03 Janeiro 2011
Surgida essencialmente com a função de sacrário para conter o túmulo de Pedro, a basílica vaticana foi meta precoce de visitas de simples fiéis e de personagens de alto escalão. Muito importante foi, particularmente, desde as origens, o papel que a basílica de São Pedro desenvolveu no âmbito da atividade de auxílio aos pobres de Roma.
A análise é de Vincenzo Fiocchi Nicolai, do Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã, publicada no jornal L`Osservatore Romano, 05-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A antiga Fábrica de São Pedro no Vaticano foi uma das primeiras e maiores basílicas cristãs de Roma. Feita construir pelo imperador Constantino para hospedar e honrar o sepulcro do apóstolo, ela foi finalizada em torno da metade do século IV por um dos seus filhos, provavelmente Constante.
Como sabemos por descrições e por representações anteriores à sua demolição (ocorrida, como se sabe, entre o século XVI e o início do século XVII), ela media 119 metros de comprimento, por 64 de largura e 38 de altura: era a maior basílica pública jamais construída na cidade.
A disposição urbanística do ager Vaticanus foi sacudida pela nova construção: o sistema viário que atravessava a área devia se modificar fortemente para se adaptar à presença da construção constantiniana. Velhos edifícios foram demolidos, uma necrópole – aquela onde se encontrava o túmulo do apóstolo – sepultada, uma parte consistente da colina vaticana desmanchada.
No interior, a igreja era dividida em cinco naves. Elas se interrompiam no setor terminal, em correspondência de uma nave transversal – o transepto (aqui adotado pela primeira vez pela arquitetura cristã) – destinada a hospedar, no centro, o sepulcro de São Pedro, englobado em uma monumental teca marmórea (2,90m x 1,80m x 3m aproximadamente de altura), aberta às naves, coberta por um baldaquino e circundada por um amplo recinto.
A bacia absidal era ornada, pelo menos a partir da metade do século IV, com uma imagem muito significativa: a de Cristo que entregava o rolo da lei a Pedro, com Paulo assistindo, imagem que destacava admiravelmente o sentido profundo da construção da basílica: a exaltação de Pedro como depositário da doutrina pregada por Jesus e, indiretamente, a da Igreja de Roma, fundada pelo apóstolo, à qual era demandada a tarefa de proteger a mensagem evangélica.
Surgida essencialmente com a função de sacrário para conter o túmulo de Pedro, a basílica foi, portanto, meta precoce de visitas de simples fiéis e de personagens de alto escalão: até a metade do século V, haviam se dirigido para a basílica os próprios imperadores Honório, Valentiniano III, talvez também Teodósio, para rezar, como lembra Santo Agostinho, junto aos restos mortais de um simples pescador.
À função de santuário apostólico, o edifício, assim como as outras basílicas martiriais da época, associava também a função, muito importante, de espaço privilegiado para as sepulturas dos fiéis, desejosos de serem sepultados na igreja por motivo da presença nela – confortante e protetora – do túmulo de Pedro.
Mas, ao lado dessas funções, por assim dizer institucionais – comemorativas e funerárias –, a basílica, como atestam as fontes e os testemunhos arqueológicos, também desenvolveu outras precocemente, da mesma forma relevantes. Pouco depois da sua finalização, provavelmente por obra do pontífice Dâmaso (366-384), foi dotada de um batistério, o terceiro, em ordem de tempo, realizado em Roma, depois dos constantinianos de Latrão e de Santa Inês na via Nomentana.
A presença de um batistério em um santuário martirial do subúrbio é explicado com o desejo dos fiéis de assumir o sacramento da iniciação cristã em um lugar que se tornou altamente significativo pelo túmulo do apóstolo. Os pedidos para ser batizado na basílica deviam vir tanto de fiéis romanos como de peregrinos estrangeiros, como ocorria também junto ao Santo Sepulcro de Jerusalém, onde, como sabemos pela peregrina Egéria, no fim do século IV, para receber o batismo, os estrangeiros deviam dispôr de "apresentações" especiais.
É provável que o batistério de São Pedro se encontrasse junto a uma das duas extremidades do transepto (a do norte). Este era alimentado por um aqueduto, mencionado em uma inscrição de Dâmaso, visível em parte ainda hoje no interior da Cidade do Vaticano.
A igreja, pelo menos desde o início do século V, como outros martyria suburbanos, era também suporte para a catedral e para as igrejas paroquiais deslocadas nos bairros (tituli) no desenvolvimento da regular liturgia hebdomadária: missas dominicais era celebradas ali, presenciadas por presbíteros incardinados oportunamente no santuário, como atesta uma carta do Papa Inocêncio I (401-417). Precocemente, a antiga São Pedro foi também o lugar em que ocorreram importantes eventos políticos e eclesiais: desde 386, ela hospedou com uma certa frequência sínodos. Em 483, uma reunião do senado romano ocorreu em um dos dois grandes mausoléus redondos localizados junto à ala sul do transepto. Os reis godos Teodorico e Totila e o imperador do Oriente Constante II foram recebidos por Papas em São Pedro. Ao redor da basílica, além disso, desde o fim do século V, existiam estruturas de acolhida para bispos estrangeiros e outros personagens de alto escalão.
Muito importante foi, particularmente, desde as origens, o papel que São Pedro desenvolveu no âmbito da atividade de auxílio aos pobres de Roma. Dessa prerrogativa da igreja, temos, com efeito, notícias muito precoces e explícitas. Já na metade do século IV, segundo o testemunho do historiador pagão Ammiano Marcellino, em torno da basílica vaticana se reuniam, numerosos, os pobres da cidade, objeto da generosidade do praefectus urbis Lampadio, cerca do ano 365.
A presença estável dos indigentes em São Pedro é confirmada, pouco depois, por uma carta de São Jerônimo, na qual se narra o episódio – do qual Jerônimo havia sido testemunha ocular – de uma abastada nobre dama, intencionada a ostentar a sua magnanimidade doando "ao pobres, de própria mão, uma moeda a cada um".
Nos últimos anos do século IV, é o testemunho de Paulino de Nola que revela, mais uma vez, a função de "espaço da caridade" da igreja de São Pedro: o senador Pammachio, um fervoroso cristão, havia organizado na basílica um grande banquete para comemorar a jovem mulher falecida Paulina: ao encontro foram convidados tantos pobres que a grandiosa igreja constantiniana não havia conseguido conter todos. Eles foram acolhidos também no átrio em frente à fachada do edifício.
O banquete organizado por Pammachio havia se desenvolvido sob a insígnia da sobriedade. Mas nem sempre ocorria assim. Santo Agostinho, em uma passagem das suas cartas, lembra as algazarras e as desordens que se verificavam todos os dias em São Pedro por ocasião dos banquetes funerários comemorativos: "de basilica beati apostoli Petri, quotidianae vinolentiae proferebantur exempla".
Segundo o bispo de Hipona, tais abusos ocorriam mais facilmente na basílica vaticana, já que ela se encontrava muito longe do centro de controle episcopal de Latrão. Certamente, também na África e no Oriente, os almoços comunitários que ocorriam nas igrejas martiriais, por ocasião das festas dos santos que nelas estavam sepultados, não raramente degeneravam em confusões e verdadeiros festins: Basílio de Cesareia lembra os bailes desenfreados que muitas vezes concluíam essas reuniões.
A atividade de ajuda aos pobres em estadia em São Pedro foi, de algum modo, institucionalizada pelo Papa Símaco (498-514), que fez construir habitacula apropriados para hospedá-los (Liber Pontificalis, l III). Esses refúgios deviam se encontrar provavelmente ao redor da igreja, se eles, como parece, devem ser identificados com os cubicula que, na época do Papa Sérgio I (687-701), haviam sido arruinados por infiltrações de água e pequenas quedas do teto da igreja (ibidem, l XXXVI).
O rei godo Teodorico também se ocupou da sustentação dos pobres de São Pedro, dispondo que a eles fossem distribuídos, todos os anos, três medidas de trigo. A atividade caritativa dirigida aos irmãos mais necessitados continuou caracterizando a história da Basílica de São Pedro durante toda a Idade Média: a fundação de cinco diaconias nesse período revela, com efeito, uma verdadeira especialização da área vaticana no auxílio aos indigentes.
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Todos no almoço com o primeiro dos apóstolos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU