Por: Cesar Sanson | 15 Agosto 2012
Desde a divulgação, há um mês, do documento da Suprema Corte da Suíça que comprova que o ex-presidente da Fifa, João Havelange, e o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, receberam propina da empresa suíça de marketing esportivo ISL para facilitar a aquisição de direitos de transmissão de partidas, um novo movimento político ganha força no Rio de Janeiro. Consequência da denúncia de que Havelange teria recebido indevidamente 1,5 milhão de francos suíços, nasceu e já tem muitos adeptos a ideia de trocar o nome do Estádio Olímpico João Havelange – o popular Engenhão – para Estádio João Saldanha.
A reportagem é Maurício Thuswohl e publicada pela Rede Brasil Atual , 14-08-2012.
O movimento se iniciou quando o Núcleo de Estudos e Projetos de Esporte e Cidadania, colegiado que debate e elabora políticas para o esporte há quatro décadas, lançou um abaixo-assinado na internet para pedir à prefeitura do Rio de Janeiro a troca do nome do estádio, que é administrado pelo Botafogo em regime de concessão. Em pouco tempo, a mobilização em torno do nome de Saldanha ganhou a adesão de jornalistas, políticos, advogados e botafoguenses ilustres. Apesar de nenhuma pesquisa ter sido ainda realizada, percebe-se nas ruas do Rio que também a torcida alvinegra apoia em peso a ideia da troca.
Profundo conhecedor da história do Botafogo e escritor de quatro livros sobre o clube da Estrela Solitária, Roberto Porto se diz favorável à ideia porque Saldanha, segundo ele, é um símbolo do Botafogo: “Desde o momento em que chegou ao Rio de Janeiro, vindo do Rio Grande do Sul, ele foi um homem sempre ligado ao Botafogo. Ele chegou a jogar algumas vezes pelo clube, mas realmente não era um jogador de futebol. Depois, ele se ligou ao clube de todas as maneiras possíveis e imagináveis, transformou-se em dirigente, foi técnico do time campeão estadual em 1957, reabilitando o Botafogo, que não era campeão estadual desde 1948. Foi sempre um defensor do Botafogo em todos os níveis”, diz.
Porto, companheiro de redação de Saldanha em “uma equipe gloriosa” no Jornal do Brasil na década de 1970, que contava ainda com outros renomados jornalistas botafoguenses, como Sandro Moreyra e Oldemário Touguinhó, ressalta que a ligação do “João sem Medo” com o Botafogo transcende as quatro linhas: “Como jornalista, o João cobriu as coisas ocorridas com o Botafogo e sempre escreveu defendendo o clube nos assuntos polêmicos. Nunca tentou esconder o fato de que era botafoguense. Nunca tentou disfarçar sua simpatia pelo clube que torcia – coisa que muitos jornalistas fazem hoje em dia e faziam também no passado. Era um homem extremado em relação ao Botafogo. A troca do nome do Engenhão seria uma homenagem fantástica a um dos maiores nomes da história do clube”, opina.
Sobrinho de Saldanha e integrante do Núcleo de Estudos e Projetos de Esporte e Cidadania, o historiador Raul Milliet Filho avalia que o nome do tio, que também foi técnico da Seleção Brasileira, é bem aceito também pelas outras torcidas do Rio de Janeiro e do país: “O nome de João Saldanha é supraclube. Ele teve grandes ideais em relação ao futebol, como a defesa da ética e do futebol-arte e o combate ao excesso de mercantilização”, disse, em entrevista ao jornal Lance!.
'De todas as torcidas'
Autor da biografia João Saldanha: Sobre Nuvens de Fantasia, o jornalista João Máximo, mais um que trabalhou ao lado de Saldanha no JB, também concorda com a mudança, mas faz uma ressalva: “Seria bem legal o Engenhão um dia vir a se chamar Estádio João Saldanha. Nenhum outro mereceria mais dar seu nome ao estádio do Botafogo. Por outro lado, acho que essa justa homenagem poderia acontecer mais para frente, em um momento oportuno, pois não é muito humano esse caráter de punição em relação ao João Havelange que o movimento pela troca adquiriu. Ele é um homem de mais de 90 anos e que atravessa dificuldades de saúde”, diz.
Outro biógrafo, autor de João Saldanha – Uma Vida em Jogo e co-autor – ao lado de Beto Macedo – do elogiado filme documentário “João”, o jornalista André Iki Siqueira se vale do Twitter para apoiar o movimento pela troca do nome do Engenhão: “Quero ler a manchete: o Engenhão trocou de João. Seria um justo acerto de contas da história”, escreveu. Siqueira, que é torcedor do Vasco, também acha que Saldanha agrada a todas as torcidas: “O Engenhão não é só do Botafogo, é do Rio e de todas as torcidas. João Saldanha era Botafogo e de todas as torcidas”.
Repúdio a Havelange
A força do movimento pela criação do Estádio João Saldanha cresce aliada a um sentimento de repúdio ao ex-presidente da Fifa: “O futebol, que é um dos pilares da nação brasileira, não pode ter em um dos seus maiores símbolos o nome de alguém que não tem mais credibilidade”, diz Raul Milliet Filho. Por sua vez, André Iki Siqueira é irônico: “Se for para deixar o nome do Havelange no Engenhão, poderiam também batizar um estádio de Demóstenes Torres e outro de Paulo Maluf”.
Roberto Porto lembra que Saldanha “não gostava de Havelange” e conta uma história curiosa: “Chamar o Engenhão de João Havelange é um absurdo, pois ele sempre se declarou torcedor do Fluminense. O Havelange nunca teve nada a ver com o Botafogo, apesar de ter jogado pólo aquático no antigo Clube de Regatas Botafogo (que se fundiu ao Botafogo Futebol Clube em 1942, dando origem ao atual Botafogo de Futebol e Regatas), já que o Fluminense não tinha na época esportes aquáticos. Mas o João [Saldanha] dizia que o Havelange detestava o Botafogo. Quando se fundiram os dois Botafogos, o João, que era da diretoria do clube de futebol, foi voto vencido. Sempre polêmico, ele dizia que era contra porque o Clube de Regatas Botafogo estava repleto de tricolores, entre eles Havelange”.
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A troca de nome do Engenhão para Estádio João Saldanha mobiliza o futebol do Rio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU