14 Dezembro 2012
O rosto da Igreja mudou nesses últimos 50 anos, e muitas são as positividades que emergiram dessa mudança.
A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado na revista Jesus, de dezembro de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nos últimos anos, ouvem-se cada vez mais vozes eclesiásticas que imputam ao evento Concílio os males que a Igreja sofreu e ainda sofre: redução da prática de culto, falta de vocações religiosas e presbiterais, com o consequente envelhecimento das forças pastorais e das figuras testemunhais, colocação periférica das vozes culturais católicas...
Essa acusação contrapõe a "crise" a situações melhores e menos precárias nos ambientes católicos que rejeitaram o Concílio e mostra querer atingir também a mensagem expressa pelos próprios textos conciliares. No entanto, parece-nos uma acusação não munida de discernimento.
É verdade, a crise se manifestou nos anos da realização do Concílio, mas não foi induzida por esse evento, mas sim pela revolução cultural antropológica que ocorreu no fim dos anos 1960, com relação à qual, ao invés, o Concílio já representou um início de resposta profética.
Com toda a probabilidade, se o Concílio não tivesse começado a dar uma nova dinâmica à vida da Igreja, dada a estagnação que durava há décadas, a recaída daquela sublevação epocal teria pesado muito mais. Aqueles que imputam a crise ao Concílio deveriam se perguntar como é que outras Igrejas que não tiveram um Concílio – como a Comunhão Anglicana, a Igreja Ortodoxa Grega, diversas Igrejas da reforma – encontram-se em situações mais críticas do que a da Igreja Católica. A porcentagem daqueles que vivem e celebram no domingo a própria vocação batismal nessas Igrejas é inferior à encontrada nos países europeus de tradição católica.
Na verdade, o rosto da Igreja mudou nesses últimos 50 anos, e muitas são as positividades que emergiram dessa mudança. Queremos tentar delineá-las? Acima de tudo, e esse é o aspecto mais decisiva e irreversível, os católicos hoje conhecem o evangelho muito mais do que ontem e compreendem melhor o que é a grande tradição viva da Igreja.
Através da liturgia rezada em sua língua e da escuta da Palavra proclamada, eles são moldados, domingo a domingo, como discípulos do Senhor Jesus: estão em menor número como participantes na missa dominical, mas a sua consciência de ter que escutar o evangelho para conhecer e amar o Senhor aumentou muito.
Outra vistosa positividade é a participação dos cristãos nos movimentos de solidariedade, nos numerosos e multiformes grupos que surgem para enfrentar as múltiplas necessidades presentes na vida social: atenção aos estrangeiros, formas de caridade concreta e cotidiana para com os mais fracos, apoio aos deficientes... são compromissos em que o espírito evangélico é inspirador e de grande ajuda, e é capaz de se difundir e de se tornar cada vez mais crível mesmo em meio a homens e mulheres não cristãos.
E como não se dar conta de que a vida eclesial é mais percebida como participação do que como pertença identitária? A paróquia é verdadeiramente de todos aqueles que desejam ser uma comunidade do Senhor, e nela o compromisso pessoal não só é possível, mas é reconhecido como parte da estatura do cristão maduro adulto.
Não me parece sério ignorar essas positividades e denunciar somente as inadimplências eclesiais, presentes sim, e às vezes até graves – como uma comunidade cristã pode viver sem o presbítero e, portanto, sem a eucaristia? –, mas explicáveis não as imputando ao Concílio e aos papas que o presidiram, mas sim àquela mudança antropológica investiu sobre todo o mundo ocidental.
Hoje, a 50 anos do Concílio, é preciso dizer claramente que ele ainda espera pela sua realização: há reformas ainda a serem implementadas no exercício da autoridade, como a colegialidade; há um reconhecimento da consciência que ainda deve se tornar exercício cotidiano no povo cristão; há uma reforma litúrgica a ser levada a cumprimento...
Mas nunca se repetirá o suficiente que um Concílio como o Vaticano II quis e suscitou uma maior fidelidade ao Evangelho por parte dos cristãos e da Igreja. Um Concílio que não quis combater ninguém, nem ideia alguma, que não procurou se contrapor hostilmente a nenhuma perspectiva forjada pelos homens.
Um Concílio pensado, nascido, desejado e guiado pelos papas e pelos padres conciliares para uma reforma da Igreja em termos de uma adesão mais fiel às exigências evangélicas. Isso é o que Bento XVI continua reiterando: definindo o Vaticano II como um Concílio de reforma, o papa insiste no fato de que é preciso mudar a "forma" da Igreja para torná-la todos os dias mais fiel ao seu Senhor.
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O Concílio? Foi a cura, não a causa da crise da Igreja. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU