21 Março 2012
O líder da dissidência católica em Cuba, Oswaldo Payá Sardiñas, se diz "decepcionado pela hierarquia católica cubana". Mas irá acompanhar o papa: "Temos uma imensa necessidade de verdade".
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 19-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os primeiros mártires cristãos deviam se assemelhar a Oswaldo Payá Sardiñas: resignados a suportar qualquer destino, mas determinados a nunca baixar a cabeça e renunciar ao testemunho da sua fé. Assim, há mais de 20 anos, Oswaldo se opõe pacificamente ao regime de Castro. Ele é o líder da dissidência católica em Cuba, prêmio Sakharov de Direitos Humanos, indicado ao Prêmio Nobel da Paz e animador do Projeto Varela, com o qual coletou 25 mil assinaturas para pedir ao Parlamento eleições livres.
Nas janelas de sua casa em Havana, há barras de metal, porque quase todas as noites os apoiadores do regime vão agredi-lo com os "atos de repúdio", as manifestações hostis reservadas aos opositores. A última vez que nos encontramos, no muro em frente à sua porta, haviam desenhado um enorme gusano, um verme, o apelido com o qual os partidários de Castro insultam os seus adversários.
Eis a entrevista.
No fim da próxima semana, o papa estará em Cuba. Alguns dissidentes escreveram uma carta para pedir a ele que não viesse, defendendo que a sua visita seria interpretada como um ato de apoio ao regime. Por que você não a assinou?
Nem sequer me propuseram-na – diz Paya, por telefone – porque sabiam que era inútil. A visita de Bento XVI pode ser explorada pelo governo para fins políticos, mas para nós, católicos cubanos, é um raio de esperança. Um sinal de atenção para o nosso país, que dará coragem àqueles que estão tentando mudá-lo de uma forma pacífica, para afirmar a liberdade, a democracia e o respeito pelos direitos humanos.
Você pediu para se encontrar com o papa?
Sim.
O que lhe responderam?
Que neste momento não é possível.
Por quê?
Eu acho que por causa das pressões do regime.
Você acha ou sabe?
Alguns dias atrás, dissidentes ocuparam uma igreja para se opor à visita. As autoridades católicas locais pediram que a polícia expulsasse os ocupantes. Eu não participei, mas suspeito que tenha sido uma manobra do governo, organizada justamente para colocar a Igreja contra seus opositores às vésperas da visita. De fato, o regime, depois desse episódio, disse que o papa não deve ver os dissidentes, e o Vaticano aceitou.
Você está decepcionado?
Com a hierarquia católica cubana, sim. Em um país como este, os bispos jamais deveriam recorrer às forças da opressão, aquelas que prendem e maltratam os opositores, para resolver uma crise como essa.
E não está decepcionado com o papa?
Foi uma crise interna, que o Vaticano apenas sofreu. Mas a diferença é esta: nós pedimos humildemente um encontro com Bento XVI, e, se não ocorrer, aceitaremos essa decisão sem discutir. O regime, ao invés, impõe as suas condições e espera que sejam respeitadas.
Você vai acompanhar mesmo assim a visita do papa e ouvir as suas celebrações?
Certamente, e com alegria, como um fiel que vai ouvir o seu pastor.
O que Bento XVI deveria dizer para lhes ajudar?
Certamente, não cabe a mim sugerir as palavras que o papa deve pronunciar. Seria ridículo, além de desrespeitoso, se eu o fizesse. Mas não tenho dúvida de que o Santo Padre virá para anunciar o Evangelho, isto é, a verdade. E nós, em Cuba, temos uma necessidade imensa de verdade.
A visita do pontífice pode favorecer a mudança à qual você dedicou a sua vida?
O papa não é um político. É um líder religioso, e esperar dele atos políticos está errado. A mudança deve ser decidida e feita pelos cubanos, para os cubanos. Essa determinação, porém, deve nascer principalmente nos seus corações, e eu estou certo de que Bento XVI irá falar aos corações dos cubanos. Eventos assim inspiram e dão coragem.
Depois da doença de Fidel e da passagem do poder para Raúl Castro, não começaram a ocorrer mudanças em Cuba?
Em termos de repressão, não. A dissidência é perseguida como e até mais do que antes, talvez porque o regime teme, precisamente, que a situação pode fugir das suas mãos. No plano religioso, há mais liberdade para frequentar as igrejas e as celebrações, mas às custas de um maior controle sobre as instituições e sobre os fiéis. No plano econômico, houve algumas aberturas, mas reservadas a poucos sortudos. O resultado é que se criou uma pequena classe de super-ricos, cada vez mais distante da grande maioria do povo, que, ao invés, continua muito pobre e sem oportunidades para sair dessa condição.
O que os países ocidentais democráticos, como a Itália, deveriam fazer para lhes ajudar?
Manifestar uma solidariedade concreta e convicta para com aqueles que buscam mudar este país pacificamente. Entre vocês, ainda há muito romantismo na atitude com relação ao castrismo, que é apenas um regime ditatorial. Nós não pedimos o embargo, as intervenções militares ou os desvios de capitalismo marcado apenas pelo egoísmo. Os cubanos querem apenas liberdade, democracia e oportunidades econômicas, como vocês. Para que consigamos tê-las, porém, precisamos da sua sincera solidariedade.
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''A Igreja de Cuba nos abandonou'', afirma dissidente cubano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU