Por: André | 03 Setembro 2013
Quando, em 2003, os Estados Unidos lideraram a coalizão de aliados contra o regime de Saddam Hussein, o atual cardeal Louis Sako, hoje líder da Igreja Católica no Iraque, era pároco em Mosul. Desde então, o purpurado sempre conservou nos olhos as imagens da destruição e as lágrimas que a guerra deixa atrás de si.
Por isto, ao ler as notícias publicadas nos últimos dias sobre a Síria, não consegue esconder seu ressentimento para com aqueles que escondem atrás da bandeira da democracia e da liberdade interesses de outro tipo. O patriarca caldeu está convencido, além disso, de que uma intervenção militar nesta região acenderia a mecha que faria explodir um conflito confessional ainda mais destrutivo, que acabaria por criar um novo Oriente Médio dividido em pequenos Estados.
A entrevista está publicada no sítio Aleteia, 02-09-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Eminência, você disse em várias ocasiões que uma intervenção militar contra a Síria seria um desastre, a erupção de um vulcão que terá consequências enormes em toda a região e, por isso, convida ao diálogo. Mas no território sírio os massacres são contínuos... as notícias recebidas diariamente falam de horrores inimagináveis contra a população: decapitações, raptos, homicídios em massa, violações. Nem sequer as crianças se salvam. Diante desta violência, diante destes ressentimentos, acredita que ainda é possível um diálogo na Síria? Que tipo de diálogo?
Acredito que sempre é possível um diálogo corajoso que busque o bem comum e que inclua a todos na política. A solução deve ser política e não militar. A guerra é sempre um mal, complica a situação e não resolve nada. Acredito que um país neutro ou um grupo de políticos ou chefes religiosos poderiam organizar este encontro, porque não têm interesses. Uma intervenção militar por parte dos Estados Unidos matará muitos inocentes e destruirá infraestruturas e casas (pensem no caso do Iraque) e não se sabe suas consequências sobre a Síria e sobre os países vizinhos. Além disso, com que direito, primeiro, vendem armas à Síria e ao Iraque e depois os atacam?
Além da sua intenção de intervir militarmente, o que você recrimina no Ocidente: o que deveriam ter feito ou que não fizeram bem? O que espera exatamente dos países ocidentais?
Não entendemos a política ocidental. Não há valores! Veja a situação no Egito, Líbia, Tunísia, Iraque, Iêmen e agora a Síria. Não entendemos porque querem mudar um regime ditatorial a favor de outro pior! No Egito, saiu Mubarak e entrou Morsi: que mudança! Conflitos, corrupção e mais pobreza. O mesmo acontece na Líbia, no Iêmen... Onde estão a democracia e a liberdade? O que o Ocidente faz para aplicar a democracia? São apenas palavras de ordem e desculpas para fazer a guerra! Dez anos depois da invasão americana no Iraque não temos democracia. Cada dia há explosões, mortes e prejuízos. Se o Ocidente quer verdadeiramente a democracia, deve educar as pessoas para a democracia e ajudá-las a realizá-la, e não criar tensões e conflitos. O Ocidente vê apenas seus próprios interesses econômicos! Que moral! As reformas são feitas com diálogo e precisamos de tempo e boa vontade, e não de bombas!
O que aconteceria no caso de uma intervenção militar? E que lição o Ocidente deve aprender com o que aconteceu no Iraque? O que torna a situação síria tão complicada?
Infelizmente, hoje, nem o Ocidente aprende a lição, nem o Oriente. O que os americanos aprenderam com a guerra no Iraque? O que os regimes da região aprenderam para fazer as reformas? O que torna a situação síria tão complicada é a intervenção dos governos de outros países nos assuntos internos da Síria. Os países muçulmanos, Arábia Saudita, Catar e Turquia apóiam a oposição sunita, assim como alguns países ocidentais. Ao contrário, Irã, Hezbollah, Rússia estão a favor do regime. É um conflito confessional que quer um novo Oriente Médio dividido em pequenos Estados.
Na situação síria há ao menos três atores: o governo de Assad, os rebeldes da Sirian Free Army e as tropas da Al Qaeda, cada um com seus próprios apoios internacionais. Como podem se sentar à mesa de mediação se suas reivindicações são tão diferentes? E como fazer para que a violência cesse sem o compromisso armado de terceiros?
Há a necessidade de um consenso. Quando os grandes poderes não apóiam a violência, mas fomentam o diálogo, as coisas mudam. Há os exemplos de Ghandi na Índia e de Mandela na África do Sul. A luta de uns contra outros é pelo poder, não para trazer democracia e reformas. Portanto, não lhes vendam armas!
Todos os líderes religiosos levantam a voz contra uma intervenção militar externa. Mas o que se pode fazer concretamente para acabar com o conflito sírio?
Fazer manifestações e marchas em todos os países para sustar a intervenção: mobilizar a opinião pública mundial para buscar soluções civilizadas e pacíficas!
O mundo ocidental não entende por que os cristãos se colocaram do lado do regime e, portanto, são vistos como cúmplices do que o regime está fazendo. Os cristãos têm medo do Oriente Médio, caso os rebeldes, alguns fundamentalistas, tomarem o poder? Poderia, de alguma forma, explicar qual é a situação dos cristãos e por que são em geral favoráveis ao regime? Que mensagem gostaria de dar ao Ocidente para compreender a situação dos cristãos e compreender como deveria agir?
Pobres cristãos. São uma minoria sem importância que quer viver em paz e estabilidade. Os cristãos aprenderam que a primavera árabe trouxe desastres e não reformas. Os fundamentalistas aproveitaram a situação para aplicar a lei muçulmana, a sharia. Para eles, um ditador é melhor que um regime religioso fechado que não aceita os outros. O Ocidente não entende o discurso religioso dominante! Os muçulmanos acreditam que por trás de suas desgraças (criação de Israel) está o Ocidente e os cristãos, e, portanto, a solução é um estado religioso e não laico.
Que interesses econômicos, políticos e sociais poderiam estar por trás de uma intervenção militar ocidental?
Uma intervenção militar empobrece a todos e traz confusão e miséria. É preciso abrir os olhos e ver a situação na Líbia, Tunísia, Iraque, Egito...
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“Vocês não aprenderam nada com a guerra no Iraque”. Entrevista com o cardeal Louis Sako - Instituto Humanitas Unisinos - IHU