07 Março 2012
"Vem, é tudo tranquilo. Vida normal!". Em pouco tempo, a normalidade do vilarejo na Síria se transforma. A dor superada pela hospitalidade e pelo diálogo inter-religioso.
A opinião é do jesuíta italiano Paolo Dall'Oglio, do Mosteiro de Deir Mar Musa, Síria, em artigo para a revista Popoli, dos jesuítas italianos, 01-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um alemão de 30 anos, Christopher, compartilhou conosco três meses desta penosa temporada. Em Mar Musa, conheceu um jovem muçulmano, cujo nome em árabe significa "Bondade". E ele, por telefone, o convidou para visitar a sua família no vilarejo, que fornece água para a capital: "Vem, é tudo tranquilo. Vida normal!".
Eis o relato de Christopher:
"É grande a alegria de nos reencontrarmos. O meu amigo me levou por toda a cidade e, depois, saímos da área habitada. No outro lado da montanha, uma grande bandeira com as cores da revolução. Bondade é da opinião de que é melhor não atravessar o vale. Uma explosão em um vilarejo próximo nos surpreende. À noite, ficamos sabendo que houve um atentado. As estradas fechadas, nenhum ônibus para Damasco! A família de Bondade me hospeda durante à noite depois de um bom jantar. 'Amanhã as estradas certamente reabrirão!'.
"À noite, tiros e gritos de homens que correm pelas estradinhas da cidade. O combate ocorre na frente da casa. Todos tentam me tranquilizar. Sou o seu hóspede, e eles garantirão a minha incolumidade. À noite, uma calma alucinada desce sobre as casas e reencontramos um pouco de sono. De manhã cedo, eu me acordo aos gritos de Allahu akbar, 'Deus é grande', e mais tiros. Os partidários tomaram posse da cidade: é impossível se mover. Bondade e sua família estão em choque: desejavam me mostrar a Síria de sempre, e foi o contrário.
Chove fraco, os combates cessam, subimos para o terraço para olhar para a estrada. Quatro cadáveres são transportados por homens em armas, logo aqui embaixo. Eu vejo pela primeira vez na minha vida pessoas assassinadas. Chame-me a atenção a palidez dos rostos e as roupas ensanguentadas. Um parece um menino. Desespero, raiva e nervosismo se esculpem nos rostos dos sobreviventes. Os minaretes repetem Allahu akbar, e os homens gritam Shahada ('Não há outro deus além de Alá').
Mais tarde, Bondade se aventura a procurar pão. Volta sem pão e com más notícias. Parece que o aqueduto de Damasco foi envenenado... Procuramos passar o tempo fingindo que não houve nada. Acabamos não acreditar nesse boato, cozinhando macarrão e bebendo chá. Eletricidade e telefone estão interrompidos; são poucas as esperanças de nos movermos amanhã. Teme-se o contra-ataque do Exército.
De manhã, tudo parece tranquilo. Os retratos do presidente não estão mais; o carro da polícia está nas mãos das crianças. Um pai de família amigo está disposto a me levar para fora de perigo. Bondade me acompanha, observando preocupado os pneus em chamas ao longo da estrada e os diversos postos de bloqueio. Ele se sente responsável pelo seu hóspede e quer ficar comigo até um lugar seguro".
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Hospitalidade em guerra na Síria, segundo o jesuíta Paulo Dall'Oglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU