Por: André | 28 Julho 2012
“Ora, representar a crise é também tornar visível os mecanismos que produzem esta situação. Nesta área, a dificuldade é grande, porque a economia capitalista se apresenta mascarada: a acumulação de mercadorias é apenas um dos aspectos da sua dinâmica, a mais imediata. Igualmente importante é a circulação dos signos monetários e financeiros, porque são eles que fornecem a chave dos encadeamentos recessivos”, escreve André Orléan, em artigo publicado no jornal francês Le Monde, 19-07-2012. A tradução é do Cepat.
André Orléan é diretor de estudos da EHESS e presidente da Associação Francesa de Economia Política.
Eis o artigo.
O capitalismo é uma economia violenta e anárquica que tem por princípio o desejo ilimitado de enriquecimento dos indivíduos. Sua fórmula canônica é muito simples: dinheiro que produz mais dinheiro. Tal economia é feita de desequilíbrios. Sua trajetória no longo período consiste em uma sucessão desordenada de expansões e recessões.
A crise é este ponto paradoxal em que a busca do lucro deixa de ser uma força motriz e provoca o empobrecimento do maior número de pessoas, em decorrência das perdas de emprego ou da diminuição dos salários. É o que hoje a população grega conhece melhor que qualquer outra. Nesse sentido, não é difícil representar a crise econômica.
Muitos artistas, diretores de cinema ou escritores nos mostraram com talento o que é a vida cotidiana das pessoas durante estas recessões. Pensamos em As vinhas da ira, ou, mais recentemente, filmes/documentários, como Cleveland contra Wall Street, que nos faz descobrir a desolação dos subúrbios americanos entregues aos despejos, após a crise dos subprimes. No entanto, esta descrição nos oferece apenas um dos aspectos da crise, ou seja, a experiência das populações. Ela deixa na sombra as razões para o empobrecimento geral.
Ora, representar a crise é também tornar visível os mecanismos que produzem esta situação. Nesta área, a dificuldade é grande, porque a economia capitalista se apresenta mascarada: a acumulação de mercadorias é apenas um dos aspectos da sua dinâmica, a mais imediata. Igualmente importante é a circulação dos signos monetários e financeiros, porque são eles que fornecem a chave dos encadeamentos recessivos.
No entanto, isso não é fácil perceber. Por exemplo, entre o ponto mais alto em 2007 e sua diminuição em 2009, metade do mundo da capitalização bursátil mundial desapareceu, ou seja, uma perda de 25 trilhões de dólares. É, certamente, uma colossal destruição de valores, equivalente à metade da riqueza produzida em um ano em todo o mundo, ou dez vezes o produto interno bruto da França, mas não é tão evidente perceber o significado nem o seu alcance.
Visualizar uma curva sobre uma tela de computador é extremamente insuficiente. Trata-se de uma perda fictícia ou real? Não devemos acreditar que essa dificuldade poderia ter se originado na natureza racional do número, o fato de que nós, de repente, abandonamos o mundo dos afetos para entrar no mundo do cálculo. Nada mais falso do que isso. É preciso dizer, ao contrário, que o mundo da moeda e das finanças está saturado de afetos.
Em nenhum outro lugar, o desejo de enriquecimento se expressa de uma forma tão poderosa. O problema está no significado deste desejo, sua natureza enigmática. Na verdade, supõe-se que os indivíduos não desejam signos de riqueza, mas de mercadorias reais. Aí está toda a questão da representação da crise das economias de mercado: como representar o desejo de dinheiro por si só e suas brutais transformações? Como representar um desejo tão estranho, que não se assenta sobre o gozo de bens concretos, mas sobre um poder abstrato? Com efeito, reter a moeda permite que seu dono fique na expectativa, sem ter que escolher se quer consumir ou investir. Dizemos, então, no vocabulário econômico, que é “líquido”.
Quando os atores, como atualmente os bancos europeus, sentem uma forte desconfiança para com a economia real, procuram estar líquidos à espera de que as incertezas se dissipem. Neste sentido, a preferência pela liquidez é um barômetro da desconfiança dos investidores em relação à produção e seus perigos.
Mas quanto mais a maioria dos atores se refugiar na liquidez, tanto mais a atividade produtiva é pequena por falta de investimentos e de consumo. Assim, o 1 trilhão de euros que o Banco Central Europeu (BCE) emprestou aos bancos no começo de 2012 se transformou apenas parcialmente em créditos para a economia. Uma grande parte acabou em contas no BCE. Este é o mecanismo da crise. Se o desejo de enriquecimento repousasse unicamente sobre as mercadorias, alimentaria constantemente a procura de novos produtos, de tal sorte que nunca conheceríamos recessões. É a possibilidade oferecida pela liquidez de permanecer fora da esfera da produção de mercadorias que torna as crises possíveis. É isso que deve ser compreendido.
No fundo, o economista ou o artista encontram a mesma dificuldade quando se veem diante da necessidade de representar a crise. Eles precisam mostrar como uma abstração, o valor econômico, toma posse dos indivíduos, os assujeita à sua lógica: o desejo por dinheiro. Deve-se observar que esta tarefa, a de tornar o dinheiro desejável para fazer sobreviver a ordem mercantil, foi, em primeiro lugar, das sociedades mercantis em si. Basta ver a maneira como foram concebidas as notas ou as peças. Nelas estão inscritos símbolos poderosos, capazes de provocar sentimentos fortes, porque a moeda deve imperativamente aparecer como legítima.
Assim, a economia trata de representações, símbolos, afetos coletivos. A racionalidade fica em segundo plano. Os 15% de rendimentos exigidos pelos acionistas não são o resultado de uma análise racional. Trata-se antes de um projeto coletivo que visa mobilizar as energias dos proprietários em torno de uma certa concepção de valor econômico, com a finalidade de fazê-la prevalecer. Compreender o capitalismo e sua crise significa atualizar este jogo de representações. Neste plano, os economistas podem aprender muito com os artistas quando estes descrevem a lógica das paixões e das crenças.
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O dinheiro exalta o teatro das paixões. Artigo de André Orléan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU