20 Setembro 2013
A teologia da libertação é, indubitavelmente, uma das vozes mais provocativas no diálogo cultural, que ultrapassa o âmbito único da vida da Igreja Católica para compartilhar preciosas sugestões sobre o humano com quem quer que se preocupe com o bem comum.
A opinião é da teóloga italiana Serena Noceti, professora da Faculdade Teológica da Itália Central, responsável pela catequese de adultos da Diocese de Florença e membro da Associação Teológica Italiana. O artigo foi artigo publicado no jornal L'Unità, 17-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Seis meses se passaram desde a eleição do Papa Francisco: o estilo de proximidade assumido desde a primeira saudação, a linguagem livre dos ornamentos de um sagrado para muitos incompreensível e não significativo, a atenção à existência humana e às suas necessidades, o reconhecimento de valor dos caminhos plurais e muitas vezes difíceis de quem – crente ou não – busca a verdade, os sinais claros e incisivos de uma fé coerente por se traduzir em escolhas de amor e justiça para todos parecem orientar os cristãos nos caminhos de uma presença nova e ao mesmo tempo oferecer uma "alma" às necessárias, esperadas, mas até agora impensáveis reformas estruturais que dizem respeito à Igreja Católica para uma plena implementação do Concílio Vaticano II.
Ainda com a escolha do nome, o Papa Francisco chamou os cristãos novamente ao essencial: à escolha radical de um evangelho que é plenitude de vida para todos, particularmente para os pobres, os marginalizados, "aqueles que não têm direito de ter direitos" (H. Arendt). É nesse horizonte de uma Igreja que está explorando as vias antigas do evangelho de Jesus de Nazaré e que as quer conjugar de modo novo em um contexto secularizado e pluralista, depois dos longos séculos da societas christiana, que se pode colocar o encontro ocorrido no dia 11 de setembro entre o papa e Gustavo Gutiérrez.
O teólogo peruano, reconhecido como o "fundador" da teologia da libertação, estava na Itália para participar do congresso da Associação Teológica Italiana e, depois, para apresentar no Festival de Literatura de Mântua o livro escrito em 2004 com Gerhard Ludwig Müller, hoje prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della chiesa.
Fortemente criticada, quando não contrariada por uma parte da hierarquia católica, objeto de dois pronunciamentos da Congregação para a Doutrina da Fé anos 1980, acusada de ideologização e de imanentização da fé, de reduzir a salvação a uma libertação da pobreza econômica, de depender da leitura marxista da história e de justificar a luta de classes e o recurso à violência, é uma das correntes teológicas mais significativas e fecundas do pós-Concílio.
Nascida na América Latina na segunda metade dos anos 1960, por vontade de encarnar o Vaticano II e de identificar categorias adequadas para se pensar temas clássicos de toda teologia (Deus, Cristo, a Igreja, o ser humano), em um contexto marcado pela miséria, pela desigualdade econômica, pela ferocidade das ditaduras militares, ofereceu à Igreja perspectivas inéditas inteiras para se pensar criticamente a fé cristã, interrompendo de fato a "pretensão" europeia de ser o lugar primeiro e de referência do pensar teológico.
Passaram-se 45 anos desde a primeira conferência de Gutiérrez (Chimbote, Peru, julho de 1968), que substituía o conceito de "desenvolvimento" pelo paradigma da "libertação", e são inúmeras as vozes de teólogos e teólogas que, com sensibilidades diferentes e em diferentes contextos continentais, contribuíram para repensar a fé cristã nessa perspectiva, tanto que é bom hoje falar de "teologias da libertação", no plural.
Para todos, continua sendo determinante o olhar sobre a realidade e sobre a revelação e a colocação assumida: a opção preferencial pelos pobres, por aqueles que Gutiérrez define como os "insignificantes" aos olhos do mundo. Em um tempo que parece aceitar passivamente a condição de miséria para milhões de seres humanos, que mede tudo no registro econômico e não quer rediscutir a atual estrutura neoliberal e os equilíbrios da globalização, a teologia da libertação parece necessária para uma Igreja que quer ser "Igreja pobre e dos pobres", como declara o Papa Francisco: ela reitera – sem medo – que o Deus do Evangelho de Jesus está do lado daqueles que são esmagados pelo peso da vida e das injustiças, sem esperança e sem futuro.
Enquanto denuncia que a pobreza (econômica, cultural, social) é desumana (e antievangélica), a teologia da libertação afirma que é necessário lutar contra a pobreza e as causas que a geram, não resignar-se à injustiça, promover a dignidade de todos. Aos cristãos, ela lembra que não se adere a uma verdade abstrata e a-histórica sobre um divino puramente transcendente, mas se atua por uma transformação do mundo segundo aquela revelação sobre Deus e sobre o ser humano que Jesus promoveu: nenhuma ortodoxia que não seja ortopráxis; nenhum discurso sobre a fé que não nasça de um envolvimento concreto no contexto social e pertencimento e de uma atenta leitura da história; nenhuma obra de misericórdia para os indivíduos que esqueça os cenários da interdependência do gênero humano.
Experiência e reflexão sobre a experiência, mediação, práxis: três palavras-chave para viver a vida cristã até mesmo na Europa, mas também três solicitações de uma revisitação do exercício da política hoje.
Porque a teologia da libertação é, indubitavelmente, uma das vozes mais provocativas no diálogo cultural, que ultrapassa – pelas vias da inteligência da realidade adotadas e pelo envolvimento ativo com os movimentos de luta pela justiça – o âmbito único da vida da Igreja Católica para compartilhar preciosas sugestões sobre o humano com quem quer que se preocupe com o bem comum.
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O evangelho dos pobres: com o Papa Francisco, a revanche da teologia da libertação. Artigo de Serena Noceti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU