26 Março 2012
"Uma amizade duradoura e fiel sempre foi uma grande honra". Publicamos aqui o diálogo entre o cardeal Carlo Maria Martini e o senador do Partido Democrático italiano Ignazio Marino no livro Credere e conoscere [Crer e conhecer].
Eles abordam questões ligadas à vida, à sexualidade e à fé. O purpurado defende "o matrimônio tradicional com todos os seus valores", mas admite: "Não compartilho as posições daqueles que, na Igreja, criticam as uniões civis".
O trecho do livro foi publicado no jornal Corriere della Sera, 23-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o diálogo.
Ignazio Marino – A propósito das mudanças sociais e culturais com as quais nos enfrentamos nesta nossa época, também se apresenta naturalmente, nesse ponto, a questão da homossexualidade. Parece-me que a hipótese da possibilidade de uma separação completa entre sexualidade e procriação leva a nos interrogarmos também sobre esse ponto.
Carlo Maria Martini – Levando em conta tudo isso, gostaria também de expressar a minha avaliação sobre o tema da homossexualidade. É difícil falar dele com poucas palavras, porque hoje ele assumiu, principalmente em alguns países ocidentais, um relevo público e assumiu como suas aquelas suscetibilidades que são próprias dos grupos minoritários, ou que assim se acreditam, e que aspiram a um reconhecimento social. Daí podem ser entendidas (não necessariamente aprovadas) certas insistências que, em um primeiro momento, poderiam parecer exageradas – penso, por exemplo, em manifestações como a Parada Gay –, que eu só consigo justificar pelo fato de que, neste particular momento histórico, existe, para esse grupo as pessoas, a necessidade de autoafirmação, de mostrar a todos a própria existência, mesmo às custas de aparecer excessivamente provocadores.
Pessoalmente, considero que Deus nos criou homem e mulher, e que, por isso, a doutrina moral tradicional conserva boas razões sobre esse ponto. Naturalmente, estou pronto para admitir que, em alguns casos, a boa fé, as experiências vividas, os hábitos adquiridos, o inconsciente e, provavelmente, também uma certa inclinação natural podem levar a escolher para si um tipo de vida com um parceiro do mesmo sexo.
No mundo atual, tal comportamento não pode ser, por isso, nem demonizado nem ostracizado. Estou pronto até para admitir o valor de uma amizade duradoura e fiel entre duas pessoas do mesmo sexo. A amizade sempre foi tida em grande honra no mundo antigo, talvez mais do que hoje, embora ela fosse amplamente entendida no âmbito daquela superação da esfera puramente física da qual eu falei antes, para ser uma união de mentes e de corações. Se ela for entendida como doação sexual, então não pode, a meu ver, ser elevada a modelo de vida, como pode ser uma família bem sucedida. Esta última tem uma grande e incontestável utilidade social. Outros modelos de vida não podem sê-lo da mesma forma e, principalmente, não devem ser exibidos de modo a ofender as convicções de muitos.
Ignazio Marino – Não se pode ignorar, contudo, que as uniões de fato, incluindo aquelas entre pessoas do mesmo sexo, são uma realidade do nosso tempo, embora em muitos países não sejam reconhecidas. Consequentemente, a casais unidos por um sentimento de amor são negados alguns direitos fundamentais, por exemplo a possibilidade de uma assistência ao próprio companheiro ou companheira internado no hospital, a partilha de contratos de seguro, até a exclusão da herança dos bens adquiridos juntos ou compartilhados durante a vida e assim por diante.
Eu não entendo por que o Estado encontra dificuldades para reconhecer tais uniões, mesmo respeitando o papel fundamental da família tradicional para a organização da sociedade, e por outro lado custo a compreender por que a maiores resistências vêm da Igreja Católica, que, ao menos na Itália, se mostra muito pouco tolerante com relação à ideia de ampliar os direitos a todas as uniões. Por que tanta contrariedade, a julgar pelo pensamento que é comumente difundido e divulgado?
Carlo Maria Martini – Eu acredito que a família deve ser defendida, porque é realmente o que sustenta a sociedade de modo estável e permanente, e pelo papel fundamental que ela exerce na educação dos filhos. Mas não é ruim, em vez de relações homossexuais ocasionais, que duas pessoas tenham uma certa estabilidade, e, portanto, nesse sentido, o Estado também poderia favorecê-las. Não compartilho as posições de quem, na Igreja, critica as uniões civis.
Eu apoio o matrimônio tradicional com todos os seus valores e estou convencido de que não deve ser posto em discussão. Se, depois, algumas pessoas do sexo diferente ou mesmo do mesmo sexo aspiram a firmar um pacto para dar uma certa estabilidade ao seu casal, por que queremos absolutamente que assim não seja? Eu penso que o casal homossexual, enquanto tal, jamais poderá ser equiparado totalmente ao matrimônio e, por outro lado, não acredito que o casal heterossexual e o matrimônio devem ser defendidos ou reafirmados com meios extraordinários, porque se baseiam em valores tão fortes que não me parece ser necessário uma intervenção de proteção.
Também por isso, se o Estado concede qualquer benefício aos homossexuais, eu não criticaria muito. A Igreja Católica, por sua vez, promove as uniões que sejam favoráveis à continuação da espécie humana e à sua estabilidade, mas não é justo expressar qualquer discriminação para outros tipos de uniões.
Ignazio Marino – Com certa frequência, ouvimos declarações públicas, incluindo de homens e mulheres que ocupam cargos institucionais, que defendem como a homossexualidade está, de algum modo, correlacionada com a pedofilia. No dia 13 de abril de 2010, em uma entrevista a uma rádio chilena, o cardeal Bertone, secretário de Estado do Vaticano, afirmou: "Inúmeros psiquiatras e psicólogos demonstraram que não existe relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros – e isso também me foi confirmado recentemente – demonstraram que existe uma ligação entre homossexualidade e pedofilia". É preciso lembrar que o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, explicou depois que o secretário de Estado do Vaticano se referia "à problemática dos abusos dentros da Igreja e não na população mundial".
São afirmações que desorientam. Ainda em 1973, a American Psychiatric Association indicou que a homossexualidade não é uma patologia psiquiátrica, mas sim uma orientação normal da sexualidade humana, alternativa à prevalecente heterossexualidade. É também bem conhecido que a Organização Mundial de Saúde reafirmou claramente o mesmo princípio no dia 17 de maio de 1990. Portanto, a ciência já deixou claro que a homossexualidade não é uma doença, não é um comportamento anômalo, e os homossexuais devem ser respeitados, têm os mesmos direitos que os heterossexuais e não devem ser discriminados.
Ao contrário, a pedofilia é uma patologia psiquiátrica, e os pedófilos representam um gravíssimo perigo social. Infelizmente, nos últimos anos, surgiram muitos dados que ilustram como um crime tão horrível e repugnante como a pedofilia encontrou espaço dentro da Igreja.
Carlo Maria Martini – Vou me limitar a lembrar que, nesse caso, há um engano e uma violência que são usados contra quem é incapaz de se defender, mesmo que pareça consensual. Além disso, faz-se um dano incalculável, cujas consequências poderão durar toda a vida. Por isso, a opinião pública, geralmente tão permissiva, acompanhou com horror esses acontecimentos. Em alguns, havia depois o agravante de um pacto ao menos implícito, em que se expressava a confiança dos pais e que era violado por aqueles que deveriam educar as crianças.
Foi com muita dor que vimos que até mesmo alguns sacerdotes e religiosos estavam envolvidos nesses episódios. Mas aprendemos com a experiência que é preciso ser inflexível na identificação oportuna daqueles que têm a inclinação para tal patologia tão perigosa e rigoroso ao excluí-los logo da vida sacerdotal e da consagração religiosa. Tais pessoas deveriam ser submetidas a tratamentos psicológicos.
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O valor do vínculo entre pessoas do mesmo sexo. A opinião do cardeal Martini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU