21 Agosto 2012
A escolha de Paul Ryan como candidato à vice-presidência na chapa de Mitt Romney inaugura a era da política presidencial "pós-protestante": pela primeira vez na história, na chapa republicana, não há nenhum protestante, mas há dois católicos entre os quatro candidatos à presidência e à vice-presidência.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 18-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Não está claro se a escolha de Paul Ryan como candidato à vice-presidência na chapa de Mitt Romney fará bem ao Partido Republicano na perspectiva das eleições presidenciais norte-americanas de novembro próximo. Mas é claro que inaugura a era da política presidencial "pós-protestante": pela primeira vez na história, na chapa republicana, não há nenhum protestante (Romney é mórmon, Ryan é católico), não há nenhum protestante branco, mas há dois católicos (Biden e Ryan) entre os quatro candidatos à presidência e à vice-presidência.
O catolicismo de Ryan representa um fator de indubitável interesse e, certamente, animará o debate entre os católicos (nos EUA, mas talvez também na Itália) sobre a relação entre a doutrina social da Igreja, a economia e o papel do Estado e do governo. Se é verdade que o debate se deslocou agora do confronto entre Obama e Romney ao confronto entre Obama e Ryan, então também é verdade que, no palco da campanha presidencial, confrontam-se dois jovens políticos para os quais a visão que o catolicismo tem da sociedade é algo muito concreto.
A escolha de Ryan por parte de Romney chega quase como um momento supremo de uma discussão que nasceu em 2008, com a eleição de Obama (ex-community organizer da Chicago do progressista cardeal Bernardin), que foi acusado pela direita republicana de ser portador de uma visão "socialista" ou "europeia" (ou pior ainda) em uns Estados Unidos que eram identificados, ao invés, como a pátria da liberdade econômica.
A nomeação de Ryan mobilizou os católicos democratas e republicanos em um exame teológico minucioso das posições políticas do novo líder intelectual dos republicanos e, principalmente, do seu credo econômico. Os católicos democratas apontam o dedo contra o extremo individualismo econômico inspirado por parte do jovem deputado do Wisconsin no romance da emigrante russa Ayn Rand, Atlas Shrugged, e contra o "plano Ryan", que visa à redução do déficit e do orçamento federal.
Os católicos do GOP, por outro lado, tendem a minimizar a influência intelectual da ateia Ayn Rand e a apresentar como valores católicos aqueles impulsionados, ao menos nominalmente, pelo "plano Ryan": subsidiariedade e solidariedade. O palco dos intelectuais católicos que participam do debate vê prevalecer os católicos democratas, que podem desfrutar, ao menos no que diz respeito à crítica da visão econômica de Ryan, do apoio dos três principais jornais católicos norte-americanos: Commonweal, America Magazine e National Catholic Reporter.
Mas não só os intelectuais católicos liberais expressam dúvidas sobre a "catolicidade" da economia de Ryan: poucas semanas depois da publicação desse famoso "plano Ryan", em abril passado, a própria Conferência Episcopal dos EUA se expressou em termos muito críticos contra esse documento.
A escolha de Ryan como game changer por parte da campanha de Romney se apresenta como muito arriscada, porque corre o risco de afastar as simpatias não só dos sêniores que veem a sua aposentadoria em risco, mas também de muitos católicos, que são cada vez mais um swing vote, crucial especialmente em alguns Estados-chave do Centro-Oeste.
Bem-vindo é o fato de que o debate político, aos olhos do eleitorado católico, se deslocou das questões de "moral privada" (típicas do ex-candidato Santorum) como casamento gay, aborto e contracepção, para as questões de "moral social", como o governo da economia e do sistema de saúde.
Mas, nessa segunda tabela de questões, a chapa republicana se apresenta como mais controversa do ponto de vista da tradição católica: acima de tudo, a chapa Romney-Ryan, que se tornou moral e politicamente cada vez mais expressão do Tea Party, não oferece garantias particulares para os ativistas católicos pro-life, e representa cada vez menos um "catolicismo republicano" que se sente muito mais moderado do que o Partido Republicano na realidade o fez se tornar. Nos EUA, hoje, o único darwinismo que alguns católicos têm a coragem de defender é o social.
Torna-se difícil, agora, tanto para os bispos católicos, quanto para os zelosos advogados do catolicismo neoconservador, argumentar sobre a maior catolicidade de uma proposta de política econômica, a de Ryan, que foi quase universalmente estigmatizada pelos teólogos católicos norte-americanos, mesmo aqueles não próximos ao Partido Democrata. Ainda em agosto de 2011, os jesuítas da revista America haviam definido o catolicismo daqueles como Ryan de uma espécie de heresia "neoamericanista": uma excessiva concessão da cultura católica aos espíritos animais do capitalismo norte-americano.
É apenas uma das ironias da história o fato de que, nos Estados Unidos, muitos centros de estudo da doutrina social católica recebam o nome de Ryan: John Ryan, padre e teólogo católico da primeira metade do século XX, que, entre 1919 e os anos 1940, foi um dos pensadores da legislação sobre a economia e sobre o trabalho do New Deal de Franklin Delano Roosevelt.
Entre John Ryan e Ayn Rand, o jovem Paul Ryan optou pela romancista russo-americana, aquela que ousou dizer a um horrorizado William F. Buckley Jr., o santo padroeiro dos conservadores norte-americanos: "O senhor é inteligente demais para acreditar em Deus".
Sabe-se lá o que lhe diria o doctor angelicus São Tomás de Aquino, que, nos últimos dias, Ryan tentou acrescentar apressadamente ao seu panteão ao lado de Ayn Rand.
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Paul Ryan, o católico calvinista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU