18 Junho 2012
Eu desconfio da ciência e da tecnologia quando manifestam um complexo de superioridade culminante em uma espécie de ciúmes autárquico, que pode ser resumido assim: os cientistas têm o poder de intervir sobre a natureza humana, a humanidade deve se confiar a eles porque, graças a eles, a sua vida será melhor.
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, em artigo para o jornal La Repubblica, 12-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Eu não olho com desfavor para o progresso científico, de cujos benefícios eu gozo como ser humano e cujas aquisições teoréticas eu busco introduzir na minha modalidade de ver o mundo (filosofia e teologia) e cultivar a dimensão contemplativa da vida (espiritualidade). Mas desconfio da ciência e da tecnologia quando manifestam um complexo de superioridade culminante em uma espécie de ciúmes autárquico, que pode ser resumido assim: os cientistas têm o poder de intervir sobre a natureza humana, a humanidade deve se confiar a eles porque, graças a eles, a sua vida será melhor.
Eu fiz essa reflexão lendo o artigo de Umberto Veronesi que falava sobre o futuro que nos espera. Ele reconhece que, diante dos cenários abertos pela ciência e pela tecnologia, "hoje, estamos, acima de tudo, deslocados ética e juridicamente", mas ele sugere que já não é mais possível voltar atrás e afirma: "A incerteza é apenas quando e como, e o desafio é fazer com que ela seja realizada em pura vantagem do ser humano".
Voltarei depois sobre o que quer dizer e que consequências teoréticas tem esse "em pura vantagem do ser humano". Não é tão óbvio quanto parece. Primeiro, é oportuno ver o que nos espera, isto é, o que Veronesi define como sociedade nanocientífica. Pegue um milímetro e imagine dividi-lo um milhão de vezes. A sua mente não consegue, mas a tecnologia, sim. Daí algumas das maravilhas das quais que em breve poderemos dispor: vernizes repletos de invisíveis painéis solares para pintar as casas, microespiões espalhados pelos ambientes com um simples jato de spray, micro-orgânulos no sangue para "correr três horas sem respirar".
Esses são apenas alguns exemplos: não há lugar no nosso corpo onde não possam ser inseridas nanocélulas que megapotencializem o desempenho. "Viva", gritam todos nesse ponto, e o que mais pode ser dito visto que tudo é "em pura vantagem do ser humano"?
Mas a pergunta é: qual é a pura vantagem do ser humano e quem o estabelece? Correr três horas "sem respirar" é uma vantagem? Na realidade, de um homem que corre sem respirar, a um homem que fala sem pensar, a um homem que vive sem amar, o passo não é tão longo. Einstein escrevia no seu testamento espiritual: "Devemos aprender a pensar de uma maneira nova: devemos aprender a nos perguntar não quais passos podem ser dados... mas sim quais passos podem ser dados para impedir uma competição militar cujo resultado seria desastroso para todas as partes".
Einstein se referia à guerra atômica, mas o que conta é a sua visão geral de uma pesquisa científica guiada pela ética, totalmente oposta com relação ao teorema segundo o qual "se algo é cientificamente pensável, antes ou depois alguém irá realizá-lo". Na realidade, absolutamente não é assim. Hoje, a ciência é uma obra coletiva, que precisa de imensos financiamentos públicos e, portanto, de apoio político, de modo que a comunidade humana possa decidir que algo cientificamente pensável nem por isso deve ser realizado. O otimismo científico não era compartilhado por Einstein, segundo o qual "aqueles que mais sabem são os mais pessimistas".
Não se trata, obviamente, de cultivar o pessimismo como fim em si mesmo, muito menos a desconfiança na inteligência humana. Trata-se apenas de ter uma lúcida consciência da grandeza do que está em jogo e do fato de nunca poderá ser apenas a ciência que estabeleça a "pura vantagem do ser humano".
Qual seria, de fato, essa pura vantagem? Temos certeza de que ela consiste apenas em um padrão predefinido de saúde física e mental que é o único parâmetro que pode ser oferecido pela ciência? Digo isso sem a menor dúvida da importância da saúde física e mental. Eu lecionei por sete anos na San Raffaele, em Milão, onde (apesar de tudo o que surgiu depois) a estrela polar sempre foi dada pela unidade de corpo, psique e espírito.
Eu não posso deixar de ver, porém, o perigo de uma "sociedade nanocientífica", que imponha a todo indivíduo um padrão de saúde física e mental predefinido invadindo-o desde pequeno com micro-orgânulos, um padrão com base no qual Michelangelo e Leopardi sempre estariam de bom humor, Nietzsche não teria enlouquecido, Van Gogh não teria cortado a orelha, Tolstói teria morrido entre os lindos lençóis de sua casa, e todos teriam feito jogging todas as manhãs depois de um café da manhã a base de cereais norte-americanos rigorosamente transgênicos.
Veronesi abria o artigo escrevendo que, diante do avanço triunfal da tecnologia, "as religiões resistirão", evidentemente, porque, para ele, existe um conflito estrutural entre pesquisa científica e religiosidade. Mas eu quero recorrer mais uma vez a Einstein: "A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega". Certamente, não são poucos os grandes cientistas prontos a reconhecer os limites da ciência e a necessidade de um diálogo construtivo com as sabedorias espirituais da humanidade.
Além disso, que o nosso tempo necessitaria de homens de fé capazes de conduzir verdadeiramente esse diálogo – enquanto, ao contrário, a estrutura da Igreja atual é feita de tal modo a marginalizar pensadores proféticos como Raimon Panikkar e Hans Küng e a promover desoladores yes-men prontos a se transformar em corvos – é toda uma outra dolorosa questão.
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O futuro do ser humano não está só na ciência. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU