Por: Jonas | 27 Junho 2012
“O que aconteceu no Paraguai, na sexta-feira passada, com o julgamento político de Lugo, foi produto de um estado de choque”. Esta é a opinião do pesquisador Rocco Carbone, em artigo publicado no jornal Página/12, 25-06-2012. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
1844: Francisco Solano López lê os manuscritos de um tal Karl Marx. Londres, em dezembro. Frio, então: janta com Elizabeth Lynch, sua amante irlandesa, e o tal Marx: sopa de galinha. Num momento desse velho ritual, Marx olha para Elizabeth e cochicha: “Você, que terá filhos paraguaios, deve saber: o futuro da América Latina será socialista”. Refere-se, evidentemente, a este século XXI. López, que é meio sansimoniano, irrita-se com a insolência de Marx e este, dando-lhe umas palmadinhas, o tranquiliza: “Não se preocupe, marechal. Depois de tudo, o que pode ser pior do que Stroessner?”
Nesta anedota – que tomo do romance paraguaio “O inverno de Gunter” (1987) – a clarividência de Marx não chega até Franco. O “Federico”, tal como é chamado no reduzido circulo político paraguaio: “Federico presidente”, anunciava a página do “Ultima Hora”, ontem.
O golpe institucional de Franco, no Paraguai, tem implicado a ruptura da ordem democrática, não como nas ditaduras clássicas, mas por meio de golpes parlamentares (eco da “ditadura” do capital, do narcotráfico, da violência). Acionado por um julgamento com menos de 48 horas, que reatualizou uma grande constante dentro da história política paraguaia: o trauma. O que aconteceu no Paraguai, na sexta-feira passada, com o julgamento político de Lugo, foi produto de um estado de choque. Um trauma que chocou um importante e amplo setor da cidadania: verificável na sexta-feira, na Praça das Armas, diante do Congresso, composta majoritariamente por organizações campesinas, por jovens e por uma solta e fragmentada classe média. Um trauma que reatualiza os fantasmas de um regime político como o stronato ou, mais adiante, o março paraguaio de 1999.
O pretexto para acionar o julgamento sumário, contra o presidente institucional, foi a matança de seis policiais e onze camponeses, em Curuguaty (Departamento de Canindeyú), num conflito desencadeado por terras ilegais, por um colorado-stronista: Blas N. Riquelme. Pretexto muito próximo ao complô – bastante ensaiado – já que, depois que Lugo assumiu, os colorados o ameaçaram de destituição parlamentar em 23 ocasiões, que até agora não tinha se concretizado por falta de respaldo do PRLA (Partido Liberal Radical Autêntico) de Franco.
Uma conspiração calculada, com uma nota ajustada em termos de temporalidade política: após assumir, as ações de Franco foram tão precisas que dava a impressão que media o tempo em fração de segundos. Conspiração dirigida de antemão, dando por assentada a sentença a Lugo, inclusive, antes que a defesa completasse sua exposição para um Senado desprovido de argumento e (quase) de discurso. As articulações foram colocadas em evidência por Adolfo Ferreiro, um dos defensores do presidente no Senado, que é formado por colorados, liberais, oviedistas e patriaqueridistas, que condenaram Lugo devido a um suposto mau desempenho em suas funções, destituindo-lhe do cargo.
Após a destituição do mandatário, em 30 minutos tudo já estava pronto para que Franco fizesse o juramento. Pela força dos fatos, os primeiros dois atos do novo mandatário foram: primeiro, reprimir com gases lacrimogêneos a manifestação pacífica na Praça das Armas e, segundo, atropelar a TV Pública via um interventor – Cristian Vázquez -, que exigiu de seu diretor, Marcelo Martinessi, a grade de programação: “do presidente da República”. Gestos simbólicos da ideologia deste novo governo.
Neste contexto, o erro político de Lugo talvez tenha sido não apelar às instâncias que poderiam ser oferecidas pela política internacional – a presença dos chanceleres da Unasul, reforçada, eventualmente, pelos presidentes reunidos no Brasil - e acatar a Constituição, fato em si saudável e representativamente positivo, mas cuja interpretação foi realizada por subjetividades políticas tendenciosas, que praticaram uma “execução sumária”. Subjetividades que desde sexta-feira espalham aos quatro ventos o fato de que realizaram uma mudança absolutamente constitucional e ajustada à lei e, paradoxalmente, de forma pacífica.
O julgamento político de Lugo e a ascensão de Franco alteraram nuclearmente o equilíbrio atual do sistema político paraguaio. O PRLA abandonou as negociações com a Frente Guazú, concentração de partidos de (centro) esquerda e, após 72 anos – desde Estigarribia -, voltou a estar na cúpula do sistema (dividida com o Partido Colorado, que governou com hegemonia absoluta até Duarte Frutos). O PRLA que agora (e provavelmente em face de 2013) estreita suas relações com a União Nacional de Cidadãos Éticos, de direita, fundada por Lino Oviedo, militar golpista; além, também, do pacto, em conversação, com o Pátria Querida em vista da formação de uma frente que apresente um candidato para enfrentar ao coloradismo, nas próximas eleições presidenciais.
Na curva do caminho, existe uma eleição presidencial, em apenas 9 meses: para capitalizar a experiência política luguista, que quebrou a hegemonia colorada (mérito inegável), e fazê-la pesar na dialética paraguaia, seria necessário minar a ambiguidade e os meios-tons. Inclinar a balança – com sagacidades, discussões e outras paciências que coloquem a reforma agrária no centro da agenda política, sem o assistencialismo Tekopora [Programa de transferência de renda] – para uma esquerda de perfil nítido, com vontade de poder. Que se preocupe, também, em operar politicamente em termos de negociações efetivas, com representação nas câmaras. Recuperar o que foi (o passado) a partir de 2008, para garantir a governabilidade num futuro próximo e que a política paraguaia não volte ao seu antigo sistema de predominância.
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A reatualização do trauma paraguaio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU