04 Dezembro 2012
Que é um dia de quietude, na tempestade cotidiana à qual todos nós tentamos sobreviver, entende-se subindo os ziguezagues, emoldurados pelo verde prateado dos olivais, que levam de Lucca a Pieve Santo Stefano. É aqui, na igreja com a casa canônica anexa à disposição do arcebispo Italo Castellani, que, depois de meio século passado atravessando o deserto e em socorro aos últimos, o frei Arturo Paoli quis voltar.
A reportagem é de Massimiliano Castellani, publicada no jornal dos bispos italianos, Avvenire, 29-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem abre a porta da casa é Paola, mãe de dois filhos: "Vou preparar o almoço". Sentada à longa mesa, ao lado daquele que parece ser uma magnífica oliveira nodosa e secular – o frei Arturo completa 100 anos no dia 30 de novembro –, está Benedetta, universitária que está fazendo a tese sobre a cantora e compositora Carmen Consoli e que trabalha como vendedora no supermercado para conseguir viver.
Benedetta é uma das jovens dos "encontros de terça-feira", dedicados à leitura e ao comentário do Evangelho guiados pelo sacerdote e irmãozinho da congregação fundada por Charles de Foucauld. Frei Arturo termina de ler com voz empostada uma carta recém-recebida: "É do psicanalista Luigi Zoja... Eu também, você sabe, só escrevo cartas de meu próprio punho", e depois eleva o olhar e especifica: "A ideia de um grupo que se encontra para ler e comentar o Evangelho me foi dada por um livro genial, La prima generazione incredula, do padre Armando Matteo. Acho que é uma abordagem absolutamente extraordinária para eles...".
"Eles" são os jovens, como aqueles que aqui, neste momento, estão lidando com o Evangelho de Mateus. Eles se encontram à noite, depois da escola ou do trabalho, e vão até tarde da noite, quando o frei Arturo se retira para o seu quarto para saudar o novo dia. "Às 4 horas, na minha cama, eu esperar a aurora. Sem mim, o sol não se sente nem um pouco disposto a surgir", sorri divertido e só fica novamente sério quando a recordação o reporta àquelas "breves horas de uma tarde de inverno de 1920", quando, em Lucca, na Praça San Michele, ele viu os "camisas pretas" fascistas atirarem e matarem dois homens que assistiam um comício socialista.
Um trauma assim como a morte da jovem amada e depois a da mãe que o levaram ao sacerdócio, "embora eu não conseguisse pensar em mim mesmo como pároco". Ele se tornou um padre muitas vezes "incômodo", que procurou conciliar o compromisso político e o testemunho de fé concreto.
Diante da banalidade do mal, ele respondeu com empenho total, cumprindo o pedido do então arcebispo de Lucca, Antonio Torrini, que disse a ele e a outros três jovens sacerdotes: "Dediquem-se a todos os perseguidos da terra". Naquele período da Segunda Guerra Mundial, que ele define como "extraordinário", ele conseguiu salvar centenas de judeus, pagando com a prisão.
Ele ainda comemora o dia 6 de agosto, dia em que foi liberto por um tenente anônimo alemão, com uma missa Na sua memória, estão esculpidos os nomes dos tantos salvos que fizeram dele um "Justo entre as nações", começando pelo escritor judeu alemão Ludwig Greve, que conta a deportação escapada no livro dedicado ao frei Arturo, Un amico a Lucca. Ricordi d’infanzia e d’esilio.
"Ludwig vinha de Cuneo, depois que o seu pai e sua irmã haviam desaparecido no nada... Recém-chegado, de cara amarrada, me disse: 'Você acredita que vai me converter?'. Três dias depois, vivendo junto conosco, ele ria do que ele havia dito. Salvou-se vestindo-se de padre. As suas filhas, que foram batizadas na Alemanha, quando passam pela Itália, nunca deixam de me visitar".
E hoje também é um dia de visitas. Do Brasil, aterrissaram três amigos, parte daquelas comunidades de base que o frei Paoli ajudou a criar entre os agricultores e os famintos da América Latina, "onde vi realizado o Concílio Vaticano II. Aqui entre nós, ao invés, muito frequentemente nos esquecemos deles... Lá ainda está acesa a centelha da sadia 'rebelião' cristã, aquela que eu toquei com as mãos nas favelas brasileiras, no povo da Argentina e da Venezuela". Ele fala sobre o que viveu, compartilhando esperanças e dramas, como os dos desaparecidos argentinos e sofrendo, ele também, a violência dos generais que o perseguiram.
Força revolucionária
"Hoje, eu gostaria de reencontrar a força revolucionária positiva desses povos nos nossos jovens, mas eles estão apagados...". Ele fixa nos olhos Benedetta, que tenta se defender e defender a sua geração: "Mas, Arturo, esse modo diferente de viver o Evangelho com leveza e ao mesmo tempo de forma extremamente profunda, como tu nos ensinaste, também já representa para nós uma pequena revolução...". Frei Arturo concorda.
Ele compreende as razões dos jovens de um Ocidente esvaziado e aniquilado, e mostra um pequeno livro. "No ano passado, eu escrevi este panfleto, La rinascita dell’Italia, em que denuncio o fato de que não se podem calar as graves responsabilidades da política, os roubos cometidos pelos dragões de uma classe dominante que não parece levar em conta a pobreza crescente do nosso povo. O desvio político, no entanto, é o espelho dessa moral... Nunca se viram, como hoje, tantas 'uniões' tão apressadas e que também se dissolvem depois muito rapidamente. A incapacidade de amar é o grande mal do ser humano".
Raciocínios "incômodos" também para aqueles que poderiam pensar que a sua "revolução" é um pouco relativista e barata. Frei Arturo se remete ao ensino de Teilhard de Chardin. "Devemos 'amorizar' o mundo", diz, enquanto acaricia a imagenzinha do seu Charles de Foucauld ("o dia 1º de dezembro – recorda – é o dia da sua morte"), em que está escrita a máxima: "Jamais avoir peur", nunca ter medo. "Sim, não devemos temer nem mesmo o 'vazio'". Frei Arturo lentamente se levanta e pede permissão para ir repousar um pouco no seu quarto.
Ele reaparece depois de meia hora e confessa: "Aprendi com Beethoven que, durante o dia, é necessário fazer pequenas paradas de sono... O meu tempo é repleto de leituras. Textos religiosos, certamente, mas também muita literatura, começando pelos meus amados sul-americanos, começando por Jorge Amado. O fato de escrever (a editora Aragno recém-republicou o seu Dialogo della libertà) e de ser considerado um intelectual, no início, foi um obstáculo para entrar na Congregação dos Pequenos Irmãos. Com eles, aprendi muito e, quanto mais sigo em frente, mais me convenço de que o cristianismo deve ser buscado no trabalho do agricultor. Como diz o meu amigo Ivo, pequeno irmão na comunidade de Spello: 'Digno de Cristo é quem afunda as mãos todos os dias na terra mãe".
No jardim do lado de fora da casa canônica, quem afunda as mãos na terra é Camillo, 84 anos – um dos "ex-jovens" do frei Arturo – juntamente com o jovem Valentin, filho de Paola, que lhe diz radiante: "Cultivamos de tudo. Em casa, temos tomates tão grandes quanto melancias".
Benedetta coloca a toalha, Paola serve a massa. São todas voluntárias, assim como "aquele anjo de Piera que aparece e desaparece em silêncio", diz frei Arturo, que nunca quis uma empregada, "porque até mesmo a melhor delas, com o tempo, se torna um triste subpadre. Muito melhor confiar na Providência".
É esta que leva muitos a subirem até aqui neste oásis de San Martino in Vignale, para falar e ouvir a sua voz que encanta com as homilias do domingo." Para mim, são uma ferida aberta. Depois de cada homilia, custo a me recuperar. E não porque agora trago um século sobre as minhas pobres costas, mas isso acontece desde quando o Cristo, o meu Amigo, começou a falar comigo. E tudo isso começou há muito tempo atrás...".
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O evangelho segundo o frei Arturo Paoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU