16 Abril 2012
Existe uma outra Internet. Paralela e anônima. Onde está o Silk Road, "o site que não existe" para ser acessado com procedimentos clandestinos. E onde com os bitcoins, as moedas virtuais, pode-se comprar qualquer coisa. Do ecstasy às armas. Porque nada é proibido na dark web, nascida para ser livre e pirata, mas que cresceu dentro dos limites do crime. Para entrar, é preciso instalar o Tor, o software gratuito e o instrumento que nos torna "invisíveis".
A reportagem é de Riccardo Luna, publicada no jornal La Repubblica, 11-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu vi um site que vocês, humanos, não podem nem imaginar. Eu vi o Silk Road. Não é a nova Rota da Seda. É o maior mercado negro do mundo. O lugar para comprar todos os tipos de drogas. E documentos falsos. E pornografia. Com absoluta segurança. Anonimato total. Ninguém sabe quem faz o quê. Ninguém sabe o que você está fazendo. Mas esse site não existe. Se você digitar o seu endereço na na barra do seu navegador – uma série infinita de letras e números, sem nenhum sentido aparente – ou perguntar ao Google ou a outro motor de busca, a resposta será sempre a mesma: esse site não existe.
Errado. Seria mais correto dizer: desculpe-nos, não sabemos onde ele está, porque ele está naquela ilimitada zona obscura da rede onde apenas os mais espertos chegam. Os temerários. Os amantes da liberdade a custo de vida. E os contrabandistas de todos os tipos.
"O lado escuro da Internet é não tê-lo", disse uma vez Nicholas Negroponte, o guru da cultura digital. Ele tinha razão. Mas só porque ele ainda não tinha visto a dark web. Sob a superfície de bilhões de sites em que podemos navegar, há muitos mais onde ninguém sabe o que acontece.
Para as polícias de todo o mundo, eles são impenetráveis: mesmo admitindo-se que sejamos capazes de entrar, a sensação é de participar de um baile de máscaras de fantasmas. Quem prender e como? Não se trata de um fenômeno pequeno, ao contrário. Há dez anos, se dizia que a dark web era 500 vezes maior do que a World Wide Web que conhecemos. Desde então, ninguém mais se arriscou a fazer cálculos de uma realidade que ainda é impossível de decifrar.
Foi um amigo, que frequenta um grupo de hackers, que me deu a informação certa: "Você sabia que existe uma outra Internet?". O pensamento logo se dirigiu para as recentes revoluções no Egito e na Tunísia e, em 2009, para a revolta dos iranianos sufocada com sangue: já naquela época se falava de uma rede paralela onde os ativistas podiam se comunicar sem serem interceptados pelas forças policiais. Essa Internet paralela é fundamental, porque ser identificado significa ser torturado e morto.
Por isso, em junho passado, o governo Obama decidiu financiar com dois milhões de dólares um projeto chamado Internet in a suitcase, uma rede paralela à disposição dos dissidentes de todo o mundo. "Não, não falo dessas coisas aí. Falo do paraíso do comércio de drogas. De todas as drogas que existem. E da pornografia infantil, infelizmente. Coisas fortes, imagens terríveis de crianças. Melhor que você não as veja. Confie em mim. Mas se você realmente quiser ir, ao menos crie um e-mail falso, e eu explico para você como fazer".
Criar um e-mail falso é o mínimo. O que é realmente necessário fazer para navegar na outra Internet é instalar no seu computador o Tor: um software gratuito que permite o acesso a uma rede paralela, impossível de ser vigiada. Inicialmente, ele foi desenvolvido, a partir de 1995, como um projeto da Marinha dos EUA para impedir que as conversas do governo fossem interceptadas pelo inimigo.
Com essa proteção, ninguém pode saber quem está falando com quem. As redes desse tipo são chamadas de "roteamento-cebola", onion routing, e, na verdade, o símbolo do Tor é uma cebola. E muitos sites desse universo paralelo, em vez de terminar com o sufixo ponto-br ou ponto-com, têm o ponto-onion.
O projeto Tor não é nada visionário: em 2004, foi financiado pela Electronic Frontier Foundation, um dos baluartes da liberdade na web; em 2007, pelo Human Rights Watch; e até mesmo pelo Google, de 2007 a 2011. Neste ano, ao lado de uma misteriosa organização não governamental norte-americana que doou mais de um milhão de dólares, o apoiador mais importante é o BBG, o Broadcasting Board of Governors, agência federal que representa as emissoras como a Radio Free Europe, Voice of America, Office of Cuba Broadcasting.
Em suma, por trás do Tor não há uma gangue de terroristas. Porque o Tor é um instrumento para se tornar invisível: você pode usá-lo pela liberdade. Ou para vender cocaína e bombas.
A instalação do software leva poucos segundos. Quando termina, na barra de navegação do computador, aparece uma cebola estilizada. Inserido o endereço certo (se você não o tiver, não há nenhum lugar para onde você possa ir), depois de um laborioso processo de registro, chega-se ao Silk Road, que se define como um anonymous marketplace. Aqui, o símbolo é um beduíno que cavalga um camelo. E, entrando, logo se entende que o prato principal do site não é a seda, mas sim as drogas. Parece que estamos na Amazon ou em qualquer outro site de comércio eletrônico: só que, em vez de livros e discos, há as fotos de vários tipos de drogas. Haxixe, cocaína e heroína.
O item mais vendido é o MDMA, mais conhecido como ecstasy. O fato de o MDMA ser um best-seller não é uma suposição de quem navega, porque há um ranking dos produtos mais vendidos. Assim como no iTunes. Do mesmo modo, quem compra pode fazer uma avaliação do produto, "isso é realmente fantástico!", e dar uma pontuação ao vendedor, "eu aconselho isso para você, é um traficante de drogas muito inteligente".
Mas essa não é a loja da Apple, evidentemente, mesmo que as lógicas com as quais ele está organizado sejam as mesmas. Por exemplo, as categorias: cerca de 20. Não só drogas, enfim. Os rankings dos produtos mais solicitados ajudam a entender um pouco mais quem são esses clientes anônimos. Entre os aparelhos elétricos, o número um é a antena Yagi para a recepção de transmissões de banda larga. Na seção de vídeos, domina o Dirty Pictures, filme sobre o doutor Shulgin, o químico que teria descoberto os efeitos de muitas drogas psicodélicas. Entre os livros, o primeiro da lista é o guia para seduzir mulheres desconhecidas Get Laid, para levá-la para a cama. Mas o livro de receitas culinárias com a “cannabis” também tem força.
Há muito um grande catálogo de produtos de marca falsificados, em que o óculos Gucci batem os RayBan, mas essa não parece ser uma boa notícia. Há quem venda guitarras elétricas usadas. E quem forneça o kit para fazer documentos falsos (mas o máximo nessa categoria é uma réplica perfeita de um passaporte do Reino Unido).
O sexo é um capítulo importante, naturalmente, perdendo apenas para drogas: na lista dos "dez mais", vários títulos prometem vídeo com menores, os teenagers. Aqui não há qualquer vestígio de crianças. Não é por acaso. Em outubro passado, os hackers do Anonymous, que derrubaram os sites de meio mundo, entraram na dark web e mandaram aos pedaços o Lolita City, o pior site de pornografia infantil em circulação. Um sinal muito claro.
No fundo, o Silk Road tem uma ética própria. E ele a ostenta. "Não se comercializa nada que possa fazer mal aos outros", é a promessa. As drogas são uma outra história, dizem, são um fato de liberdade.
Todo o mercado não funciona em dólares ou em euros, é claro: funciona com bitcoins: uma das moedas alternativas nascidas na web mais conhecidas. São produzidos automaticamente por uma rede de computadores voluntários com base em um algoritmo desenvolvido em 2009 por um misterioso japonês que depois desapareceu no nada, Satoshi Nakamoto.
Desde então, com altos e baixos, os bitcoins tornaram-se uma verdadeira moeda para as transações online: hoje, estão em circulação cerca de oito milhões com um câmbio oficial: um bitcoin vale cerca de 3,8 euros [pouco mais de 9 reais].
Portanto, a segunda coisa a se fazer para permanecer no Silk Road, depois de se ter instalado o Tor, é abrir uma conta em bitcoins em um dos muitos sites que os distribuem. As vantagens são inúmeras: acima de todas, o anonimato das transações. Quem as gerencia defende que, na realidade, a polícia, se quisesse, poderia chegar até quem comprou e vendeu, já que todos os movimentos dessa moeda alternativa são rastreadas por um servidor.
Por sua vez, no Silk Road, reafirmaram que todas as vezes que os seus clientes concluem um negócio, os servidores enviam muitas operações falsas ao mesmo tempo, tornando praticamente impossível chegar aos verdadeiros protagonistas.
Mas quem está por trás do Silk Road? Aparentemente, uma pessoa que assina como Dread Pirate Roberts, o terrível pirata que não fazia prisioneiros no filme A Princesa Prometida. É ele (ou ela) que anima o fórum oficial. Que chama de "nossos heróis" os vendedores que assumem riscos enormes para fazer funcionar o mercado. E, acima de tudo, que dá o sentido político a essa operação.
Ele escreve, por exemplo: "Independentemente das suas motivações, se você está aqui, você é um revolucionário. As suas ações trarão satisfação para aqueles que por muito tempo foram oprimidos. Você deve ficar orgulhoso e manter a cabeça erguida".
No dia 9 de janeiro, imitando o Discurso sobre o Estado da União do presidente dos EUA, o Pirate Roberts emitiu um discurso sobre o Estado da Estrada. Depois de ter contado quantas coisas haviam sido feitas em um ano, apesar de ter a polícia de meio mundo nos seus calcanhares, ele anunciou uma verdadeira revolução: o corte das comissões sobre todas as transações, "6,23% é demais, eu admito".
Há alguns dias, o anúncio mais importante: a partir de uma grande demanda, nasceu o The Armory, uma nova subempresa "para vender armas de pequeno porte para a defesa". Nos últimos dias, havia uma verdadeira loteria: quem tinha o bilhete premiado, ganhava uma Colt.
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