11 Outubro 2012
Após tornar-se mundialmente conhecido nos anos 1990 pelos best-sellers que esmiuçaram o conceito de inteligência emocional e suas aplicações na vida pessoal e no universo empresarial, o psicólogo americano Daniel Goleman, de 66 anos, não parou no tempo. "Minhas pesquisas sobre o cérebro e nossa vida emocional e social se aceleraram nos últimos anos", afirma na introdução de seu último livro, "O Cérebro e a Inteligência Emocional: Novas Perspectivas", de 2011, lançado agora no Brasil. Nesse livro, ele analisa descobertas mais recentes sobre as conexões neurais que moldam as emoções e as relações interpessoais e como é possível, pelo conhecimento do que ocorre no cérebro, adquirir habilidades e autocontrole que são atributos mais importantes para o sucesso do que o velho e contestado QI (quociente de inteligência).
A entrevista é de Martha San Juan França e publicada pelo jornal Valor, 11-10-2012.
Goleman também soma a sua voz à dos neurocientistas que vêm alertando sobre a necessidade de estudar os efeitos das redes sociais e da internet no cérebro. "Estamos no meio de um experimento global com nossas mentes - e os cérebros de nossos filhos", diz o psicólogo ao Valor. "Nunca antes na história humana tantos jovens passaram tantas horas olhando fixamente para uma tela, em vez de jogando ou brincando. A preocupação é que isso vai diminuir suas habilidades sociais à medida que o tempo passar."
Eis a entrevista.
O que as últimas pesquisas sobre o cérebro acrescentam sobre o que já se sabe sobre a inteligência emocional?
Nesse livro, eu foco uma ampla gama de novas descobertas científicas e suas implicações. Por exemplo, os processos que ocorrem no cérebro que dão origem a ideias criativas e como se pode nutri-los para que floresçam. Ou como as regiões do cérebro envolvidas na autoconsciência nos ajudam na tomada de decisões e como a capacidade de sentir o que os outros estão sentindo e pensando (empatia cognitiva, emocional e o que chamo de preocupação empática com o outro) interfere em cada situação.
Como as novas descobertas sobre o funcionamento do cérebro nos ajudam a controlar o estresse?
Primeiro, temos de compreender que não há como escapar completamente do estresse, faz parte da vida. Quando estamos estressados, o centro do alarme do cérebro é uma pequena estrutura chamada amígdala, conjunto de neurônios situado no sistema límbico que funciona como uma espécie de sentinela. Ela manda uma mensagem de crise para todas as partes do corpo e detona uma cascata de hormônios destinados a nos preparar para a emergência. Quem entende os mecanismos do cérebro envolvidos nessa situação aprende a reconhecer quando o alarme é acionado e tem menos chance de ser levado por essas emoções. Há grande vantagem nessa prática: ela permite refletir sobre como podemos mudar a relação com nossas experiências anteriores, não sermos pego pelo impulso, vermos a oportunidade de fazer diferente e ter uma escolha melhor.
É possível modificar tanto assim as nossas reações?
Sim, desde que a pessoa se esforce para isso. Uma das razões pelas quais as pessoas são atraídas pelo conceito de inteligência emocional é que essa é uma habilidade que pode ser aprimorada. As pessoas podem controlar suas emoções de modo a alcançar uma vida melhor e ser mais bem-sucedidas. É diferente, por exemplo, do QI, que é uma inteligência genética, imutável.
O senhor comemora em seu livro o fato de que a inteligência emocional é um conceito que já faz parte da cultura, sendo reconhecido como um ingrediente fundamental da liderança no trabalho e da vida plena. Como a inteligência emocional difere do quociente de inteligência?
O conceito de inteligência emocional significa ser inteligente em relação a nossas emoções - ter autoconhecimento (reconhecer um sentimento assim que aparece), controle dos sentimentos depressivos para que não nos afetem e dos positivos para que nos mobilizem, consciência social (empatia) e facilidade de relacionamentos. O QI se refere a habilidades cognitivas, como a rapidez com que podemos dominar e entender novos conceitos. Os dois tipos de inteligência são importantes, mas nos afetam de modo diferente. O QI prevê qual carga de complexidade somos capazes de assumir: é preciso ter um QI de cerca de 110 ou mais para ser um físico ou um executivo bem-sucedido. Mas o QI falha ao prever quem será o profissional mais eficiente e bem-sucedido. É aí que o QE (quociente emocional) importa mais. É a inteligência emocional que vai determinar se esse físico ou executivo é capaz de cumprir tarefas difíceis ou lidar com chefes e subalternos. Devo dizer, no entanto, que, infelizmente, o QE tem sido vendido por alguns consultores de negócios como algo que resolve tudo. Isso não é verdade. Ele não determina sozinho quem deve ser a melhor pessoa para um determinado trabalho, por exemplo. Para isso, é preciso considerar tanto a parte cognitiva quanto o perfil do QE da pessoa e avaliar que habilidades esse trabalho requer.
Muitos justificam o aumento da participação de mulheres em cargos executivos de grandes empresas argumentando que elas têm mais inteligência emocional do que homens. Estão certos ou é uma distorção do conceito?
Sim e não. Na média, as mulheres tendem a ter um QE mais elevado do que os homens nos testes realizados. Se você olhar nos detalhes, as mulheres tendem a ser melhores em empatia e habilidades sociais e os homens tendem a ter mais autoconfiança em muitas situações e em controlar emoções depressivas. Mas isso representa a média, que pode trazer distorções. Certos homens podem ter tanta empatia quanto a mais empática das mulheres e certas mulheres podem ser tão autoconfiantes quanto o mais autoconfiante dos homens.
Por que essa preocupação com as dificuldades de comunicação no mundo digital?
A inteligência social é a aplicação da inteligência emocional no mundo das relações interpessoais. É construída por meio da interação com os outros, desencadeia conexões neurais que moldam nossas emoções e ampliam o olhar acerca de nós mesmos e do mundo e a capacidade de lidar com as situações cotidianas. Ocorre que nunca antes na história humana tantos jovens passaram tantas horas olhando fixamente para uma tela, em vez de jogando ou brincando. A preocupação é que isso vai diminuir suas habilidades sociais à medida que o tempo passar. Teremos de esperar uma década para entender os custos humanos - se houver - dessa mudança em grande escala.
De que maneira a ausência de interação pessoal pode afetar a comunicação?
É preciso entender que a evolução desenhou o cérebro social para interações cara a cara (ou pelo menos a voz em uma chamada telefônica), da qual depende a nossa capacidade para a empatia. A internet bloqueia essa informação, o cérebro não tem nenhum feedback on-line. Ele não sabe como a outra pessoa está reagindo, por isso não consegue guiar a nossa resposta. Sem esse radar, a amígdala envia um sinal de crise que detona uma repentina erupção de raiva ou medo da qual as pessoas mais tarde se arrependem. Talvez as crianças no futuro desenvolvam mais empatia na web. Espero que isso aconteça!
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As novas conexões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU