31 Julho 2012
"Para entender os atuais escândalos, é preciso compreender o funcionamento do Vaticano". O constitucionalista italiano Francesco Clementi, professor de direito público comparado da Universidade de Perugia e colunista da revista Il Mulino, dedicou à Santa Sé inúmeros ensaios.
A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 29-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor, em nível constitucional, o Vaticano é uma monarquia absoluta?
Se considerarmos a teoria sobre as formas de Estado e de governo, e os critérios e as características que, ao longo do tempo, a doutrina e o constitucionalismo delinearam, o Estado da Cidade do Vaticano certamente se enquadra no âmbito das chamadas monarquias absolutas, ou seja, daquelas formas político-jurídicas que se caracterizam por uma centralização inconteste, isto é, justamente, "absoluta" do poder, sem limites e garantias pré-constituídas. Tecnicamente, não há pesos e contrapesos que possam vincular juridicamente o poder e as ações do papa. O papa é, sob todos os efeitos, um monarca absoluto: livre para decidir, sem limites.
Qual a importância do secretário de Estado?
Os limites de operatividade do secretário de Estado vaticano estão estritamente definidos pelo mandato que ele recebe do papa e, obviamente, pela sua capacidade, dentro daquele perímetro de ação, para realizar ao máximo as vontades do papa. Nesse sentido, é realmente uma relação fiduciária de grande responsabilidade, baseada na máximo atenção, cuidado e proteção das vontades do pontífice. Por essa razão, a discricionalidade do papa na seleção e na remoção do secretário de Estado é máxima: como seu primeiro fiduciário e colaborador, o papa tem todo o direito de removê-lo quando quiser, livremente e de modo totalmente unilateral, ou seja, sem tem que envolver de jure nenhum sujeito, nem mesmo o Colégio Cardinalício. O melhor sistema de pesos e contrapesos continua sendo a capacidade (que um papa não pode não ter) de escuta e de atenta reflexão antes de decidir, com mais razão, se as escolhas papais são ajudadas e acompanhadas por conselhos adequados e desinteressados.
No episódio da demissão de Gotti Tedeschi do IOR, Bertone exerceu poderes que lhe competiam?
A minha avaliação a respeito nasce da leitura dos jornais e não se baseia, como conviria e seria de obrigação, na leitura dos documentos que depois levaram à demissão de Gotti Tedeschi. No entanto, também alinhado com o que eu dizia, a medida do comportamento do secretário de Estado, mesmo nesse caso, pode ser identificada exclusivamente no respeito ou não ao mandato recebido pelo papa. Só será possível entender melhor o episódio, que indubitavelmente fez muito mal para favorecer uma nova credibilidade internacional do Instituto para as Obras de Religião (IOR), lendo a documentação. O papa quis com grande força o compromisso de Gotti Tedeschi para favorecer o pleno e consensual ingresso do IOR no circuito bancário internacional, baseado, cada vez mais, em regras de transparência e de certificação, como indicam as características do Moneyval delineadas pelo comitê de especialistas do Conselho da Europa para a avaliação das medidas de luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, por exemplo.
O Vaticano está realmente se adequando às normas antilavagem de dinheiro?
A escolha do papa de favorecer a introdução no Vaticano de normas antilavagem de dinheiro nos moldes das normativas internacionais para favorecer a inserção do IOR na "lista branca" dos países "virtuosos" é um claro sinal da vontade do pontífice de superar as muitas resistências, presentes também na própria Igreja, que se aninham em muitas partes para apagar as regiões cinzentas do passado. O IOR não é um banco, mas sim um instituto privado, criado em 1942 pelo Papa Pio XII, que, com sede na Cidade do Vaticano, tem a tarefa de "prover a custódia e a administração dos bens móveis e imóveis transferidos ou confiados ao próprio IOR por pessoas físicas ou jurídicas e destinados a obras de religião e caridade". Nesse sentido, o Instituto pode aceitar depósitos de bens por parte de entidades e de pessoas da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano, conforme o que estabelece o seu estatuto. Para o ordenamento canônico, o IOR é considerado uma pessoa jurídica que desenvolve atividades financeiras e, portanto, é uma entidade pontifícia.
A quem o pontífice responde?
Na sua qualidade de soberano do Estado da Cidade do Vaticano, o papa não responde a ninguém. Em sua qualidade, ao contrário, de cúpula do credo católico, além de Deus, ele responde naturalmente a todos os fiéis, isto é, ao povo de Deus. A "máquina", tanto a do Estado da Cidade do Vaticano, quanto a da Santa Sé, pode frear e retardar decisões que não compartilha, colocando um pouco de areia no motor. É um modo totalmente fraudulento de trair a confiança papal e a obediência cega às suas decisões. Tais comportamentos não são improdutivos em termos de efeitos para os transgressores das vontades papais, tanto no plano do direito canônico como no plano do direito interno vaticano. Ao mesmo tempo – é esta é a práxis usual –, a estrutura institucional, e em primeiro os cardeais, pode dar a conhecer ao papa o seu próprio pensamento, mesmo discordante. É bem conhecido o uso de cartas privadas dirigidas ao papa para assinalar o próprio ponto de vista, com mais razão se ele tem como objetivo um problema grave que, na ótica do remetente, depende diretamente do papa. Do ponto de vista jurídico, ninguém tem poderes de controle com relação ao que é operado pelo papa. Do ponto de vista religioso, todos os cardeais, além de todos os fiéis, podem exercer uma espécie de "persuasão moral" com relação ao seu agir. Mas nada mais.
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Como funciona o Vaticano, segundo professor de direito público - Instituto Humanitas Unisinos - IHU