04 Janeiro 2011
Na igreja onde, três dias depois do massacre da noite da virada do ano, se concentram as esperanças e as inquietações da comunidade copta, homens e mulheres de todas as idades, jovens em trajes esportivos e idosos com a clássica boina, senhoras de preto e moças em jeans lotam o átrio aos pés do crucifixo envolvido no lençol ensanguentado fixado na grade da escada interna.
A reportagem é de Alberto Stabile, publicada no jornal La Repubblica, 04-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Do lado de fora, as tropas antitumulto, que chegaram do Cairo por causa da necessidade, continuam mantendo isolada toda a zona, "specially for the press", deixa escapar um oficial, retificando rapidamente assim que se dá conta do deslize. Mas os cristãos que querem ir rezar na sua igreja ou visitar aos parentes que se recuperam no hospital Mar Morkos, que surge ao lado do lugar do atentado, esses eles não podem deter.
Logo dentro, a primeira coisa que chama atenção é a quantidade de bancos destruídos, vidros esmigalhados, pedaços de gesso quebrados, grades de ferro torcidas, projetadas ao redor pela onda de ataques e agora amontoados na entrada.
No pátio deste que não é apenas um lugar de culto, mas também o centro ativo de uma comunidade que oferece aos fiéis do bairro toda uma série de serviços, de creche para os menores até o asilo para os idosos, da escola para os portadores de deficiência, aos cursos de especialização para os recém formados em informática, estão estacionados sete ou oito carros danificados pela explosão. Um tem o vidro traseiro afundado, um outro não tem mais as portas. Um terceiro deve ter sido totalmente queimado pelas chamas que penetraram pelo portão, porque os assentos parecem ter se liquefeito. São os automóveis dos quatro padres que rezavam naquela noite, sob a liderança do padre Makar, e de alguns empregados dos vários serviços.
Na igreja, onde na noite do dia 31 de dezembro estavam cerca de 500 a mil pessoas, as manchas de sangue foram limpadas do pavimento sob o qual foram estendidos os corpos dilacerados das vítimas. Agora, os ícones dourados, de simplicidade primordial, resplandecem na luz brilhante que penetra das janelas. E assim também os afrescos de cores vivas sobre a vida de Jesus que, alinhados na entrada da nave, servem de contraponto às sóbrias tintas da iconóstase.
"A missa estava por terminar, faltava ainda alguns minutos, e os fiéis que estavam no fundo estavam começando a sair quando ouvi o estrondo", relata Yosri Zaglul Matta, proprietário de um pequeno bazar em Sharm el Sheik. "Por alguns instantes, tudo ficou escuro, mas logo depois a igreja foi iluminada por uma luz deslumbrante. Naturalmente, por instinto, procurei sair, mas não pude, porque, assim que me encontrei na porta, uma barreira de corpos despedaçados, inertes, ensanguentados, me impediu. Acredito que serão necessários muitos anos para me esquecer dessa cena".
"Mas não devemos nos esquecer", rebate Dina al Masry, uma senhora loira em cuja blusa preta se destaca uma cruz copta de ouro. "Esse não foi um ato de terrorismo como outro qualquer. Aquele suicida quis atingir justamente a nós, os cristãos do Egito, por aquilo que somos e por aquilo que representamos aos olhos da parte mais fanática e extremista dos mundo islâmico". Dina lembra as inúmeras advertências, dentre as quais, impressiona particularmente o comunicado que apareceu no dia 2 de dezembro no site Shamuk al Islam, que hospeda frequentemente os delírios dos militantes da Al Qaeda, em que se convidava a atingir cerca de 50 alvos cristãos na Inglaterra, Alemanha, França, Egito. E, no Egito, a igreja dos Dois Santos de Alexandria.
Tudo isso justifica a ansiedade sem precedentes com os quais o Natal copta é esperado, que acontece na próxima sexta-feira, 7 de janeiro. Aqui não há decorações e luminárias, consumos estratosféricos e presentes empacotados em papel especial. A tradição copta quer que o Natal seja um momento de solidariedade com os menos favorecidos. Assim, em alguns mosteiros, é morta uma vaca, cuja carne será destinada a saciar os pobres, seja qual for a sua fé, também muçulmanos.
Agora, os fiéis presentes na igreja dos Dois Santos se recusam a pensar no fato de que o atentado do final do ano possa colocar em discussão a "festa das festas". "Você vai ver que a igreja estará mais cheia do que antes", enfatiza Zaglul Matta. "Se não viéssemos rezar, seria como declarar que os terroristas venceram".
No escritório do padre Makar, um grupo de fiéis espera o padre empenhado com os seus três coirmãos em uma peregrinação de apoio às famílias atingidas pelo atentado. Em sua mesa repleta de papéis, um crucifixo e uma imagenzinha de São Pedro, lembrança de um encontro inter-religioso romano. Aqui, entre as pessoas que se sentam nas poltronas, os ânimos são até mais acesos do que entre os fiéis reunidos no hall de entrada. E os rostos, decididamente mais preocupados. Um casal de jovens que está de luto nos exorta a não procurar diferenciar as opiniões. "Todos nós temos um só pensamento sobre o que aconteceu, ou seja, que as ameaças não nos assustam".
"Medo?", ressalta o engenheiro Heni Mikhail, proprietário de uma empresa que importa maquinários industriais. "Medo de que? De morrer? Nós a celebramos, a morte. Essa é a nossa filosofia". Depois, passando para uma atitude mais reflexiva, admite que "o atentado foi um verdadeiro desastre, em todos os sentidos... E acima de tudo porque a violência foi dirigida contra uma comunidade pacífica que sempre estendeu a mão a todos".
Talvez, o objetivo de quem mandou o terrorista suicida era de provocar uma guerra civil entre cristãos coptas e muçulmanos egípcios? "Não acredito", rebate Mikhail. "Muitos dos meus amigos são muçulmanos e posso assegurar-lhe que nenhum deles se alegrou com aquilo que aconteceu. Talvez algum fanático... Ao contrário, eu lhe diria que os terroristas, como sempre fizeram, aqui, no Egito, querem desafiar o governo, a estabilidade que é uma das prerrogativas de Mubarak. Mas não acredito que irão prevalecer".
Do lado de fora, a polícia reforçou os cordões de isolamento. Esperam-se as manifestações da tarde. Um contingente especial é deslocado para a entrada da mesquita que surge diante da Igreja dos Dois Santos e é, em um certo sentido, um símbolo da competição entre coptas e muçulmanos.
"A nossa igreja – relata um dos cristãos – foi construída em 1971 e, passo a passo, se desenvolveu naquilo que você vê agora. A mesquita, ao contrário, chegou muitos anos depois, construída sem permissão no jardim do hospital público, porque eles não precisam de licença".
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"Querem destruir os cristãos coptas do Egito, mas nós continuaremos rezando aqui" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU