Por: Cesar Sanson | 12 Dezembro 2012
“Nem fazendeiro, nem posseiro viviam aqui antes de 1960. Era só índio, os anciãos lembram, só tinham duas casas em São Félix do Araguaia”, escreve o cacique da aldeia Marãiwatséd Damião Paridzane (foto) na Carta à sociedade brasileira publicada pelo portal do Cimi, 11-12-2012.
Eis a carta.
Na ECO-92, começamos a lutar pela nossa terra de Marãiwatsédé.
Neste território, os ancestrais, nossos bisavós viviam em cima da terra. Este território é de origem do povo de Marãiwatsédé. Nesta terra amada foi criado o povo de Marãiwatsédé.
Agora, a desintrusão já começou. Os anciões esperaram muito tempo para tirar os não-índios da terra. Sofreram muito. A vida inteira sofrendo, esperando tirar os fazendeiros grandes.
A lei federal, a Constituição, as autoridades estão do nosso lado. As autoridades da Força Nacional, Exército, Polícia Federal estão do nosso lado porque a presidente Dilma sabe que a terra é dos Xavante de Marãiwatsédé. Agradecemos as autoridades e todas as entidades que nos apoiam nessa luta da verdade contra a mentira. A desintrusão é ótima.
Será que a terra é dos brancos? Será que os pais, os avós, os bisavós dos fazendeiros nasceram aqui? A gente sabe, a comunidade de Marãiwatsédé sabe. Não nasceram! Quem sempre ocupou a terra foi o índio. O Xavante de Marãiwatsédé. Hoje, a comunidade espera tranquila a desintrusão.
Quem ocupava a terra eram nossos pais, nossos avós, nossos bisavós que nasceram aqui, cresceram aqui, fizeram festa para adolescente. Lutaram muito, faziam ritual dentro do território de Marãiwatsédé. Nem fazendeiro, nem posseiro viviam aqui antes de 1960. Era só índio, os anciãos lembram, só tinham duas casas em São Félix do Araguaia.
Quando fomos retirados para a TI [Terra Indígena] São Marcos já que criaram os municípios e o nosso território foi destruído.
Quem destruiu foi o índio ou foi o branco? A gente sabe mesmo. Foi o branco que destruiu a floresta, essa não é a nossa vida. Nossa vida é preservar a terra, a natureza, os rios, os lagos. É assim que a gente vive. Nosso povo respeita nossa mãe e nossa mãe é a natureza. Nós esperamos tranquilos a nossa vitória. Dormimos tranquilos, sonhamos bonito com a vitória da nossa terra.
Antes da retirada de nossa terra, mataram muitos Xavante. Os fazendeiros daquele tempo eram muito bandidos. Mataram com tiro. Morreram Tseretemé, Tsercnhitomo, Tsitomowê, Pa'rada, Tseredzaró. Todos mortos com tiro. Não vamos trair os espíritos deles. Eles só foram tombados em cima desta terra. Será que os fazendeiros vão pagar indenização?
Quando o povo de Marãiwatsédé morava aqui, quem apareceu primeiro foi Ariosto Riva. Ele fez fotos com o nosso povo. Ele enganou os Xavante, destruiu nossa terra. Não pediu para o povo Xavante se podia destruir a floresta. Foi ele que invadiu nosso território. Os mais velhos lembram. O piloto dele era o Nélson. A comunidade Xavante de Marãiwatsédé quer a terra de volta. Ela foi reduzida.
A diferença do Xavante de Marãiwatsédé com os outros Xavante é porque os Xavante de Marãiwatsédé estão sempre preservando a floresta. Não é só o Cerrado. A floresta (Amazônica) é principal para nossos bisavós que viviam aqui. É a mata misteriosa que só os Xavante de Marãiwatsédé conhecem seus segredos. Por isso, os antepassados sempre preservaram a floresta, porque ela é da nossa cultura.
Essa terra é nossa origem. Os Xingu também protegiam esta terra, os antepassados dos Kalapalo eram amigos dos antepassados dos Xavante de Marãiwatsédé.
Os animais não podem sofrer mais com tanta destruição da natureza. Quando a terra for devolvida para nosso povo, a floresta vai viver novamente. Vão voltar animais e plantas. Nossa mãe vai ficar muito forte e muito bonita, como sempre foi. É assim que tem que ser.
Damião Paridzane
Cacique da aldeia Marãiwatsédé
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Carta da comunidade Xavante de Marãiwatsédé à sociedade brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU