaram do detalhe de que o Papa mencionou prostitutos homens e não mulheres e, portanto, presumivelmente, imaginou um caso em que a contracepção não estava em causa. (O Papa disse mais tarde que seus comentários aplicavam-se a homens e a mulheres.) Outros, ainda, salientaram que a entrevista não era um ensinamento papal oficial, o que significava, por conseguinte, que os comentários poderiam ser ignorados. À espreita no pano de fundo estava o medo de o Papa estar revogando o ensino da Igreja contra a contracepção, um ensino que chegou a simbolizar a sua ética sexual.
Tais receios eram infundados. O Papa não aprovou a contracepção. A preocupação, porém, trai erros maiores na forma como alguns bispos e teólogos católicos consideram os preservativos.
Fato simples: um preservativo pode ser um profilático. Ou seja, ele impede a transmissão da doença. Assim, há uma visão moral sólida, usando o pensamento católico tradicional, de que os preservativos podem e muitas vezes devem ser usados não apenas por prostitutos, mas também por homens casados na situação em que um dos cônjuges é soropositivo.
Na verdade, um preservativo também pode ser usado para evitar a concepção. Então, ele é um contraceptivo. Uma analogia pode ajudar. Usar uma arma para matar diretamente um inocente é – ensina a Igreja – um mal intrínseco. É sempre errado. Mas isso não significa que o uso de uma arma é intrinsecamente mau. Ela tem muitos outros usos, incluindo a caça para alimentar a própria família. Da mesma forma, alguns medicamentos usados para combater a doença também têm o efeito colateral de dificultar a fertilidade. No entanto, podem e muitas vezes devem ser usados, mesmo que eles também tenham um efeito contraceptivo.
Paulo VI, na Humanae Vitae, disse a mesma coisa. Ele defendeu explicitamente que é bastante lícita a utilização de meios terapêuticos para curar uma doença, mesmo que esses meios também impeçam a procriação (HV n. 15). Uma vez que temos uma obrigação moral não apenas para cuidar adequadamente de nós mesmos, mas também de sermos cuidadosos com a saúde dos outros, parece seguir-se que podemos usar um preservativo para evitar a propagação da doença para o cônjuge. A intenção faz a diferença. Um preservativo pode ser usado se a intenção é combater a doença, embora não se destine a impedir a concepção. Pode-se facilmente imaginar uma situação em que um casal quer ter filhos, mas relutantemente usa camisinha, porque têm uma obrigação moral de não espalhar a doença.
Não são poucos os que estão escandalizados pelo fato de que a Igreja não incentivou o uso de preservativos para evitar a morte e a interrupção de milhões de pessoas. Por que teólogos e bispos não se pronunciaram mais cedo?
Na verdade, alguns bispos e teólogos se pronunciaram. Mesmo assim, outros tinham medo de falar, por medo de represálias. A sexualidade é uma área do ensino da igreja em que estar fora de sincronia com o Vaticano leva à rápida condenação por parte dos leigos, clérigos e bispos.
Outra razão é a ignorância do princípio do "mal menor", segundo a qual se pode tolerar ou mesmo incentivar as pessoas a cometer o pecado menos grave se não se pode persuadi-los a parar de pecar totalmente. Bento XVI rompe com a costumeira relutância episcopal ao dizer que a escolha de um pecado menor pode ser um sinal de crescente responsabilidade moral. As únicas alternativas não devem ser nem o silêncio ou a exigência de uma virtude perfeita. Às vezes, o melhor é inimigo não só dos bons, mas também dos menos pecadores. Como João Paulo II (Familiaris Consortio, n. 34), Bento XVI reconhece publicamente uma lei da gradualidade na vivência moral.
Outra razão para a hesitação de falar é uma preocupação sobre como as pessoas vão usar mal o ensinamento. É muito fácil passar de "Papa aprova preservativos como profilaxia" a "Papa aprova preservativos" para "Papa aprova a contracepção". Afinal, a tendência equivocada tem sido a de ler "Papa desaprova camisinha como contraceptivo" como "Papa desaprova a camisinha".
Uma razão final pela qual os bispos e os teólogos têm hesitado em se pronunciar é a incerteza. O ensino da Igreja sobre a sexualidade durante o último século mudou significativamente. Alguns princípios (por exemplo, o sexo como uma "expressão do amor") são muito diferentes dos princípios que originalmente formaram a ética sexual da Igreja. Uma mudança de princípios pode não exigir uma mudança nas normas, mas leva as pessoas a questionar essas normas. As muitas alegações confusas e contraditórias feitas em resposta ao recente comentário de uma página de Bento XVI sobre os preservativos indicam que é necessário muito mais conversa antes que se alcance um consenso na igreja.
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A questão do preservativo: o que há de novo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU