Por: André | 09 Dezembro 2013
É o intróito do segundo Domingo do Advento. Em uma nova execução que nos é oferecida pelos Cantori Gregoriani e seu maestro.
A reportagem é de Fulvio Rampi e publicada no sítio Chiesa.it, 06-12-2013. A tradução é de André Langer.
Tradução
Povo de Sião,
o Senhor virá para salvar as nações;
e fará ouvir, o Senhor, a majestade da sua voz
com alegria de vosso coração.
Pastor de Israel, escuta,
tu que guias José como um rebanho
(Is 30,19.30/Sl 80,1)
Audição
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Guia da audição
O texto do intróito gregoriano do segundo Domingo do Advento merece algumas observações preliminares e lembra, de maneira mais geral, o complexo procedimento de composição textual feito pelos cantos do “proprium” de cada missa.
O procedimento mais simples nós vimos no primeiro Domingo do Advento: ali, o texto do intróito “Ad te levavi” era fruto da escolha de poucos versículos consecutivos do Salmo 24.
Outras vezes, os versículos bíblicos – em sua maioria extraídos do livro dos Salmos, mas não exclusivamente – não foram escolhidos de maneira consecutiva. Neste caso, faz-se necessário, portanto, um trabalho de centonização, ou seja, de costura de vários fragmentos textuais com a finalidade de produzir um texto capaz de garantir, com extrema concisão, a máxima densidade expressiva.
Um caso emblemático é o “communio” quaresmal “Videns Dominus”, que narra o milagre da ressurreição de Lázaro. O “Gradual Triplex” – que indica as referências à Sagrada Escritura no começo de cada peça – nos informa que o texto deste “communio”, tomado do capítulo 11 de Evangelho de João, é o resultado da centonização na ordem dos versículos 33.35.43.44.39. O resultado é o seguinte: “Videns Dominus flentes sorores Lazari ad monumentum, lacrimatus est coram iudaeis et clamat: Lazare, veni foras. Et prodiit ligatis manibus et pedibus, qui fuerat quatriduanus mortuus” que, traduzido, diz: “O Senhor, vendo as irmãs de Lázaro chorar sobre o túmulo, pôs-se a chorar diante dos judeus e gritou: Lázaro, vem para fora. E saiu, com os pés e as mãos amarrados, pois já era o quarto dia”.
Com frequência, a centonização vem acompanhada de uma verdadeira e própria modificação do texto mediante a substituição ou o acréscimo de palavras. Assim, por exemplo, na primeira frase do intróito “Da pacem” do 24º Domingo do Tempo Comum é, precisamente, o primeiro substantivo que é modificado em relação ao texto bíblico, tomado do Eclesiástico. O original “Da mercedem sustinentibus te” (Eclo 36, 18: concede “a recompensa” àqueles que te esperam), é substituído por “Da pacem” (concede “a paz”), deixando inalterado o resto da frase.
Mas, há mais. O aspecto mais corajoso e mais interessante desta metamorfose textual obtida a partir do texto bíblico não está apenas na escolha, na centonização, na substituição, mas também no verdadeiro e próprio acréscimo de um novo texto.
Também neste ponto, um exemplo entre outros: no gradual típico da Semana Santa, o “Christus factus est”, ao incipit do célebre texto original de Paulo (Filipenses 2,8) acrescenta-se “pro nobis”: “Christus factus est pro nobis oboediens usque ad mortem” (Cristo se humilhou a si mesmo “por nós”, sendo obediente até a morte).
Pois bem, a resposta do canto gregoriano a este procedimento de modificação do texto é evidente: o que a liturgia muda, substitui ou acrescenta converte-se musicalmente em um momento de especial expressividade, ponto de vista privilegiado na economia do fraseado em seu conjunto.
Voltando aos últimos exemplos citados, “Da pacem” e “pro nobis” – de alguma maneira, paradigmáticos deste fenômeno – representam cada um a verdadeira ênfase especial introduzida na respectiva peça de origem.
Podemos, portanto, constatar, a propósito dos textos do “proprium”, vários graus de elaboração destinada ao canto. Cada intervenção manifesta já, ao menos embrionariamente, o pensamento, a reflexão, a primeira resposta “litúrgica” da Igreja ao texto bíblico que lhe foi entregue. A resposta definitiva é dada pelo resultado sonoro que o canto gregoriano quer lhe assinalar.
E chegamos, finalmente, ao intróito “Populus Sion” do segundo Domingo do Advento, exemplo que resume o quanto se disse até agora.
A referência ao livro de Isaías (Is 30,19.30), para o anônimo recopilador do texto deste intróito, converte-se em inspiração para uma nova e radical reelaboração.
O primeiro versículo original de Isaías (“Povo de Sião... certamente [o Senhor] terá piedade de ti”), centonizado com o segundo versículo, um pouco distante (“Fará ouvir o Senhor a majestade da sua voz, e mostrará a força do seu braço com ira inflamada”) apresenta-se, no texto bíblico, dentro de um contexto de “vingança” divina contra a Assíria, para a salvação de Israel.
Pois bem, precisamente este texto que promete a aniquilação de um povo inimigo é utilizado e radicalmente transformado para converter-se, na primeira frase do intróito, num anúncio de salvação universal: “o Senhor virá para salvar as nações”.
O canto gregoriano, neste caso, realiza um bom jogo ressaltando com ênfase precisamente esta variação de significado produzida pelo novo texto, insistindo principalmente na desejada contraposição entre “Sião” e “gentes”.
O antigo anotador da abadia de São Galo dá um testemunho ainda mais explícito – como podemos ver mais acima, na reprodução da página do “Graduale Triplex” – ali onde acrescenta uma valiosa indicação “de sentido” à sua anotação em campo aberto, a que está incluída entre o texto e anotação quadrada. Tanto no acento de “Sião”, como no acento de “gentes” traça-se, sobre os respectivos neumas de dois ou três sons já com valores alongados, a letra “t”, isto é, “manter, reter”, como se se quisesse demorar posteriormente na amplificação do valor destas palavras e deter o olhar sobre a íntima relação-oposição entre estes dois elementos textuais decisivos.
Após ter proclamado, no intróito do primeiro Domingo do Advento, a universalidade da vinda de Cristo (“Universi que te exspectant non confundentur”), neste segundo Domingo o anúncio torna-se mais intenso e comovedor: ao povo eleito, “populus Sion”, anuncia-se a obra do Senhor, não mediante a aniquilação de outros povos, mas mediante sua salvação.
Após a marca desta primeira frase, o texto de Isaías utilizado para a segunda frase (“et auditam...”) assume de forma quase natural uma nova cor e um tom marcadamente alegre, traduzidos musicalmente por audazes impulsos e ênfases expressivas, explícitas graças à consecução das extremidades agudas da peça e a prolongada insistência sobre os mesmos graus melódicos.
A modalidade deste intróito, de fato, é de “tetrardus autêntico” (sétimo modo), cuja confirmada extensão estrutural para a zona aguda combina-se bem com a qualidade de um anúncio de salvação como este. O final, “alegria do coração”, representa à perfeição o eco e o descanso conclusivo da cadência.
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Obras-primas do Canto Gregoriano – “Populus Sion” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU