Por: André | 23 Setembro 2013
“Se o Estado tivesse perspectiva de gênero, se fosse então mais democrático, não haveria tolerância social à violência para com as mulheres e, portanto, feminicídio”, advertiu a professora e pesquisadora mexicana Marcela Lagarde, destacada figura do feminismo na América Latina, de passagem por Buenos Aires. Lagarde deu uma aula magistral sobre “Violência feminicida e os direitos humanos das mulheres” a destacadas lideranças da Justiça local. A presidente da Câmara Nacional de Apelações do Criminal e Correcional da Capital Federal e titular do movimento Justiça Legítima, María Laura Garrigós de Rébori, foi a comentadora da atividade. “Se o feminismo não se converter em tema de agenda política, não vamos chegar a uma verdadeira democracia”, considerou Garrigós, ao mesmo tempo em que se perguntou: “onde estão, nas plataformas dos candidatos (a deputados das próximas eleições), estas preocupações” sobre a violência machista e suas consequências na vida e na morte de mulheres?
A reportagem é de Mariana Carbajal e publicada no jornal argentino Página/12, 17-09-2013. A tradução é de André Langer.
A palestra de Lagarde foi organizada pelo Observatório de Gênero na Justiça, encabeçada pela filósofa feminista Diana Maffia, junto com o Centro de Formação Judicial do Poder Judiciário portenho. O auditório foi seleto: 25 pessoas, a maioria mulheres, do âmbito da Justiça, da política e dos meios de comunicação, com trajetória na defesa dos direitos das mulheres.
Lagarde é etnóloga e doutora em Antropologia, autora de numerosos livros e artigos de grande influência sobre estudos de gênero, desenvolvimento humano, democracia genérica, poder e autonomia das mulheres, além de professora na Universidade Nacional Autônoma do México e professora convidada em diversas universidades latino-americanas e espanholas. Foi deputada entre 2003 e 2006 e destacou-se durante sua gestão pela realização de uma pesquisa sobre os crimes de mulheres em Ciudad Juárez, para os quais cunhou o termo “feminicídio”. Junto com outras deputadas lutou pela aprovação da Lei Geral de Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, vigente no México desde 2007. E mais recentemente, desde a sociedade civil, promoveu a incorporação da figura do feminicídio nos códigos penais Estaduais: até o momento, assinalou, foram tipificados como crime em 14 dos 32 Estados do país.
Entre o público estavam o presidente do Superior Tribunal da Justiça de Buenos Aires, Luis Lozano; a juíza desse tribunal Alicia Ruiz; Nelly Minyersky, especialista em Direito da Família; Josefina Fernández, responsável pela Oficina de Gênero do Ministério Público da Defesa; Virginia Simari, presidente da Associação de Mulheres Juízas da Argentina, e Analía Monferrer, coordenadora da Oficina de Violência Doméstica da Suprema Corte. Também estiveram presentes as deputadas portenhas María José Lubertino e María Elena Naddeo.
Lagarde contou como se envolveu na pesquisa dos assassinatos em Ciudad Juárez, onde mais de 450 mulheres foram assassinadas e identificadas e estima-se que sejam quase 5.000 as desaparecidas em uma década e meia. “Em Juárez, falava-se de assassinatos em série, cometidos por caminhoneiros ou mafiosos. Havia todos os tipos de hipóteses; dizia-se que estavam vinculados às “maquilas”. Chegou-se inclusive a criar um estereotipo das vítimas: jovens, operárias, de cabelos pretos, bonitas”, assinalou. No entanto, a pesquisa determinou que os assassinos eram homens comuns, a maior parte conhecida das vítimas, parentes, esposos, noivos, ex-esposos, pais, irmãos, vizinhos, amizades familiares ou companheiros de trabalho ou escola, ou desconhecidos. Algumas mulheres foram vítimas das máfias, mas é uma porcentagem muito pequena. Essa pesquisa foi, depois, ampliada para todo o México, aonde chegou às mesmas conclusões. Mas a partir da análise da taxa de homicídios de mulheres sobre cada 100.000 habitantes, descobriu-se que na realidade Juárez não era o único lugar onde se matava mulheres, nem tampouco o lugar onde havia mais crimes de mulheres, embora esses homicídios tivessem uma repercussão internacional. Em 2004 – quando foi feito o levantamento –, todo o Estado de Chihuahua – ao qual pertence Juárez – ocupou o sexto lugar no país quanto à taxa de homicídios de meninas e mulheres. Outra constante encontrada, tanto em Juárez como no resto do México, foi a presença de irregularidades nas atuações judiciais e policiais na investigação dos crimes de mulheres e, portanto, uma grande impunidade como problema do Estado.
Lagarde indicou, além disso, que “nas regiões onde há crimes contra mulheres, há outras formas de violência machista presentes na vida social, de forma constante, tolerada socialmente e pelas autoridades, que criam um clima de impunidade”.
Lagarde definiu o feminicídio como o genocídio contra mulheres que acontece, disse, “quando as condições históricas geram práticas sociais que permitem atentados violentos contra a integridade, a saúde, as liberdades e a vida de meninas e mulheres”. Também considerou as mortes vinculadas à gravidez e aos abortos inseguros como “feminicídios”. Na Argentina, adotou-se o termo “feminicídio” para os assassinatos de mulheres por motivo de gênero.
A antropóloga contou que, em certa ocasião, um governador de um Estado mexicano lhe anunciou que seu governo compraria helicópteros para patrulhar as cidades para proteger as mulheres e instalaria câmaras de segurança nas ruas. Ela lhe respondeu: “Como vão monitorar com helicópteros e câmaras de segurança as casas para proteger as mulheres de seus esposos, de seus filhos, de seus amantes, que são os feminicidas?”.
“Enquanto não eliminarmos a supremacia violenta dos homens comuns e normais, não conseguiremos eliminar as violências contra as mulheres e o feminicídio. Isso – acrescentou – implica em mudanças sociais, educacionais e jurídicas muito importantes: é preciso mudar a mentalidade de juízes e juízas que ainda têm pensamentos de um século atrás. Se não mudarmos as instituições, não conseguiremos avançar”.
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O feminismo na agenda política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU