23 Julho 2012
Evita discursa para mulheres em 1951: "É evidente [sua] influência nas dirigentes que atualmente desempenham funções em nosso país, entre elas a presidente", diz diretora de museu. Uma jovem Evita, interpretada pela atriz Julieta Díaz, afirma que "a morte prematura eterniza os romances", surpreendendo um Juan Domingo Perón, no início da carreira política, vivido por Osmar Núñez. A cena do filme "Juan y Eva", que estreou na Argentina no ano passado, mostra o início do relacionamento que acabaria por marcar a vida e a história política do país.
A reportagem é de Marina Mota e foi publicada no jornal Valor, 20-07-2012.
Às vésperas do 60º aniversário de sua morte, com apenas 33 anos, em 26 de julho de 1952, a frase não podia ser mais atual. Evita permanece viva como ícone nacional e recebe homenagens por toda parte na capital argentina. No marco de sua morte, será realizada uma missa no cemitério da Recoleta. O túmulo de Evita é um dos locais mais visitados pelos turistas.
Evita tornou-se o que nunca foi em vida: uma unanimidade. "Há seis décadas, ela era a divisora da sociedade em dois setores. Hoje é um fenômeno político e social compreendido, valorizado e reinterpretado por quase todos", afirma o analista político e diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, Rosendo Fraga.
No Museu Evita, há uma sala dedicada aos dois mitos criados em torno da sua figura no passado: o mito negro - fruto da rejeição da classe alta a uma filha ilegítima que começou a vida como atriz de cinema - e o branco - de uma mulher benevolente vista como santa pelos humildes. O acervo também reúne fotos, discursos, objetos pessoais e até livros e cartilhas escolares com frases como "Evita é nossa mãezinha", num prédio que foi sede de um abrigo mantido pela Fundação Eva Perón para mães e crianças carentes. É o museu mais visitado por estrangeiros na Argentina e, a partir de agora, pode ser conferido também pela internet por meio de um tour virtual.
Tanto o kirchnerismo quanto a oposição estimulam o culto. Neste ano, foram inaugurados mais dois espaços dedicados à memória de Evita. O Salão Eva Perón, na Casa Rosada, e o Vestidor de Evita, na Câmara de Vereadores de Buenos Aires, controlada pelos opositores. O local foi recuperado nos moldes em que era usado - com quarto de vestir, guarda-roupa e três banheiros -, quando ali funcionava a sede da fundação que ela presidia.
Ao fazer pronunciamentos na Casa Rosada, a presidente Cristina Kirchner usa como cenário maquetes de dois murais em homenagem a Evita, inaugurados no edifício do Ministério do Desenvolvimento Social, na avenida 9 de Julho, umas das principais artérias de Buenos Aires. Do lado sul do prédio, virado para a região mais pobre da cidade, o rosto de Evita aparece sorridente e sereno. Do lado norte, em direção à área nobre, a imagem é de uma Evita combativa. Dependendo do tom do discurso de Cristina, aparece uma outra imagem ao fundo, substituindo o quadro de Evita com Perón usado no primeiro mandato.
"Cristina é muito mais 'evitista' que peronista. Ela destaca o caráter mais radical e popular de Evita em oposição ao conservadorismo de Perón", disse o pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) e diretor do Centro de Investigações Políticas (Cipol), Marcos Novaro. Perón era um coronel que tinha apoio da Igreja Católica ao chegar ao poder e se aliou a caciques do interior. "Cristina se afasta de Perón, enquanto seus adversários dentro do oficialismo o reivindicam, mas todos coincidem com a figura de Evita", afirma Rosendo Fraga.
"É evidente a influência de Evita nas dirigentes mulheres que atualmente desempenham funções em nosso país, entre elas a presidente", afirma a diretora do Museu Evita, Natalia Nierenberger.
A historiadora e diretora do Conicet, Dora Barrancos, prefere descartar as constantes comparações entre Evita e Cristina. "Uma não tem nada a ver com a outra. Evita não existiria sem Perón. Cristina pode viver sem Nestor ou sem outra figura masculina", diz. Mas acredita que "a hostilidade de alguns setores da sociedade contra Cristina é um 'revival' da hostilidade contra Evita".
A influência de Evita é marcante também na vida cultural argentina. Atualmente, está em cartaz a peça "Inevitables, Pasión y Muerte de Eva Perón". Só no segundo semestre do ano passado, seis obras teatrais eram inspiradas na biografia dela. No cinema, além do já citado "Juan y Eva", esteve nas telas em 2011 a animação "Eva da Argentina". Entre os mais recentes lançamentos editorias, pelo menos três versam sobre Eva Perón: "Eva y Cristina", de Araceli Bellotta; "Evita", de Felipe Pigna; e "La Carne de Evita", de Daniel Guebel, que mistura ficção com fatos históricos. Na biblioteca do Museu Evita, estão catalogados cem livros sobre ela, além de cerca de mil que tratam do peronismo e a citam.
Para Guebel, o peronismo, do qual Evita faz parte, é o grande relato argentino, por isso continua servindo de inspiração. "Aqui as coisas se convertem em mitos. E os mitos duram mais do que deveriam", observa. E acrescenta: "Evita foi uma má atriz que encontrou na cena pública espaço para encenação. Seu papel foi de lutadora, benfeitora e de alguém que deu o sangue por amor ao povo. Ela encarnava o sonho das domésticas".
"Evita morreu muito jovem, numa atitude de hostilidade à oligarquia. Por isso, e pela sua biografia, os setores populares se veem mais espelhadas nela que em Perón", diz Dora Barrancos.
O rosto de Evita está nos suvenires vendidos aos turistas, em cartazes de movimentos sociais, nas manifestações públicas. No último congresso da principal central dos trabalhadores argentinos, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), no dia 12, um grande "banner" com o rosto de Evita enfeitava o palco onde os dirigentes discursaram. E altares de Evita fazem parte da decoração de bares e restaurantes temáticos peronistas em Buenos Aires.
Evita conheceu Perón em 1944, durante um show que reuniu diversos artistas para arrecadar fundos para a cidade de San Juan, destruída por um terremoto. Até sua morte por câncer no útero, em 1952, se converteu na primeira-dama mais popular do país, mantendo uma fundação de ajuda social com o próprio nome. Foi protagonista na conquista do voto feminino na Argentina e chegou a ser lançada como candidata a vice-presidente na chapa à reeleição do marido, em 1951. Mas renunciou, pouco depois.
O funeral de Evita durou duas semanas e levou milhões de pessoas às ruas. O seu cadáver embalsamado foi sequestrado após um golpe militar no país, enterrado na Itália e só 24 anos depois colocado no túmulo da família paterna na Recoleta. A cidade de La Plata - capital da província de Buenos Aires - chamava-se Eva Perón, quando ali nasceu Cristina Kirchner, em 1953.
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Evita, sempre um mito duplo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU